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“O Assassino”: nós, os homicidas por desamor

The Killer Netflix

Bestravelvideo | Shutterstock

Alexandre Freire Duarte - publicado em 12/11/23

O Cinema pelo olhar da Teologia: “O Assassino” é uma obra de um dos maiores mestres de filmes de suspense criminal

“O Assassino” é uma obra de um dos maiores mestres de filmes de suspense criminal. Uma obra ricamente fina, lacónica, poética, rigorosa, habilidosa, eficaz e com um humor seco que, no seu conjunto de episódios, é tão paradoxal quão deliciosa. Apesar da trama ser linear, não há nada de banal na mesma, e o seu próprio clímax anti-apoteótico recorda-nos que, afinal de contas, estivemos imersos num belo, contínuo e cínico subverter de expetativas. Nada de novo quanto a isto. Não é assim a nossa vida?

Além de se poder dizer que “O Assassino” é Fincher, ele é, sobretudo, um impecável Fassbender, no papel de um anónimo, ascético e quase vampírico assassino profissional que, a dado momento, tem que se virar do avesso – algo que Fassbender faz com quilate e a sua comum elegância felina e fotogénica. Face a ele, Swinton e O’Malley surgem de raspão, mas repletas de frescura atrativa e admirável. Por fim, quer a paleta virtuosa mas moderada de cores, quer a banda sonora – com a mistura das baladas antirromânticas dos “The Smiths” e de uma aura eletrónica – estão em pura sintonia.

Pode parecer estranho encontrar algo de teologicamente interessante numa obra como a que descrevi, mas a verdade é que o assassino que dá nome a este filme vive a fazer o que muitos de nós fazemos a viver: matar. Não: isto não é exagero. Temos consciência que quando pecamos, por gostarmos mais do pecado do que de Deus, estamos a matar Esse mesmo Deus-Amor? Temos dúvida? Olhemos para a Cruz. Não foi a Paixão que O matou, foi ter aceitado amar-nos até ao fim apesar do nosso desamor.

Mas, se calhar, não é apenas a Deus que andamos a “matar” ao longo da nossa vida. Quantos “cadáveres” teremos provocado com o nosso maldizer, com a nossa arrogância, com as nossas manipulações, com as nossas mentiras, com os nossos desejos de controlo e fama? Isto não é algo de hoje, mas não consigo deixar de pensar que, apesar de tudo e na sua intensidade, não se trata de uma realidade indiferente à presente vida moderna que nos cola a uma quase impossibilidade de sermos diferentes, melhores.

Nesta vida, apesar da mesma também estar cheia da graça divina (que nos impede de dizer “já basta”, pois, como cristãos, estamos “atrelados” ao Infinito), vemo-nos cercados pelo exaltar: do niilismo; do relativismo moral; da mundanidade (e até desumanidade) dos nossos trabalhos; das supostas “neo”-terapias cultivadas por impostores; da digitalização (tão magnífica a outros níveis) dos nossos mundos, relações, emoções, sentimentos, pensamentos e afetos. Mas é neste contexto que devemos viver; embora jamais como soporíferos, mas como estimulantes, para, em Cristo e na Igreja, fazermos ver que a as Bem-Aventuranças (que nos configuram com Jesus e são um “mapa” da vida cristã) seguem a pobreza íntima decorrente do amor que não se acomoda.

Nisto tudo, o mais grave é pormo-nos a racionalizar e a buscarmos “desculpas” para o nosso desamor (que alimenta o que de pior elenquei no parágrafo anterior), em vez de nos pormos de joelhos, ante o Deus que está sempre de joelhos ante nós, e d’Ele acolhermos aquele perdão que, se asilado pelo amor e vivido a perdoar, nos desnuda a alma. E fá-lo, para vivermos aquela compaixão crística que é o um que ganha mais valor nos zeros divinos que se juntam à sua direita e nos des-neutralizam nesse mesmo amor.

(EUA; 2023; dirigido por David Fincher; com Michael Fassbender, Arliss Howard, Charles Parnell, Sophie Charlotte, Tilda Swinton e Kerry O’Malley)

Tags:
CinemaCulturaViolência
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