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O amor dos cães e o amor de Deus

o amor dos cães
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John Zmirak - publicado em 29/05/14
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O que eu aprendi sobre Deus e sobre a redenção ao cuidar de cães abandonados“Você não está gostando do tempo?”, perguntam as pessoas aqui em New Hampshire (Estados Unidos). “Então espere cinco minutos”.

Quando chega o verão, o nosso clima polar se torna bipolar. Quatro vezes, só nesta semana, o dia mudou completamente de um instante para o outro: de sol radiante para raios e chuva aos cântaros e vice-versa, várias vezes consecutivas. Com o céu se alternando entre preto e azul e os raios nocauteado a tarde, os meus dois beagles sofreram um ataque de pânico.

O pequeno Franzi se encolheu no meio das minhas pernas e ficou choramingando até que eu o peguei no colo e o deitei ao meu lado na cama. Tive que embalá-lo como se ele fosse uma criança. Susie, por sua vez, corria para frente e para trás pela casa toda, como se estivesse perseguindo os relâmpagos, e latia bravamente para o céu como se estivesse respondendo aos trovões.

Ela acredita que é a censora do bairro: sempre que detecta algum pobre bêbado trôpego vindo dos bares de perto do meu bloco, ela corre para a janela e dá broncas dignas de uma esposa enfurecida. Os carros que passam pela rua também recebem o mesmo tratamento. Graças a Deus, não passam muitos por aqui (eu acho que foi ela que os assustou).

Susie é uma caçadora magra e elegante, que pouco lembra o filhotinho franzino que alguém me trouxe numa caixa de sapatos. Ela passou a maior parte da vida, desde janeiro de 2000, perseguindo insetos, mastigando ossos no sofá e uivando quase continuamente. Eu adoro este som e sempre a incentivei a uivar, de modo que hoje, quando eu digo “Cante”, ela solta um longo e comovente “Aúúúúúúúú!”. O pequeno inconveniente é que ela não para mais de uivar nos trinta minutos seguintes. Eu esqueci de ensinar a ela, quando filhote, algum comando que significasse “Pare com isso!”. Agora, paciência.

Adotei Susie a conselho de um diretor espiritual, um psiquiatra católico que esperava mudar a minha imagem jansenista de Deus. “Você quer saber como é o amor puro e incondicional, o tipo de amor que Deus tem por cada alma humana?”, perguntou-me ele, entre garfadas de macarrão. “Adote um cão“. Pelo menos foi isso o que eu acho que ele me disse com a boca cheia.

Seja como for, o conselho se mostrou sábio. Eu achei até mais fácil rezar com Susie cantando ao meu lado. Além disso, as nossas expedições ao parque em busca de presas aumentaram a minha produtividade como escritor (foi assim que eu me tornei arrogante, aliás).

Tendo sempre acreditado que “mais é mais”, ocorreu-me que Susie precisava de um companheiro para brincar e ajudá-la a arranhar o piso de madeira. Depois de visitar uma série de cães de raça, eu quase resolvi comprar um Boston Terrier, cujos saltos e coordenação me lembravam Michael Jordan. Mas os Bostons são menos propensos a cantar e eu achei que Susie gostaria mais de ter alguém com quem pudesse fazer duetos. Então pensei num Basenji, um pequeno cão africano. Baixei da internet alguns arquivos de áudio com os ladridos de um Basenji. Foi aí que um velho e intrometido morcego que vivia no meu pátio veio bater à janela, querendo saber: “Por que você está torturando aquele pobre cão?”.

A busca continuou até que eu encontrei o perfeito companheiro para um escritor: um filhote dálmata epilético, surdo feito uma pedra e com incontinência urinária (nem todas estas qualidades eram aparentes quando o encontrei). Ele tinha pertencido à minha vizinha, que o tinha comprado na Armênia e trazido para cá de avião, sobrevoando dois continentes. Como a vizinha estava à beira de um colapso nervoso, eu me ofereci para treinar o cachorro, mas, depois de algumas semanas, ela não queria mais levá-lo de volta. Koto era doce e brincalhão e tinha olhos azuis vívidos. Meu treinamento começou a funcionar depois da fase inicial de três dias de choramingamento quase contínuo. Além de ensiná-lo a fazer suas coisas lá fora, eu apliquei a Koto o Método Zmirak, que tinha funcionado muito bem com Susie: não importa o que o cachorro faz, elogie-o. Elogie quando ele come, se coça, se espreguiça, late para os pássaros. Tanto faz. Elogiá-lo faz o cachorro se sentir feliz e seguro, e, se o que ele estiver fazendo não for perigoso nem ilegal, é muito bacana vê-lo feliz e seguro.

