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 “Terra de Deus”: a inglória dos que se crêem superiores

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Alexandre Freire Duarte - publicado em 19/11/23

O Cinema pelo olhar da Teologia: Não é preciso ir para a Islândia (local onde decorre a ação deste filme) para empatizarmos com a sua trama de fundo

Trazido ao público muito depois da sua estreia (e à Aleteia e por mim meses depois de ter saído para o cinema), “Terra de Deus”, é um drama épico, com toques de humor, em que a beleza e o terror, exteriores e interiores, são apresentados num formato quadrado e exíguo que nos insere numa análise, quase metafísica, das claustrofobias interiores das rudes paisagens inocentes que convergem na, e divergem das, agorafobias exteriores dos tormentos das vertigens das grandezas.

As paisagens siderantes e brutalmente cândidas, a lentidão melancólica da narrativa, o claro-escuro mágico da fotografia, a edição precisa e incisiva e a intensidade das músicas corais parecem ser de um outro mundo, assustador e insondável. Um mundo que, porém, se faz bem íntimo a nós no interagir de tensões entre as personagens, bem secundadas pelas figuras secundárias, de Elliott Hove e Ingvar Sigurdsson. Inspirar fundo ao longo do visionamento desta obra delicada, sublime, magnética e que boia entre o “céu” e o “inferno”? Eis algo absolutamente necessário, mas visceralmente difícil.

Não é preciso ir para a Islândia (local onde decorre a ação deste filme) para empatizarmos com a sua trama de fundo. A teologia cristã assevera que não são os que se creem, e comportam como, “grandes” que logram sintonizar-se com Jesus, mas antes os pequenos e humildes. Ambos têm as suas “vias-sacras”, mas se uns só carregam entulho desnecessário e indicador de uma ridícula e patética superioridade que esconde uma raiva latente, os outros fazem, de cada passo que dão, uma ponte de custosa e dolorosa bondade desarmada, que, desse modo, é usualmente desprezada e gozada pelos demais.

Em resultado da fricção entre estes dois polos, que vivem dentro de cada um de nós (e inerentemente na sociedade e nas culturas em que nos inserimos), a nossa humanidade é rasgada, levando-a, não poucas vezes, a momentos e a desfechos calamitosos pela repulsa que se instala, sem tréguas, entre esses polos. Eis-nos, assim, a ser incapazes de viver uma fé (que é todo um modo de viver no amor) que é mais facilmente apreendida e aceite quando não se reduz a ser ensinada, mas vivida com alegria e abertura francas.

Quantas vezes, calejados pelo desinteresse que trazemos até nós para vivermos (falsamente) em paz com a nossa consciência, nos pomos a abraçar os demais com os braços cruzados? a estender-lhes as mãos com estas nos bolsos? a darmo-nos aos demais mantendo-nos à distância? a falarmos de Cristo quando Este quase não passa, na nossa vida, de uma figura literária e não de um hóspede do nosso coração que no d’Ele deve hospedar-se? Eis as nossas lutas de Jacob a virem até nós: entre o egoísmo e o altruísmo; a verdade e a mentira; o serviço e o nos servirmos. Lutas duras que, por vezes, nos impedem de ver e de viver a doçura da nossa existência, reduzindo-a a uma alienação infletida, irrefletida e entregue às forças das tempestuosas obsessões do desamor.

Mas por detrás deste baixíssimo-relevo poderemos sempre constatar, pelas crespidões do Mundo e sobretudo do amor, que com Deus nunca estaremos plácidos segundo o mundano, pois Ele não é fixista. Ele leva-nos a uma santidade de pontes só vivível nas desordens, mas que só se prova nas ordens que forma. Nada de enfado nisto, pois o tédio é sempre a sanção da mediocridade do amor e da avareza espiritual, que não aceitam que o Reino já possa ser os outros numa comunhão crístico-eucarística habitual.

(Dinamarca, Islândia, França, Suécia, 2022; dirigido por Hlynur Pálmason; com Elliott Crosset Hove; Ingvar Sigurdsson; Vic Carmen Sonne). 

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