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Católicos, é preciso pensar ordenadamente (Parte 1)

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Pe. Françoá Costa - publicado em 17/11/23

"Os católicos devem aprender a pensar melhor", afirma o pe. Françoá Costa em artigo compartilhado com Aleteia

O pe. Françoá Costa, da paróquia Senhor Bom Jesus, em Brasília, compartilhou com Aleteia o seguinte artigo sobre a necessidade de constante formação e aprimoramento intelectual dos católicos, para discernirem com clareza e objetividade diante dos desafios impostos por uma cultura marcadamente relativista. Eis a primeira parte do texto do sacerdote.

Os católicos devem aprender a pensar melhor. Com isso não quero dizer que nós não pensemos, apenas quero que melhoremos a estrutura do pensamento dos meus correligionários, sabendo que eu mesmo devo ser aperfeiçoado nesta arte.

De fato, a maioria (a maioria?) dos católicos é a favor da vida e da família, das crianças e da inocência, da fé e da moral verdadeiras, mas, curiosamente, votam em partidos que são contra essas mesmas realidades que defendem, por vezes irrefletidamente ou simplesmente pelo “orgulho de manter a opinião anterior”.

De fato, muitos cristãos não conseguem ver a conexão entre um pensamento filosófico e suas consequências na sociedade. Prendem-se, frequentemente, ao que se vê no momento, deixando de lado, sub-repticiamente, as próprias convicções, sem disso se darem conta ou, percebendo, ignorando a questão de fundo. Um exemplo bem simples: há pessoas que tem uma renda mensal mínima dada pelo governo e, para essas pessoas, o mais importante é esse “salário”. Em nome da renda mensal são capazes de ir à Missa piedosamente e votar em candidatos que lutam para eliminar criancinhas no ventre de suas mães.

Pensamentos de guerra

Não faz muito tempo, estourou uma guerra entre a Rússia e a Ucrânia, outra entre Palestina e Israel. O que há por trás de cada um desses países e como entender ambas as guerras no panorama internacional?

Por mais que cada católico seja livre de pensar como quiser em questões temporais, pois esse direito lhes assiste verdadeiramente, não posso deixar de alertá-los sobre como eles estão pensando e como um tal pensamento repercute na vitória do bem na sociedade atual.

Os primeiros cristãos tinham diante de si um império poderoso que aprovava muitas coisas vergonhosamente imorais. Eles não fizeram protestos públicos contra essas coisas, como hoje se faz, mas a coerência que eles tinham para com a verdade e, portanto, com Jesus Cristo, fazia toda a diferença. Explico-me melhor: por mais que ser a favor do estado confessional ou contra ele seja opinável, é preciso entender que, desde o início do cristianismo, aconteceu um fenômeno que ia desembocar necessariamente no estado confessional católico. Pensem comigo: uma pessoa convertia-se à Igreja e, pouco tempo depois, toda a família desta pessoa também; ao mesmo tempo acontecia a mesma coisa com outra família, com outra, com outra…

Acaso uma sociedade que tenha várias famílias católicas – e que, com o passar do tempo, terá todas as famílias católicas – não tomará conta de tudo e influenciará em todos os ambientes com a coerência cristã? Algo típico do cristianismo é, precisamente, esta coerência lógica. Por conseguinte, Jesus Cristo e suas doutrinas começaram a dominar tudo no executivo, no legislativo e no judiciário. Pois bem, chegamos ao estado confessional católico, ou seja, todos são católicos, todas as famílias são católicas, são os católicos que governam, legislam e julgam.

Certamente, os católicos desta sociedade deverão entender que, se ainda houver alguém que não se dobrou perante a verdade cristã, essa pessoa não poderá ser forçada nem ser morta, pois a fé não se impõe pela força nem pela ameaça da vida. Precisamente aqui estaria o campo da liberdade tão defendida hoje. Não se trata de uma liberdade de religião, pois, de fato, o erro não tem direito. As pessoas têm direitos e, neste caso, não devem ser coagidas a abraçar a fé católica, mesmo em um estado confessional.

A partir do que acabei de expor, penso que é possível compreender que uma única conversão tem consequências grandiosas. Mais ainda, a coerência cristã levará o mundo à Verdade, que é o próprio Jesus Cristo. Se os cristãos, porém, não forem verdadeiramente católicos, não acontecerá o fenômeno do estado confessional como causa final, ou, caso aconteça, será um estado confessional muito imperfeito. A bem da verdade, tudo o que há neste mundo é muito imperfeito, mas não podemos deixar de procurar fazer o melhor dentro das nossas próprias limitações.