A questão da epilepsia, conforme aprendi depois, poderia ser controlada por medicação. E ela me trouxe boas lições, também. Na primeira vez em que acordei com ele deitado em cima de mim, se remexendo e latindo freneticamente enquanto dormia e disparava fluxos de urina que atingiam dois metros de distância, eu tive que admitir que estava desconcertado. O camponês de origem eslava que vivia no meu interior também se manifestou: eu pensei que Koto pudesse estar possuído. Sacudi-lo não ajudou a acordá-lo, e a oração de São Miguel também não deu retorno imediato: foi então que eu tive que me voltar, em desespero, para a ciência, o que me fez descobrir que ele era epilético. Eu estava me acostumando com a ideia de ter um cão deficiente quando a mão de Deus interveio. Foi assim me deparei com Ratzinger.

Ratzinger não era o nome original dele, é claro. Mais tarde, eu soube que era Homer o nome do beagle que tinham abandonado às 3 da manhã em frente ao meu prédio, amarrado a um parquímetro. Alguma alma caridosa tinha enrolado o coitado num cobertor e ligado para a Proteção de Animais. Lá, a vida dele teria durado não mais do que dias, já que poucas pessoas estão dispostas a adotar um cão velho, com excesso de peso, feridas e infecções no ouvido e metade da pele faltando (conforme descobri depois, ele tinha vivido durante anos abandonado num quintal da vizinhança).

Naturalmente, eu o trouxe para casa. Batizei-o com o nome do meu candidato favorito para suceder João Paulo II, o genial teólogo alemão que era, ele próprio, uma cão de guarda da reta doutrina. Agora eu tinha três cães num apartamento de dois quartos, dois deles com graves problemas de saúde e a outra com uma promissora carreira de cantora pela frente. Parte do meu “problema logístico” se resolveu por conta própria: quando a antiga dona de Koto viu o último coitado que eu tinha adotado, ficou indignada achando que o cão “dela” poderia ficar doente em contato com Ratzinger. E o levou de volta. Gastei cerca de 1.500 dólares com o veterinário para devolver a saúde ao velho Ratzi. Eu voltava, assim, a ter apenas dois beagles, esperando que eles pudessem caçar e uivar juntos e felizes.

Mas o casamento não durou muito. Susie bem que tentou, mas Ratzinger preferia roubar a comida dela e soltar gases. E, alheio a qualquer método de treinamento que eu aplicasse, ele teimava em fazer xixi sempre no mesmo local da cozinha, fazendo o apartamento começar a cheirar como um túnel do metrô. Desesperado, encontrei um abrigo para cães que não os matava e que estava disposto a receber o meu incontinente cardeal, treiná-lo e encontrar-lhe um lar. Eu propus adotar um dos outros cães deles no lugar de Ratzi. Foi assim que acabei levando para casa o Greystoke. Não havia nada de muito errado com esse cachorro, excetuando a sua incontrolável e furiosa diarreia.

As pessoas do abrigo canino tinham se esquecido de mencionar esse detalhe. O abrigo acabou fechado pouco tempo depois, por negligência no cuidado dos animais. Deu tempo, no entanto, de acharem um lar amoroso para o meu velho Ratzinger, milagrosamente domesticado. Um amigo meu o avistou no Park Slope, tempos depois, tentando conquistar uma infeliz Basenji de algum consultor de arte.
Depois de fazer uma longa pesquisa e conseguir explicar ao veterinário qual era o problema do meu novo cão, alguns comprimidos resolveram a situação e eu finalmente consegui livrar a minha casa daquele aroma elementar.

