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“Luther: O Cair da Noite”: a net-esfera do mal

Televisão

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Alexandre Freire Duarte - publicado em 24/09/23

O Cinema pelo olhar da Teologia:Como acontece com a figura de Luther, parece cada vez mais que, como cristãos, precisamos de torcer as regras iníquas que nos são impostas para nos fazerem pertencer à alcateia global

​​“Luther; my name is John Luther”. Esta obra, que tão tarde vi, parece em tudo um filme de James Bond. Sem a panache e o glamour pessoal (e de cenários) de Bond, mas com tudo o resto. É pena, mas vale a pena ser visto, mesmo no meio de alguma violência escusada. Tudo neste filme de ação é um “jogo do gato e do rato” entre Elba e Serkis, com personagens secundárias que dão tudo para se manterem ao nível daqueles. Mas eles estão noutro patamar e, assim, esse tudo não basta, por mais que seja secundado por tiradas buriladas e locais sombrios e sujos de uma Londres depressiva, encrustada e gótica.

Elba, como polícia, mergulha nos pântanos morais da sua dura e brutal personagem, cheio de uma áspera e temperamental suavidade assombrada e melancólica que em nada destoa da sua fina acuidade psicológica. Serkis é tão burlesco como arrepiante no seu papel de um complexo terrorista psicopata que destila incerteza sempre que aparece. A trama, essa, é linear, subdesenvolvida e calculável, mas, também e ultimamente, estranhamente adequada, sobretudo na sua estética, tonalidade e cinismo.

Complicando o que no filme aparece como muito simples, ao ponto de não ser senão tangencialmente tocado, parece-me, como teólogo, que esta obra relembra-nos que a ideia de podermos ser anónimos é irreal. Já não é o imaginariamente malévolo deus que tudo vê para nos acusar dos nossos pecadilhos – esse que levou Sartre a recusá-lo em criança –, mas a Internet, que de um instrumento neutro se pode rapidamente transformar numa realidade deveras perigosa. Não só quando a usamos de um modo que nos afasta de Deus, dos demais e da nossa verdade, mas, agora e mormente, quando entra pela nossa privacidade (individual e familiar) adentro. E o pior é que aquiescemos a essa maldade de um mundo “na nuvem”, já quase omnipresente e a querer ser omnisciente.

Daqui resulta o perigo das nossas grandes transgressões morais servirem de fulcro para chantagens. E quantos de nós preferiríamos morrer a saber que os demais conhecem quem somos de verdade, por detrás das nossas fachadas visíveis? Mas, então, teremos vergonha dos demais, mas deixaremos de nos preocupar com as feridas que infligimos a Deus? Eis o mundo em que vivemos. Aquele no qual se foi invertendo, lentamente e com a nossa complacência, as nossas escalas de valores, de hábitos e de prioridades. Antes não morra o nosso “ego” de vergonha a morrermos de amor; antes não vejam as marcas serpentinas que entram e saem do nosso coração, a matarmos as serpentes que nele albergamos; antes suportar os nossos instintos, a cristificarmos as suas origens.

Como acontece com a figura de Luther, parece cada vez mais que, como cristãos, precisamos de torcer as regras iníquas que nos são impostas para nos fazerem pertencer à alcateia global. Mais: e torcermo-las empenhando tudo o que somos em Cristo, talvez até ao nos sacrificarmos, no altar do amor, nesse processo para bem dos demais. Esses demais que, depois e porque a nossa ajuda lhes ostenta o que (de noturno existe neles) gostariam de ocultar, nos podem acusar, processar, “cancelar” e denunciar, quando apenas queríamos erguer o Sol no nosso amor para eles. Isso não nas dará a paz “segundo o mundo”, mas desprender-nos-á do nosso “ego” e nos fará livres, ao nível do espírito amante, com efeitos para o futuro e, também e misteriosamente, para o passado.

(Reino Unido, EUA, 2023; dirigido por Jamie Payne; com Idris Elba, Cynthia Erivo, Andy Serkis e Dermot Crowley)

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