Desta feita vamos ao cinema francês, para não me acusarem de ser “elitista do ‘povo’”, devido à minha orientação preferencial para filmes mais comerciais – aqueles que geralmente são vistos. E a ele vamos com um melodrama justo, belo e nada delico-doce, sobre a realidade – dito por uma palavra que fiquei a conhecer e a desgostar – (in)voluntária das mulheres nilíparas. Quer dizer: as que não sendo mães, tentam viver o melhor possível esse facto face a uma maternidade que é tendencialmente universal.
Neste filme – com uma banda sonora impecável e uma abordagem frontal aos sentimentos decorrentes de (re)construções de vidas com mais passos atrás do que à frente – não há vítimas nem vilões. Há pessoas. E para isso é vital a representação contrastante entre a atração do par Efira (brilhante em todas as cenas) e Zem (lento e introspetivo), e o papel das demais personagens (que, cheias de naturalidade, causam avanços na arquitetura chã dos cenários e da vibrante narrativa). O realismo e a fantasia, o romantismo e a sinceridade, o humor e a seriedade, o ritmo certo e, por fim, a luminosidade intrigante são deliciosos, mas mereciam diálogos mais finos.
A partir da ótica de um teólogo, este filme tem diversos veios temáticos muito interessantes. O primeiro é o do drama de quem, embora feliz, sente o apelo à maternidade a correr num sentido e o relógio biológico no outro. Quantas mulheres conhecemos que, em nome da liberdade e da carreira, atrasaram compromissos matrimoniais e de geração? As consequências disso e do eventual “não dar à vida” podem ser dilacerantes, mesmo para quem afirma querer romper com as tradicionais expectativas do passado. Mas há a possibilidade de, mesmo assim, se encontrar felicidade, conquanto não se torne os “filhos dos outros” em moeda de troca para aquela.
O segundo é o do valor da vida humana quando se não tem filhos ou, então, se opta por ser, ou (por vezes dolorosamente) se vê a viver sendo, celibatário. A construção da identidade própria e do sentido desta, diante do um cenário mais comum (por vezes idealizado) que pode gerar perceções de exclusão, pode ser mais difícil, mas não impossível. Basta olhar, por exemplo, para Jesus. A vida permanece amável e ninguém é jamais privado do amor de Deus nem dos demais a quem procura para – com bondade, generosidade alegria e coragem – se fazer próximo. A ação amorosa assim vivida, embora com mais limites e menos instintiva (mas talvez justamente mais preciosa), cria hábitos que podem engendrar sentimentos que enchem a nossa alma e, às vezes só por interstícios, iluminam onde a história da nossa vida de amor encaixa na história de Deus.
Enfim, temos o tema das novas formas de formação de relações afetivo-familiares. São tão reais como Deus. Não as devemos ignorar nem ostracizar quem as vive. Mais: devemos fazer tudo para impedir que a tristeza, que nelas possa certamente advir, oculte os pequenos dons divinos que, também através das nossas comunidades eclesiais, lhes chegam. Isto mostra que a nossa vida tem mais do que um aspeto; tem uma miríade de ensejos conquanto não os absolutizemos, antes os asilemos em Jesus. Afinal, o cerne numa mulher (como ocorre nesta obra) não é ser ou não mãe, mas ser mulher n’Aquele.
(* França, 2022; dirigido por Rebecca Zlotowski; com Virginie Efira, Roschdy Zem, Chiara Mastroianni; Yamée Couture e Callie Ferreira-Gonçalves).