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Como educar para uma cultura da vida e da acolhida?

Recém-nascida de touca e luva
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Francisco Borba Ribeiro Neto - publicado em 12/02/23
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A cultura da morte já está entre nós – e não é só uma questão de aborto ou de eutanásia! Entenda:

Quando comecei a pensar neste artigo, confesso que a primeira ideia de título que me veio foi “A cultura da morte já está entre nós – e não é só uma questão de aborto ou de eutanásia!”. Contudo, pareceu-me alarmista e deprimente demais – ainda que verdadeira. Assim, optei por uma alternativa oposta, pois não há denúncia eficiente sem a possibilidade de uma ação restaurativa ou, ao menos, uma possibilidade de reduzir os danos da realidade denunciada.

O tema surgiu em decorrência do artigo anterior, que se referia tanto à questão do aborto quanto à dos ianomâmis. As comunidades cristãs algumas vezes caem numa perigosa armadilha. Ao longo da Evangelium Vitae, São João Paulo II denunciou o aborto e a eutanásia como os gestos mais emblemáticos da “cultura da morte”, mas isso não quer dizer que sejam as únicas manifestações desse modo de ver o mundo.

Se restringimos a defesa da vida ao combate ao aborto e à eutanásia, frequentemente deixamos de ver outras ameaças (como nesse caso dos ianomâmis), além de não nos darmos conta da raiz desse fenômeno. Talvez até pior, podemos nos deixar instrumentalizar por pessoas que, no fundo, vivem segundo uma cultura da morte e que simplesmente se declaram contra o aborto e a eutanásia para que não vejamos seus outros malfeitos.

A raiz do problema

Francisco denominou essa cultura como aquela “do descarte”. O termo pode parecer menos impactante do que “cultura da morte”, mas permite perceber como o fenômeno é mais amplo (cf. Fratelli tutti, FT 18-21). Poucas pessoas estão dispostas a cometer um assassinato, mas muitas “descartam” a outras, direta ou indiretamente. E descartar uma pessoa pode significar condená-la à morte.

O que está por traz desse fenômeno? Como pessoas boas, bem-intencionadas, podem mergulhar nessa mentalidade? Como nós mesmos podemos mergulhar nessa mentalidade, pois muitas vezes a compartilhamos sem nem sequer nos darmos conta...

Paradoxalmente, a cultura da morte e do descarte nasce de uma idolatria à vida. Vivemos numa sociedade que valoriza o prazer de viver e o poder de quem está vivo acima de tudo. Todos temos como que uma obrigação de sermos felizes, de termos uma vida cheia de prazeres e de êxitos. As redes sociais são o registro mais evidente desta “ditadura do sucesso”: uma coletânea interminável de pessoas sorridentes, bem vestidas, em lugares paradisíacos, comendo pratos deliciosos e assim por diante. É até de “mau gosto” ou “politicamente incorreto” mostrar-se desamparado, num momento de dificuldade ou sofrimento.

Num reflexo evidente dessa postura, quaisquer ameaças ao prazer, quaisquer fontes de sofrimento, quaisquer relações que não são mais agradáveis devem ser eliminadas – mesmo que isso signifique descartar uma pessoa, matar uma criança por nascer, eliminar um doente ou um idoso. Vidas sem prazer, pessoas sem poder não têm a mesma dignidade e os mesmos direitos das demais.

Dito dessa forma, a declaração pode parecer chocante e poucos se identificariam imediatamente com ela. Mas é assim que vivemos frequentemente e nos valemos de mecanismos de invisibilização e justificação para não nos apercebemos da realidade em que estamos imersos.

Uma resposta positiva

O escândalo moral e a culpabilização das ideologias e dos ideólogos podem fazer com que nos sintamos melhor, mas não resolvem o problema. Como nos educarmos para uma cultura da vida e do respeito aos direitos do outro?

Bento XVI, numa entrevista na sua ida ao Brasil, falando sobre o aborto, deu uma primeira resposta essencial: é necessário educar para a beleza da vida e para a esperança. A vida é bela também em seus momentos de dor e de sofrimento. a esperança pode vencer as dificuldades, não ser uma ilusão enganosa, mas sim a força que nos permite construir uma vida melhor – para nós e para os demais.

Assim como a vida é o oposto da morte, a acolhida é o oposto do descarte. Todos sentimos necessidade de ser amados e acolhidos – é essa experiência que nos faz ter consciência da própria dignidade e até de termos esperança no futuro. Uma pessoa se coloca a favor da vida quando descobre a força do amor e da acolhida, quando percebe que os fracassos, o sofrimento e a dor não precisam dar a última palavra sobre a vida.

É uma coisa incrivelmente simples, mas nem sempre é fácil... Tanto é que a cultura da morte e do descarte entrou em nossa sociedade e, de certa forma, se trona cada vez mais hegemônica. Muitas vezes, diante das dificuldades, nós mesmos parecemos perder as esperanças, assumimos atitudes individualistas, nos escandalizamos e nos deixamos determinar por normas formais, até justas, mas desprovidas de Espírito.

A acolhida não elimina a correção, mas a precede. Primeiro acolhemos e depois corrigimos. A esperança e a solidariedade devem sempre complementar a denúncia. A verdade não será adequadamente comunicada sem a experiência da beleza.

Muitas vezes nós mesmos estamos carentes de amor, solidariedade, verdade e beleza, mas Deus nunca se fecha àqueles que O buscam. Viver e comunicar essa positividade cristã ainda é o melhor caminho para enfrentar a cultura da morte e construir a cultura da vida e da acolhida.