Os efeitos psicológicos da eutanásia sobre os médicos que a praticam podem chegar a ser devastadores. Países que aprovaram a prática há quase 20 anos, a Holanda e a Bélgica são lugares em que aumenta o número de médicos necessitados de tratamento para lidar com as consequências psicológicas de terem acelerado a morte de seus pacientes, ainda que legalmente.
Quem fala do assunto é, ele próprio, médico e holandês: o biólogo Vincent Kemme, conselheiro da Federação Mundial das Associações de Médicos Católicos, participou como orador convidado, em outubro, no encontro nacional da Associação de Médicos Católicos Portugueses.
Em declarações à rádio Renascença, de Portugal, o dr. Kemme informou que, atualmente, estima-se que de 4% a 8% das mortes em seu país e na vizinha Bélgica são medicamente provocadas. Chegou-se ao ponto de que é "normal" conversar com um paciente sobre as suas preferências sobre como morrer.
"A nossa sociedade se tornou completamente materialista, laica, relativista e subjetivista. Hoje em dia, na Holanda ou em Flandres, a morte por intervenção médica se tornou normal. Todos os doentes na Holanda são questionados sobre como querem morrer".
As consequências, porém, são tão impactantes quanto o próprio cenário:
"Há casos de médicos que ficam de cama durante dois dias, por razões psicológicas, depois de praticarem uma eutanásia. Não gostam, não é para isso que são treinados, ninguém se torna médico para matar pessoas. A motivação é curar; é o contrário".
As perspectivas são tão sombrias que podem sinalizar o fundo do poço - e, por conseguinte, a possibilidade, ainda que remota por enquanto, de que o jogo comece a virar:
"Estamos só no início do processo. Pode ser o começo de um repensar a nossa cultura e a nossa legislação, mas ainda temos muito caminho para percorrer".
Efeitos psicológicos da eutanásia
Os efeitos psicológicos danosos da eutanásia não se restringem aos médicos, mas afetam cada vez mais a fundo a sociedade como um todo. O dr. Kemme prossegue:
"Vejo as leis da eutanásia como um sintoma de uma cultura que perdeu a noção de Deus, que deixou de ter a noção da procedência da vida e do seu valor, do que devemos fazer e do que devemos evitar. Estamos desorientados. Por isso, o que a maioria pensa é visto como verdadeiro. As pessoas acha que, se é lei, então é bom. Não fazem distinção alguma entre o que é legal e o que é moral. É todo um exercício intelectual que temos que empreender com eles, explicando que há nuances e distinções que precisam ser feitas".
O dr. Kemme denuncia que o direito dos médicos à objeção de consciência também está sendo atacado. No caso do aborto, o médico que se nega a praticá-lo está sendo obrigado a encaminhar a paciente a outro colega que o faça; do contrário, pode ser punido pela Ordem dos Médicos. Jovens com objeções de consciência estão se vendo forçados, assim, a optar por outras especialidades para evitar problemas. No tocante à eutanásia, o dr. Kemme cita o caso de um amigo oncologista que se nega a dar fim à vida dos pacientes e, por isso, também precisa encaminhá-los a outro médico: na maioria das vezes ele consegue evitar a eutanásia apenas conversando com o doente, mas há os que insistem. Quando não tem alternativa senão direcionar o paciente a outro médico, Kemme passa a ter um desafio adicional: o de não julgar o colega, para manter a porta aberta ao diálogo sobre a questão. Sobre esse diálogo, aliás, ele afirma:
"Nós, católicos, temos que repensar as nossas atitudes, a forma como encaramos as pessoas, para não as tratar como inimigos. Temos que distinguir entre o que elas fazem e quem elas são, entre a pessoa e suas convicções ou atos. Caso contrário, entramos numa guerra de opiniões que não dá fruto. Isso tem que ser evitado. Se continuarmos a ser simpáticos, veremos que somos apreciados pelo outro lado".
Vale esclarecer que o dr. Vincent Kemme é fundador do Instituto Biofides, que estuda a relação entre ciência, medicina e fé. A grande luta do instituto, na atualidade, é justamente a de garantir a preservação do direito dos médicos à objeção de consciência.