Se eu aceito a fé cristã, tenho que aceitar, ao mesmo tempo, a evangelização, a conversão de famílias inteiras, a moralização dos costumes, a cristianização das leis, enfim… o estado confessional vai vir necessariamente, mais cedo ou mais tarde. Quando não se aceita a fé católica em toda a sua santa integridade, não se percebe a importância do proselitismo retamente entendido, questionam-se as conversões, defende-se a laicidade do estado sem muitas distinções, confunde-se a liberdade com a revolução. Certamente esses católicos não aceitam o estado confessional como causa final. Pelo contrário, questionarão até mesmo os direitos de Deus na sociedade em nome da laicidade do estado e da defesa de uma mal-entendida liberdade das pessoas. Alguns, inclusive, se sentirão orgulhosos de não “ferirem” culturas ao não batizarem os pagãos. Desde quando o batismo é algo anticultural?

O caso do Estado confessional quiçá apareça diante de nós como algo longe da nossa mentalidade atual. A guerra da Ucrânia contra a Rússia, ao contrário, é quase uma realidade tangível, e, no caso dos ucranianos, é desgraçadamente palatável. Vamos procurar dar uma interpretação cristã ao acontecimento.

Marxismo

Todos sabem que o marxismo enquanto revolução teve seu êxito na Rússia, especialmente a partir de 1917. No começo, o comunismo marxista parecia que queria simplesmente lutar pelos direitos dos trabalhadores, colocando-os em ação contra os burgueses. Revelou-se, porém, frustrante para os próprios trabalhadores com o passar do tempo, ao mesmo tempo que as classes altas começaram a dominar burguesamente dentro do próprio comunismo. Sempre foi assim: a sociedade sem classe dos comunistas considera todos iguais, mas uns são mais iguais do que outros (Orwell). Os mais iguais serão sempre os da classe dominante da sociedade sem classes. Mas isso não é contraditório? Certamente, porém isso não lhes interessa.

Como a sociedade sem classe russa não serviu para implantar o ideal do comunismo, mas para realizar de maneira dominadora a União Soviética, os próprios comunistas entenderam que aquele era um novo sistema de opressão das classes locais. A União Soviética tampouco prosperou. Poderíamos fazer uma análise semelhante de países como China, Cuba, Venezuela, Nicarágua, Coreia do Norte. É certo que nesses países se conseguiu uma nova ditadura, o que não se conseguiu foram países para os trabalhadores, livres de classes dominantes. Sempre haverá alguém que procurará ver tudo isso com outros olhos, com outra leitura. No entanto, os fatos gritam por si mesmo.

Por outro lado, os próprios comunistas deram-se conta de que o “comunismo puro” não funciona. Eles mesmos evoluíram e passaram para o “marxismo cultural”. Parece-me coerente dentro da lógica comunista, pois, ao final das contas, o que conta é o espírito absoluto (estado absoluto), que nunca se sabe exatamente o que é, no qual existem continuamente teses e antíteses – portanto, revoluções e contrarrevoluções -, as quais são esmagadas por uma nova revolução, e assim sucessivamente.

Por isto, se for para conseguir o “espírito absoluto” (estado absoluto?) em um determinado momento, o oprimido será o trabalhador; dependendo da situação, o pobre; se apertarem um pouco mais, a mulher; mais modernamente, o negro; atualmente, os gêneros. Se for para conseguir o objetivo comunista, troca-se o oprimido a qualquer momento e, consequentemente, o opressor. Tudo isso sem compromisso com a verdade, mas com a ideologia do partido. Eles mentiram, mentem e continuarão a mentir. A mentira faz parte do seu jogo dialético-ideológico. Por isso é muito difícil para uma pessoa que acredita na verdade o “dialogar” com esse tipo de gente. Enquanto, para o homem clássico, existe verdade e mentira, para o comunista esse tabu moral deve ser quebrado: verdade e mentira não são a questão, mas o objetivo comunista é o que verdadeiramente importa.

Entende-se, portanto, que não se consegue conversar com um comunista através do diálogo, mas, normalmente, através do grito no estilo do “olavista”, pois, em continuidade com a maneira deles pensarem, o grito, a revolução, as armas fazem parte do seu sistema, pois foi assim desde o começo.

