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O papel de cada um diante das “situações irregulares” e dos sacramentos

Pope Francis presides a mass on World Day of the Poor at St Peter's basilica

Antoine Mekary | ALETEIA

Francisco Borba Ribeiro Neto - publicado em 19/11/23

Sem dúvida, aquele que é acolhido necessita sempre (assim como cada um de nós) converter-se e corrigir seus comportamentos quando errados. Mas não cabe à comunidade insistir nas falhas do irmão sem a devida acolhida e perdão

Recentemente, o bispo da diocese paulista de Santo Amaro, dom José Negri, solicitou esclarecimentos do Dicastério para a Doutrina da Fé a respeito da participação de pessoas trans e homoafetivas nos sacramentos do batismo e do matrimônio. Aqui mesmo, no site Aleteia, foi publicado um artigo onde o padre José Eduardo de Oliveira e Silva explica as respostas do Dicastério a dom Negri. O texto não altera, nem poderia alterar, nada do magistério católico em relação ao tema, apenas esclarece alguns pontos que podem ser mais difíceis de entender. Não vou aqui me estender sobre aquilo que já está bem explicado no artigo acima citado.

Contudo, cada um de nós tem um lugar e um papel na comunidade cristã. Quando queremos fazer algo que não é nossa função, frequentemente acabamos por piorar as situações e nos afastarmos de Deus – mesmo que cheios de boas-intenções. Sob esse aspecto, o documento emitido pelo Dicastério apresenta alguns aspectos que merecem ainda ser mais aprofundados, relativos à responsabilidade pessoal de cada um de nós perante situações consideradas “irregulares”, decorrência das fragilidades e imperfeições que marcam a todos os seres humanos, mas que podem se manifestar de forma mais extrema em alguns casos. Essas são  sempre situações onde parece existir um pecado objetivo, mas que – mesmo assim – devem ser acolhidas e, se possível, corrigidas e  integradas à vida da comunidade católica (cf. Amoris laetitia, AL 296ss, Familiaris consortio, FC 79ss). As duas ações, acolher e corrigir, não deveriam ser vistas em oposição – e ambas, sem dúvida, precisam nascer do amor gratuito pelo outro e têm como objetivo maior a integração da pessoa à vida da comunidade.

O papel dos pastores

É bastante significativo que o documento responda a questões levantadas por um bispo. Os pastores têm responsabilidades próprias na comunidade. Podemos e devemos ajudá-los no cumprimento dessas responsabilidades, mas frequentemente cometemos grandes pecados quando queremos assumi-las como nossas, sendo “mais realistas do que o rei”, como diz o ditado.

O pastor tem, entre outras, a responsabilidade pela unidade do povo de Deus a ele confiando, bem como da acolhida que a comunidade, em seu conjunto, faz àqueles que estão fora dela. Daí que o documento, mesmo considerando sempre a importância da acolhida àqueles que estão em situação irregular, enfatize a necessidade de evitar “situações em que haja risco de gerar escândalo público ou desorientação entre os fiéis”.

De fato, muitas vezes uma postura de acolhida mais extremada gera escândalo ou desorientação dentro da comunidade. Contudo, o documento não considera que o escândalo da comunidade seja um argumento para negar a acolhida àqueles que buscam de coração sincero a acolhida da comunidade. A acolhida implica sempre em uma atenção para com a comunidade… O filho mais velho não ficou imediatamente satisfeito com a acolhida que o pai deu ao pródigo, mas nem por isso deixou de fazer aquilo que seu amor paterno indicava fazer (cf. Lc 15, 11–32).

Nesses casos, a solução não é deixar de acolher, para evitar o escândalo e a desorientação, mas – justamente o contrário – ter uma acolhida atenta também para os escandalizados e desorientados, procurando ajudá-los a compreender todas as facetas do amor, sem cair na confusão que relativiza os valores, mas reconhecendo que o amor que acolhe é o valor maior e que orienta os demais.

O papel de cada membro da comunidade

Nessas situações irregulares, o que se espera de cada um de nós, membros da comunidade, é uma postura ativa de acolhida. Muitos querem corrigir sem antes acolher. Imaginam – mesmo que não o declarem – que só os corretos devem ser acolhidos, mas Cristo morreu por nós quando ainda éramos pecadores (cf. Ro 5, 8).

Jesus diz aos seus discípulos: “É inevitável que aconteçam escândalos, mas ai da pessoa por meio de quem eles vêm. Seria melhor para ela que lhe amarrassem uma pedra de moinho no pescoço e fosse lançada ao mar do que levar um desses pequenos a tropeçar. Prestem atenção em vocês mesmos! Se o seu irmão pecar, repreenda-o e, se ele se arrepender, perdoe-lhe” (Lc 17, 1-4). A passagem se refere indistintamente aos vários escândalos que podem confundir “um desses pequenos”, mas parece haver uma referência nada sútil aos que não são capazes de perdoar e acolher.

Se uma pessoa em reta intenção for afastada da comunhão católica pelo “perigo de escândalo” da comunidade eclesial, o pecado da falta de caridade recairá sobre os escandalizados – que chegarão impenitentes ao Juízo Final, pois, na sua presunção, não se julgavam pecadores… Uma irônica inversão de posições…

O papel do acolhido

Sem dúvida, aquele que é acolhido necessita sempre (assim como cada um de nós) converter-se e corrigir seus comportamentos quando errados. Mas não cabe à comunidade insistir nas falhas do irmão sem a devida acolhida e perdão… Jesus continua, na passagem acima, dizendo que se o irmão “pecar contra ti sete vezes no dia, e sete vezes no dia vier ter contigo, dizendo ‘arrependo-me’; perdoa-lhe” (Lc 17, 4).

A conversão, o arrependimento e a mudança de vida implicam em desafios diferentes para cada um de nós. Muitas vezes o que nos parece uma insistência injustificável em dado pecado grave pode ser consequência de uma série de condicionamentos e dificuldades com as quais nosso irmão está tendo de lidar. Nos cabe ajudá-lo em seu caminho de conversão, cabe a ele buscar esse caminho – mas não somos nós que iremos julgar sua boa-vontade e seu esforço pessoal.

Nós mesmos não deixamos de ser pecadores acolhidos pela comunidade cristã, em função da misericórdia do Senhor. Todos nós somos o filho pródigo, ainda que muitas vezes nos consideremos iguais ao filho mais velho. Mas é melhor, para cada um de nós, sermos um desses pequeninos humildes, acolhidos pelo amor, do que nos julgarmos justos, mas – como diz Jesus – sairmos do templo sem termos sido perdoados pelo Pai (cf. Lc 18, 9-14). 

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