Ele pediu ser enviado à ilha-colônia onde eram descartados aqueles que ninguém queria: um inferno de desespero entre cães que comiam cadáveresA ilha de Molokai, no arquipélago do Havaí, se tornou sinônimo de segregação e morte quando, no século XIX, passou a ser usada como “colônia de leprosos” abandonados à própria sorte. Para lá eram enviados os doentes de hanseníase das outras ilhas, a fim de morrerem longe da assim chamada “comunidade sadia”.
Essa desumanidade começou a ser corrigida graças à heroica dedicação de um santo católico, tão entregue aos cuidados daqueles a quem ninguém desejava que ele próprio contraiu a doença e dela morreu.
São Damião de Molokai, padre missionário católico belga cuja festa é celebrada pela Igreja no dia 10 de maio (no Havaí, em 15 de abril), costumava declarar:
“Nenhum sacrifício é grande demais se for feito por Cristo”.
São Damião nasceu na Bélgica em 3 de janeiro de 1840, batizado como Jozef Van Veuster. Foi como religioso na congregação dos Padres dos Sagrados Corações de Jesus e Maria que ele adotou o nome pelo qual é hoje conhecido. Enviado em missão ao Havaí, foi ordenado sacerdote na capital das ilhas, Honolulu, em 24 de maio de 1864.
Ele não apenas servia aos moradores como padre, mas ainda trabalhava com as próprias mãos para ajudar a comunidade. A igreja local, por exemplo, foi literalmente construída por ele, o que lhe rendeu muito apreço da população.
No entanto, uma devastadora epidemia de hanseníase começou a gerar o caos na comunidade e provocou um grave fenômeno de discriminação, isolamento e cruel abandono, causados basicamente pela ignorância generalizada.
Os doentes eram segregados e enviados à “ilha-caixão” de Molokai, um destino não somente de morte certa, mas de um fim de vida despojado de dignidade e humanidade. Os doentes, rejeitados como lixo vivo, buscavam algum alívio na embriaguez. A ilha era palco de muita violência, fruto natural da privação de esperança e de civilidade elementar. Os dias se arrastavam entre doentes bêbados, gemidos de moribundos e uivos de cães que comiam os cadáveres abandonados ao léu.
Foi a essa “colônia especial” que o padre Damião solicitou ser enviado.
Ele desembarcou em Molokai com vários leprosos para lá desterrados, sabendo que, muito provavelmente, jamais sairia vivo daquela ilha de sofrimento.
Aos poucos, porém, o santo missionário foi transformando Molokai. Ele construiu na ilha uma igreja dedicada a Santa Filomena, um hospital, uma enfermaria, uma escola e algumas casas. Além das restrições materiais, teve de enfrentar as zombarias de muitos dentre os próprios doentes, já contaminados por uma desesperança tão mortal quanto era na época a sua enfermidade física.
Em 1885, aos 49 anos, o próprio pe. Damião contraiu a lepra. Tendo-lhe sido oferecido sair da ilha para receber tratamento, ele se recusou:
“Eu me sinto feliz e contente. Mesmo que me fosse dada a oportunidade de sair daqui em boa saúde, diria sem titubear: fico com os meus leprosos”.
Apesar das dores, ele deu prosseguimento à obra de Deus no meio daquele povo desprezado. Pouco antes de morrer, pôde ver a chegada do pe. Wendelin e das irmãs franciscanas, que assumiram a enfermaria. Uma delas era a beata Madre Marianna Cope, que serviu aos doentes da ilha durante mais de 30 anos.
O pe. Damião partiu para a vida eterna em 15 de abril de 1889, foi beatificado por São João Paulo II em 1995 e canonizado por Bento XVI em 2009.
São Damião de Molokai é tão reconhecido por católicos e não-católicos que, no Capitólio dos Estados Unidos, a imagem que representa o Estado do Havaí é uma estátua de bronze deste sacerdote-herói.