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Subsidiariedade: um componente básico do remédio que falta ao país

subsidiariedade
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Francisco Vêneto - publicado em 04/09/17
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E um princípio-chave da Doutrina Social da IgrejaNenhum povo prospera de verdade, integral e sustentavelmente, sem o máximo grau possível de autonomia de cada cidadão.

E todos, absolutamente todos os povos em que o governo se intromete em todos os âmbitos imagináveis se afundam cedo ou tarde em algum dos seguintes atoleiros, quando não nos dois:

  • ou no atoleiro da burocracia, do inchaço e ineficiência da máquina pública, dos favorecimentos institucionalizados, do populismo paternalista como “política” tanto de esquerda quanto de direita, da corrupção endêmica em todos os níveis, subníveis e desníveis do Estado e, como consequência, do acomodamento crônico da própria população, que sempre espera um “salvador da pátria” que surja do nada e faça o milagre da “mudança de tudo isso que está aí” (o clichê mais batido de toda a história das generalidades eleitoreiras em pelo menos 12 milênios da espécie Sapiens);
  • ou no atoleiro da falsa prosperidade, com vistosa gama de obras estruturais e materiais, mas com altos índices de insatisfação pessoal quanto ao sentido da própria vida, porque o preço que o Estado cobra para construir uma fachada de primeiro mundo é o totalitarismo da sociologia ideológica, do uniformismo na visão de mundo, da vigilância exacerbada e cada vez mais invasiva, da imposição de regras inclusive para a vida familiar e particular, e, em suma, da perene desconfiança na capacidade dos cidadãos de decidirem responsavelmente a própria vida.

Se o remédio para a infestação estatista no organismo social fosse simples, nem seria preciso ler e escrever sobre esta doença. Mas, complexidade do quadro clínico à parte, é axiomática a obrigatoriedade de incluir na fórmula do remédio o princípio ativo da subsidiariedade, acionado em combinação com o da solidariedade – que nada tem a ver com o populismo paternalista de Estado.

E o que é o princípio da subsidiariedade?

Grosso modo, é a diretriz segundo a qual o Estado, em qualquer das suas esferas de poder, só deve intervir para solucionar qualquer tipo de conflito quando nenhum outro meio civil é capaz de resolvê-lo por sua própria conta.

A Doutrina Social da Igreja incorpora este princípio e reforça que é preciso incentivar e formar nas pessoas o máximo grau possível de autonomia, de modo que os indivíduos e grupos humanos consigam autodeterminar-se e auto-organizar-se de modo livre, autossuficiente, solidário e colaborativo para prover às próprias necessidades e conquistar uma crescente qualidade de vida.

E a solidariedade?

Quando um indivíduo ou grupo não consegue solucionar um conflito por sua própria conta, então deve entrar em jogo a solidariedade, outro princípio-chave da Doutrina Social da Igreja. Não se trata de mero desencargo de consciência ou operação tapa-buraco: a solidariedade é a disposição habitual de prestar ajudas pontuais a um grupo ou indivíduo na resolução de uma dificuldade específica, ou seja, preservando e fomentando o máximo de autonomia em vez de suprimi-la.

A solidariedade, portanto, deve entrar em cena sempre a serviço da subsidiariedade.

Estado-encosto

Ao Estado cabe garantir que todos tenham acesso aos recursos fundamentais para exercerem a própria autonomia; nunca, portanto, o Estado deveria “substituir” essa autonomia mediante a concentração de tarefas que poderiam ser realizadas pela iniciativa cidadã, nem, muito menos, a concessão de paliativos que geram no povo uma dependência do Estado. O Estado não deve se arrogar o papel de interventor constante nos âmbitos em que o cidadão, dispondo dos meios necessários, deveria ser capaz de solucionar conflitos e suprir necessidades com base no próprio esforço. Permitir omissamente ou promover propositalmente nas pessoas a dependência do Estado é um salvo-conduto para que o Estado se imponha cada vez mais nos âmbitos particulares, impedindo, no fim das contas, a autonomia, o desenvolvimento e a realização plena dos indivíduos e das comunidades em que eles compartilham a vida real de todos os dias.

Um Estado assim é chamado, não à toa, de “paternalista“: ele recorda aqueles “paizões” (e “mãezonas”) que, em vez de garantirem aos filhos os meios e as oportunidades para que se tornem adultos livres, independentes e capazes de cuidar responsavelmente da própria vida, dão a eles tudo ou quase tudo de mão beijada, gerando a ilusão de que tudo é seu “direito” e nada ou muito pouco é seu dever.

A diferença entre o Estado e esses pais omissos e lenientes é que os pais, no geral, cometem esse erro por ignorância, na suposta boa intenção de poupar sofrimento aos filhos, enquanto o Estado perpetra essa estratégia de poder na consciente intenção de manter os “filhos” sob seu controle mediante concessões mesquinhas, mas bem disfarçadas de “compromisso social”.

Em vez de “ajudas diretas permanentes”: meios para a autonomia

É evidente que é necessário disponibilizar aos cidadãos os meios para progredirem, o que implica políticas eficazes de educação, saúde, segurança e infraestrutura para a mobilidade e as comunicações, por exemplo, mas esses meios devem ser entendidos precisamente como isto: meios; meios para que as pessoas possam, com o seu trabalho, se desenvolverem livres de “ajudas diretas permanentes” (que acabam sendo entendidas, erroneamente, como “fins” do Estado).

Repita-se: a solidariedade e a subsidiariedade devem operar “em parceria”, estando a solidariedade sempre a serviço da subsidiariedade e nunca voltada a suprimi-la.

Se grande parte dos países fecha os olhos para o princípio da subsidiariedade, optando por estruturas, programas e ideologias em que o Estado é marqueteiramente vendido como o “provedor direto” de quase tudo, é precisamente porque não lhes convém que os cidadãos se tornem verdadeiramente responsáveis pela administração da própria vida – ou seja, livres.

O caro leitor não achava que seria por genuíno amor ao próximo, achava?