As pessoas, via de regra, se abalam muito mais com os casos raros de infestação ou de possessão diabólica – ações extraordinárias – ou com o culto a satanás (satanismo) do que com as ações comuns ou até mesmo disfarçadas do maligno no dia a dia. Tratemos desta última modalidade de atuação do pai da mentira (cf. Jo 8,44).
O Papa Leão XIII ensina que, pela inveja de Satã, os seres humanos se dividiram em duas partes distintas: “Uma é o reino de Deus na terra, especificamente, a verdadeira Igreja de Jesus Cristo; e aqueles que desejam em seus corações estar unidos a ela, de modo a receber a salvação, devem necessariamente servir a Deus e Seu único Filho com toda a sua mente e com um desejo completo. A outra é o reino de Satanás, em cuja posse e controle estão todos e quaisquer que sigam o exemplo fatal de seu líder e de nossos primeiros pais, aqueles que se recusam a obedecer à lei divina e eterna, e que têm muitos objetivos próprios em desprezo a Deus, e também muitos objetivos contra Deus” (Enc. Humanum Genus, 1).
São João Paulo II, por sua vez, lembrava que “a tática de satanás consiste em não se revelar abertamente, a fim de que o mal, por ele introduzido desde o princípio, cresça a partir do próprio homem, dos próprios sistemas e das relações entre os homens, entre as classes e entre as Nações, para se tornar cada vez mais ‘pecado estrutural’ e possa cada vez menos ser identificado como pecado ‘pessoal’” (Homilia, Açores, 11/05/1991, n. 5).
Francisco, o atual pontífice, muito exorta sobre a presença e a ação diabólica no mundo. Seu modo de agir “consiste em apresentar-se de maneira sorrateira e disfarçada: começa a partir daquilo que nos é mais querido e depois, pouco a pouco, nos atrai a si”. O Exame de Consciência diário nos ajudará a evitar os camuflados convites diabólicos na nossa vida (cf. Audiência geral, 30/11/2022, on-line).
Explicitando a presença diabólica no mundo ou, em linguagem bíblica, “nos ares” (cf. Ef 2,2; 6,12; 1Pd 5,8), o famoso teólogo e cardeal Charles Journet assevera que “as duas sedes do demônio consistem, por um lado, no inferno, e, por outro, no ar, na atmosfera, nos lugares celestes. A primeira sede é a do seu infortúnio; a segunda, a das suas ameaças. Falar da presença do demônio no ar, na estratosfera, nos lugares celestes, é servir-se de uma imagem para dizer que, além da sua presença no inferno, onde está aprisionado, o demônio também está presente nos lugares em que vivemos, para nos tentar” (Le Mal, p. 282, apud George Huber. O diabo, hoje. São Paulo: Quadrante, 1999, p. 25). Disso vêm ao caso dois pontos práticos importantes: 1) a tentação e a 2) a ação sorrateira do demônio por meio de seus asseclas.
De modo geral, lembremos o que segue: “A tentação é uma solicitação para o mal, proveniente dos nossos inimigos espirituais” (Compêndio de Teologia ascética e mística. 6ª ed. Porto: L.A.I., 1961, n. 901). Ninguém está livre de ser tentado, por isso, há de pedir ao Senhor, no Pai Nosso, que Ele não nos deixe cair em tentação (cf. Mt 6,13; Lc 11,4). Deus, por sua vez, ao permitir – para aprimorar a nossa virtude – que sejamos tentados, também nos dá forças para resistirmos a essas terríveis investidas malévolas (cf. 1Cor 10,13). Quem recorre a Ele, à Virgem Maria, aos sacramentos e aos sacramentais, mantém o pensamento elevado e cultiva a humildade, a obediência e a alegria não se torna presa do maligno.
Quanto à ação sorrateira do demônio, afirma G. Huber que “Satanás atua, mas atua sobretudo na sombra, para passar despercebido. Atua através dos homens e também das instituições. Qual não terá sido o seu papel na preparação remota e próxima das leis que autorizam o aborto e a eutanásia?” (O diabo, hoje, 1999, p. 15). Como não ampliar essa ação satânica ao ódio à fé e aos seus ministros, às leis iníquas, à guerra aberta contra a castidade, contra a família monogâmica e estável, contra a paz e a reta ordem etc.? – Quem conhece essa trama diabólica fica atento e busca os meios oferecidos pela mãe Igreja para a luta que pode ser travada entre os homens, mas se resolve mesmo no plano sobrenatural. Não raras vezes, somente por meio da oração e do jejum (cf. Mc 9,29).