Greystoke era como aqueles policiais rabugentos de Nova Iorque nos filmes de 1930. Ele ficava observando com ar oficioso os outros cães que brincavam um tanto asperamente e, de repente, decidia correr para cima deles e acabar com as brigas, soltando um saudável rosnado que assustava tanto os cães quanto os donos.

Carinhoso e protetor, ele garantia que eu me sentisse extremamente seguro ao andar à noite por aí, como se estivesse acompanhado pelo próprio prefeito Rudolph Giuliani amarrado à coleira. Apesar de morder algum ocasional convidado para o jantar, Greystoke era o animal de estimação perfeito. Eu fiquei de coração partido quando descobrimos nele um enorme tumor. Minha conta bancária também ficou partida quando gastei três meses de salário para que o veterinário lhe retirasse o baço. Mas o câncer já tinha se espalhado. Acariciei-o pela última vez, sentado no chão da clínica veterinária, instantes antes de um amigo o levar, enrolado feito uma bola em uma toalha, já duro e frio, para ser enterrado em uma fazenda de Connecticut.

Depois disso, toda vez que um novo cão perdido chegava em casa, Susie ficava de mau humor durante vários dias, até que, do nada, começava a flertar com o novo morador e se tornava sua cordial amiga. Mas quando perdemos Greystoke, ela ficou confusa. Andava para cá e para lá, cheirando os cômodos; voltava, parava e ficava me olhando, séria. Eu quase podia ouvir o seu lamento: “O que você fez com o meu marido?”. Depois, ela se virava e ia mastigar algum pedaço da casa.

Levei semanas visitando abrigos e grupos de resgate de beagles até encontrar o meu Franzi. Quando um amigo me levou até o abrigo em Westchester, Franz Josef irrompeu gingando para cima de mim. “Arf!”, declarou ele, solenemente, antes de perguntar: “Arf arf! Onde é que está o seu carro?”. E fomos para casa.

Franzi só estava comigo havia uma semana quando deu a sua primeira escapada. Numa vida passada, esse beagle que eu tinha batizado em homenagem ao meu Kaiser favorito deve ter vivido numa propriedade do tamanho de Schonbrun, porque espaço algum era suficiente para ele. Pensando ingenuamente que um cão de meia idade seria lento e complacente, eu soltei a coleira dele do lado de fora da porta do meu apartamento. Franzi saiu correndo como um cão de caça rua afora. Quem iria supor que um cão sonolento e rechonchudo podia correr tanto, para tão longe e tão rápido? Eu o persegui durante mais de duas horas, a pé, até chegar bem perto dele num momento em que ele parou para cheirar o lixo. Foi quando eu me esgueirei e me lancei para agarrá-lo…

Se você nunca caiu de cara no chão em cima de uma calçada suja de Nova York às 4 da manhã, você não faz ideia de quem é Franzi. Enquanto eu me levantava, ele já tinha desaparecido avenida abaixo.
Precisei de dois dias de perambulação pelas ruas e de muitos panfletos espalhados pela cidade para que uma alma caridosa viesse me devolver o malandro. Parece que ele tinha ficado entediado com as ruas e seguido uma mulher até a casa dela; foi trotando, entrou com ela como se fosse o dono e ficou olhando para cima, como quem espera o café da manhã.

Desde que retornou, Franzi tem trabalhado duro. Por exemplo, ele já:

– Conseguiu cortar os joelhos da minha namorada;
– Escapou várias vezes por frestas mínimas em portas entreabertas e por baixo de cercas;
– Escalou pedras e saltou riachos enquanto eu corria atrás dele em perseguição frenética;
– Me fez percorrer, de pijama e chinelos de dedo, uns quatro quilômetros por dentro das propriedades privadas de 24 dos meus vizinhos (eu fico surpreso toda vez que penso que ninguém atirou em mim);
– Saqueou a bolsa da minha namorada e depois foi devolvê-la pessoalmente a ela, pensativo, segurando os restos com os dentes;
– Desenrolou 24 rolos de papel higiênico duplo para fazer um colchão e, em seguida, foi dormir.

Às vezes, eu invejo as pessoas que têm um monte de filhos.

Mas, com os meus beagles, tenho certeza de que aprendi várias coisas sobre o amor de Deus por nós.