Fátima

Nossa Senhora de Fátima alertou os católicos, precisamente em 1917, quando estourava a revolução russa, contra o comunismo russo, dizendo que era preciso consagrar-lhe a Rússia, pois, caso contrário, a Rússia espalharia os seus erros pelo mundo. A consagração tardou em vir e, de fato, a Rússia espalhou o comunismo marxista pelo mundo. No Brasil, por exemplo, quase todas as estruturas de pensamento e da sociedade já são comunistas. As revoluções, como se sabe, eclodiram de maneira forte, no século XX, especialmente na Espanha e no México, mas outros países não ficaram livres das ameaças do dragão vermelho.

Conhecendo a história do comunismo e percebendo a importância da mensagem de Fátima, deveriam saltar ao pensamento do cristão pelo menos duas consequências: não dá para confiar em comunistas, pois mentem dentro do jogo dialético de teses e antíteses; se a Rússia ganhar contra a Ucrânia e contra os pequenos países daquela região, o comunismo marxista continuará atentando contra tudo o que for verdade neste mundo que nos foi legado pelos nossos antepassados.

É verdade que os comunistas devem manter uma certa ordem, em alguns momentos defender a vida, noutros repreender manifestações de homoafetivos. Contudo, não podemos confiar em comunistas a tal ponto de deixar-nos enganar e não compreender que essa “falsa moralidade da mentira” também faz parte do jogo dialético.

Alguém poderia dizer: o comunismo que Nossa Senhora condenou não é o mesmo comunismo russo dos dias de hoje. Com essa afirmação, esse católico apenas demonstraria que ainda não entendeu a dialética do comunismo nem a capacidade de mentir que essa gente tem. No entanto, pessoas que pensam que os sistemas filosóficos se convertem com o passar do tempo não entendem que elas mesmas devem se converter intelectualmente a esquemas mais realistas. De fato, muitos comunistas se converteram, deixaram o partido e denunciaram as atrocidades do marxismo comunista. Neste caso, basta citar o livro de David Priestland intitulado “A bandeira do comunismo” para entender a evolução do sistema na perspectiva de alguém que viveu dentro da bolha, mas conseguiu sair dela. Sistemas não se convertem, pessoas sim. Como diria Santo Tomás de Aquino, no começo do “De ente et essentia”, um pequeno erro no começo será um grande erro no fim.

Ao fazer essa reflexão, não pretendo defender os Estados Unidos nem o capitalismo. No entanto, os Estados Unidos, com sua tradição cristã, ainda que protestante, resulta-me muito mais simpático que o comunismo russo. Isso tampouco posso ocultar. Por outro lado, acho muito complexo que alguém combata a soberania de um estado como a Ucrânia. Dizer que os ucranianos deveriam se render porque historicamente Kiev fez parte da grande Rússia é semelhante a afirmar que o Brasil deveria voltar a ser de Portugal. Ora, a dominação foi algo corrente na história dos povos e, normalmente, quem foi mais forte venceu.

Pensar a partir da guerra entre Ucrânia e Rússia

A minha questão não é quem vai vencer a guerra ou quem tem que vencer a guerra. Certamente vencerá quem for mais forte, como em qualquer queda de braço. A questão aqui é ensinar o católico a pensar a partir da guerra entre a Ucrânia e a Rússia. Ou seja, a mente do cristão deve ser levada à coerência lógica para entender até que ponto existe nele uma unidade de vida semelhante àquela que se dava entre os primeiros cristãos. Se a Rússia ganhar, ganhou. Acabou. Mas a vitória da Rússia defendida pelos católicos deve ser vista em suas consequências. Isto é, o avanço do comunismo é certo com a vitória da Rússia e, portanto, não vai adiantar chorar o leite derramado quando os comunistas estreitarem os laços e abraçarem mais o Brasil ou outras nações que, até pouco tempo atrás, tinham fama de serem católicas. Países inteiros, como o México, de tradição profundamente católica, passaram a ter aversão ao cristianismo, à Igreja, aos padres. Quanto ao Brasil, na verdade, a Rússia já o prendeu em seus tentáculos, tão invisíveis quanto a metáfora dos próprios tentáculos que utilizo neste artigo.

É certo que o mundo ocidental, em geral, está vivendo uma cristofobia. É também verdade que tudo isso foi elaborado pelo marxismo cultural de tantos pensadores franceses e alemães, no entanto comunistas. A França, a filha primogênita da Igreja Católica, virou uma adolescente raivosa contra a própria mãe. O comunismo é, de fato, posterior ao iluminismo e à revolução francesa, mas esses três movimentos são fases de uma única coisa: o protesto adolescente da razão contra Deus e contra os valores da natureza, que os apresenta como algo muito tradicional, que precisam ser quebrados.

