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“Assassinos da Lua das Flores”: a morte vinda do afã da riqueza

Leonardo di Caprio

Insidefoto/Imago Stock and People/East News

Alexandre Freire Duarte - publicado em 05/11/23

O Cinema pelo olhar da Teologia: O sombrio DiCaprio e o seboso De Niro são memoráveis e tiram, um do outro, o melhor (ou o “pior”) que já deram ao cinema; porém, a estrela do filme é Gladstone

Quem diria que, um dia, se iria ver um filme de Scorcese ser uma magistral reflexão pessoal sobre a culpa e a redenção. Mas é isso que temos nesta excecional obra de tapeçaria histórica de drama e violência. Nada de idealismos capciosos nem de violência pela violência, mas uma escalada, em folhetos, de tensão que, fazendo-nos sentir uma repulsa visceral pela injustiça, é como o tear de tal sinuoso tapete complexo e trágico de crueldade e manipulação, sem qualquer pinga de humanidade ou compaixão.

O sombrio DiCaprio e o seboso De Niro são memoráveis e tiram, um do outro, o melhor (ou o “pior”) que já deram ao cinema; porém, a estrela do filme é Gladstone. Quando ela aparece, silenciosa ou não, mas sempre digna e inteligente, parece que não existe mais nada à volta, ancorando, além do mais, o narrado fiel a si mesmo. Com tons sombrios, a fotografia capta, respetivamente com amplitude e pegajosidade, a natureza ferida e a perfídia humana. Por fim, quer a música minimalista (mas igualmente doce e exuberante) quer os pormenores mais ínfimos surgem quase como duas personagens.

Embora focado em factos ocorridos há cem anos, como Teólogo não posso ter dúvidas: estamos ante o retrato da humanidade, particularmente no seu antinatural estado areligioso. A ganância, a intrujice, o desejo pérfido de ser superior e controlar os demais por se crer impune (até uma morte sem consequências) são constantes na vida humana e, infelizmente, na vida de muitos que se dizem “cristãos”. A ânsia e a avareza pelo dinheiro, mesmo quando autojustificadas com palavras e motivações pias e devotas, devastam. E “mata-se” para se ter (e não se perder) tal pervertida ligação ao dinheiro.

Onde quer que haja dinheiro “a correr” dificilmente não abundam os charlatões, os ladrões, os violentos e, inclusive, os “assassinos”. Neste contexto, eles não se escondem, antes ostentam-se cheios de glamour para, pela grandeza que aparentam possuir, serem estimados e idolatrizados. O dinheiro pode ser usado (verdade seja dita) para ajudar a muitos, e são imensos os cristãos que o fazem. Mas o fazer dele o nosso coração trincha-nos a nível espiritual e afasta-nos de quem, e do que, deveríamos amar de verdade.

E recordemos: diante de Deus devemos ter sempre as mãos vazias para que a Sua Igreja seja uma comunidade de pobres voluntários para os pobres necessitados. Só o consentido vazio do nosso coração (sinónimo de estar repleto de amor) não suja a Deus quando afirmarmos ser “cristãos”. Não espiritualizemos a pobreza, tornando-a numa realidade “descafeinada” incapaz de ser aquela privilegiada escada desejada por Deus para, pelo amor com que a vivemos, deixarmos vir até nós (e nos converter em obreiros da paz, da misericórdia e da justiça) esse Deus-Amor ou Deus-Pobreza (razão para a primeira Bem-Aventurança ser, justamente, a dos pobres, pois ela também é a de Deus).

Mas como viver isto num Mundo tão cleptocrático, corrupto, desigual, desonesto e, a par, tão medroso ou apático para questionar essa realidade? E o que faremos quando reconhecermos os cruéis proprietários e cobiçosos de dinheiro? Mostrar-lhes, pelo desapego motivado pelo amor em que devemos viver, que há um “Mundo outro” que já está a vir, no qual os pobres são os mais queridos por serem os mais cridos por Deus.

(EUA; 2023; dirigido por Martin Scorsese; com Leonardo DiCaprio, Lily Gladstone, Robert De Niro, Jesse Plemons, Brendan Fraser e John Lithgow).

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