Há quem julgue os católicos dizendo que adoram a Virgem Maria e os Santos em vez de adorarem só a Deus. Ora, o presente artigo demonstra que esse julgamento é falso à luz dos ensinamentos da Igreja.
Comecemos dizendo que alguns Dicionários de Português apresentam veneração e adoração como sinônimos, o que, sem dúvida, causa confusão na mente das pessoas. Diferente, porém, é o caso do Dicionário Completo da Língua Portuguesa (São Paulo: Publifolha, 2000) que traz: “Adoração, s.f. 1. ato de adorar. 2. Culto devido a Deus” (...) e “Veneração, s.f. 1. ato ou efeito de venerar; reverência, respeito. 2. Devoção, culto”. Eis, no domínio da Língua Portuguesa, uma oportuna e sábia distinção.
No plano teológico, a questão fica ainda mais clara, dado que a Igreja ensinou, com lucidez, no Concílio de Niceia II (Sessão de 13 de outubro de 787), que a Maria Santíssima e aos Santos se tributa uma carinhosa e respeitosa veneração (δουλεια, dulia) sem que isso constitua uma verdadeira adoração (λατρεία, latria), pois esta é devida só a Deus (cf. Justo Collantes, SJ. La fe de la Iglesia Catolica: las ideas y los hombres en los documentos doctrinales del Magisterio. Madri: BAC, 1983, n. 769).
Em outras palavras, a fé católica chama de dulia o culto aos Santos e de hiperdulia a devoção a Nossa Senhora, Maria Santíssima, colocando-a, desse modo, em destaque, enquanto Mãe de Deus e nossa, entre os justos no céu onde ela está, de modo singular, em corpo e alma. Esse culto à Virgem e aos Santos nada tem de adoração (latria) que convém só a Deus. Ninguém que desejasse, portanto, acusar os católicos de serem idólatras (adoradores de ídolos) encontraria sequer um documento da Igreja para comprovar sua absurda e falsa afirmação.
Pergunta-se, porém, em que consiste a dulia? – Respondemos que ela consiste tão somente na veneração, espontaneamente, prestada pelos fiéis católicos aos seus irmãos que, de modo heroico, lutaram neste mundo e obtiveram a coroa imperecível da vida eterna, assim como toda família venera seus antepassados sem os adorar.
Mais: a veneração dos Santos é composta de três momentos: 1) de adoração e louvor a Deus (nunca aos Santos) pelas maravilhas realizadas em seus Santos fazendo frutificar neles os méritos de Cristo. O culto aos Santos é, portanto, sempre relativo a Deus (teocêntrico) e ao Senhor Jesus Cristo (cristocêntrico). Nos Santos, contemplamos as obras-primas da graça adquirida por Cristo; 2) de súplica ou de pedido a Deus que, pela intercessão dos Santos, nos conceda as graças necessárias de que necessitamos neste mundo a fim de, um dia, nos unirmos a eles na glória celeste. Em Deus, os Santos (que não são oniscientes) sabem que recorremos à sua intercessão; 3) de estímulo para imitarmos os Santos, uma vez que se eles – humanos como nós – conseguiram a glória celeste por graça divina, por que também nós não conseguiríamos? Afinal, todos somos chamados a ser santos como Deus é santo (cf. Lv 11,45; Mt 5,48). Ninguém está excluído do convite ao convívio com o Pai celestial (cf. D. Estêvão Bettencourt, OSB. Curso de Diálogo Ecumênico. Rio de Janeiro: Mater Ecclesiae, 1989, p. 104).
Isso posto, resta ainda uma questão importante: é permitida ou proibida na Bíblia a confecção de imagens? – Em resposta, notamos que, no Antigo Testamento, o livro do Êxodo 20,4 mostra que o Senhor Deus proíbe os israelitas de confeccionarem imagens. Tal proibição não era, no entanto, absoluta, mas se devia apenas a uma circunstância transitória, pois cercada de povos idólatras, Israel poderia também ceder à tentação de adorar imagens, o que é idolatria (= adoração de um ídolo).
Passado esse perigo maior, o Senhor mesmo mandou confeccionar imagens para ajudar a piedade dos israelitas, segundo atestam numerosas passagens bíblicas como, por exemplo, Êx 25,17-22; 1Rs 6,23-28. 6,29s; Nm 21,4-9; 1Rs 7,23-26. 7,28s etc. Ora, a Igreja seguiu essa prática legítima da confecção de imagens e pinturas para veneração, apesar das críticas infundadas e até desonestas, ao longo da história.