Se a Rússia ganhar, o comunismo continuará a se espalhar. É isso que eu quero dizer. E eu não entendo como um católico possa defender, implicitamente, o avanço do comunismo, mesmo quando a Rússia defende, por exemplo, a nossa Amazônia. A bem da verdade, nem me importa a opinião da Rússia quanto à nossa Amazônia, porque, se um dia qualquer País quiser tomar a Amazônia, o Brasil deverá defender seu território e, mais uma vez, quem for mais forte levará a terra e as florestas. A geopolítica importa muito pouco quando os interesses dominam as mentes. Ou será que nós ainda acreditamos que o homem nasceu inocente e que o meio no qual vive o corrompeu? Neste caso, a Rússia seria inocente e nossa aliada ao defender a nossa Amazônia?

Permitam-me citar uma passagem bíblica que resume o meu pensamento: “A nossa luta não é contra a carne e o sangue, mas contra os espíritos do mal” (cf. Ef 6,12). Não posso defender implicitamente o comunismo russo em troca de que a Rússia defenda a Amazônia. Não é coerente.

Vou ilustrar isso com outro exemplo. Você assiste a uma novela na qual uma das histórias é a daquele casal que a esposa parece uma víbora; o esposo, pobrezinho, é um infeliz, pois, todas as noites sofre com aquela mulher verdadeiramente infernal. Finalmente ele encontra uma mocinha linda, delicada para com ele, que o faz feliz. A pessoa que assiste à novela, mesmo sabendo que há um casamento que vai ser destruído, e mesmo aceitando que o casamento existe até que a morte os separa, começa a torcer, quiçá sem perceber, para que ele vá embora de casa e viva com sua amante. Ao final das contas, pensa o noveleiro da telinha, que o homem seja feliz com a amante, não com a víbora da esposa. A sua mente, levada por um sentimento nobre de felicidade, traiu um valor humano igualmente nobre, ou seja, a sua inteligência aceitou que, neste caso, ele poderia trair a esposa.

“Certamente, se for pela Amazônia, valeria a pena aceitar o comunismo”, poderiam pensar alguns. Tenho certeza de que você nunca enunciou as coisas desta maneira, assim como a mulher que assiste à novela tampouco disse que é a favor do adultério. Mas é preciso estar atento. Os primeiros católicos não negociaram jamais com o império romano: para eles, a divisa era ou morrer ou ceder. Não cederam; eles converteram o império, mesmo que muitos tenham morrido. A isto eu chamo coerência intelectual, ou melhor, coerência cristã. Tal honestidade intelectual é instrumento eficaz de conversão para as pessoas, que, seguramente, farão um mundo melhor, ainda que imperfeitamente. Ao contrário, com católicos que não conseguem ver as coisas bem, é difícil realizar um trabalho de evangelização a longo prazo.

Repito que eu não condeno você por defender a Rússia, pois eu mesmo defendo a liberdade dos católicos em questões opináveis. O que me custa entender é que você não consiga fazer a leitura coerente de coisas lógicas. No caso da Rússia, temos de convir que foi algo também avisado pelo céu através de Nossa Senhora, não somente em Fátima, mas também em outras aparições. Contudo, os resultados históricos também provaram suficientemente o que eu estou a expor. A geopolítica não justifica que eu torça pela Rússia como a riqueza entregue pelo diabo não me convence a vender minha alma a ele. Prefiro ser pobre, porém de Deus, do que ser rico e ser de Satanás. Prefiro que a geopolítica se exploda, contanto que eu mantenha a cabeça em cima do pescoço, ou seja, que eu continue amando a verdade coerentemente.

A força das ideias

Poderíamos continuar com o nosso diálogo e você talvez me diga que o mundo não é governado por ideias e que é preciso agir, dialogar, fazer as coisas num tabuleiro de xadrez em nome da esperteza etc. Desculpe, mas vou contradizer você de novo: foi o ideal cristão, a verdade de Jesus Cristo que transformou o Ocidente em pouco mais de três séculos.

Efetivamente, as ideias fizeram os estados católicos; os ideais cortaram cabeças na guilhotina; foram as ideias que realizaram a União Soviética; em nome dos ideais, cristãos foram mortos e também mataram. Todos os bons estrategistas de guerra são homens profundamente imbuídos por ideias.

No fundo, vencem as armas porque as ideias venceram antes. Não é verdade que a teoria na prática seja outra coisa, mas a verdade é que a coisa que se realiza é produto de uma boa teoria.

Em breve, a parte 2

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