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Jesus venceu o mundo?

Jezus Chrystus

Renata Sedmakova | Shutterstock

Francisco Borba Ribeiro Neto - publicado em 26/11/23

Cristo não vence o mundo mudando as estruturas ou o nome dos poderosos que estão no governo. Vence o mundo resgatando para Si o coração de cada um de nós

Recentemente, li uma belíssima carta que o cardeal Pierbattista Pizzaballa, patriarca latino de Jerusalém, escreveu a sua comunidade, em meio a esse horrível conflito entre Hamas e Israel. Ele escreve: “Eu disse isso para que tenhais paz em mim. No mundo tereis aflições, mas tende coragem: eu venci o mundo! (Jo 16,33) […] Não se trata de uma paz ilusória, nem de resignação ao fato de que o mundo é mau e que não podemos fazer nada para mudá-lo. Mas trata-se de ter a certeza de que, mesmo dentro de toda essa maldade, Jesus venceu. Apesar do mal que devasta o mundo, Jesus alcançou uma vitória, estabeleceu uma nova realidade, uma nova ordem, que após a ressurreição será assumida pelos discípulos renascidos no Espírito. É na cruz que Jesus venceu. Não com armas, não com poder político, não com grandes meios, nem se impondo. A paz de que fala não tem nada a ver com a vitória sobre o outro. Ele venceu o mundo amando-o”.

Alguns dias depois, conversei com um grupo de jovens católicos, escandalizados e assustados com uma sociedade que parece negar o bem e os valores da pessoa. Na comparação entre as palavras de Pizzaballa, escritas em meio a uma carnificina, e as preocupações dos jovens, percebi o quanto nossa fé ainda é fraca. O patriarca de Jerusalém vem de uma longa história de presença em meio aos conflitos do Oriente Médio. Foi uma pessoa importante no acompanhamento às vítimas do terrorismo do Estado Islâmico naquela região. Conhece bem as desgraças que os violentos trazem ao mundo. Mas, em suas palavras, encontramos a serenidade que falta a tantos de nós, em nosso cotidiano problemático, mas muito menos doloroso do que o dele.

“Cristo já venceu o mundo”, não precisamos vencê-lo de novo, mas precisamos viver a partir da sua vitória – e não determinados por nossas inquietações. A paz daqueles que vivem da vitória de Cristo não elimina a violência e a dor do mundo, bem sabemos, mas permite que enfrentem as dificuldades a partir do amor e da solidariedade, que percebam a beleza que se manifesta não só apesar da dificuldade, mas até mesmo dentro da própria dificuldade.

Não se trata de ficar de braços cruzados

Cristo venceu o mundo amando-o, diz Pizzaballa. Quando queremos vencer o mundo pela força de nossa vontade, com nossa razão iluminada, valendo-nos do apoio dos políticos e dos poderosos do mundo, não estamos com Cristo. Quando agimos assim, vale para nós a admoestação dos profetas: “Maldito o homem que confia no homem, e faz da carne o seu braço, e aparta o seu coração do Senhor!” (Jr 17, 5); “¹Porque assim diz o Senhor Deus, o Santo de Israel: Voltando e descansando sereis salvos; no sossego e na confiança estaria a vossa força, mas não quisestes” (Is  30,  15). Muitos entre nós, até bem-intencionados, nos acumulam com lições de sociologia e cultura, nos querem ensinar lições de marketing e comunicação de massa, nos assustam denunciando a doutrinação ideológica nas escolas… Frequentemente supõem que será a sua militância que vencerá o mundo – e não Cristo. Esperam uma vitória futura, advinda de seu esforço, e não vitória que já aconteceu, graças ao sacrifício de Cristo e seu amor.

Quero deixar claro que não condeno os esforços militantes que tantos de nós fazem pela construção de um mundo melhor, pelo contrário. Eu mesmo espero me incluir entre os que fazem esse esforço. A questão é que é diverso o modo de nos esforçarmos quando agimos em resposta à vitória de Cristo ou quando agimos em busca de nossa própria vitória. Os resultados de uma ação e de outra, tanto na sociedade quanto em nosso coração, são bem diferentes.

Cristo não vence o mundo mudando as estruturas ou o nome dos poderosos que estão no governo. Vence o mundo resgatando para Si o coração de cada um de nós – e esses corações resgatados vão criando novos espaços de convivência, justiça e solidariedade, aos poucos e de modo quase sempre pouco perceptível para quem está preocupado com o poder. Já as mudanças que nascem da força dos poderosos, ainda que pareçam drásticas e definitivas quando acontecem, raras vezes conduzem a um bem verdadeiro e perene, cedo ou tarde acabam por frustrar as expectativas do povo.

Não se trata, portanto, de não fazermos nada, de ficarmos esperando de braços cruzados que a realidade mude miraculosamente… Ou esperarmos a salvação e a felicidade na vida eterna (que certamente virá, mas não nos isenta da tarefa de construir um mundo melhor para nós e para nossos irmãos que mais sofrem). É um fazer diferente, não um deixar de fazer. Um fazer que pode se orientar por um ideal de amor, porque tem a confiança de que, mais cedo ou mais tarde, todos veremos a realização desse amor.

Onde vemos essa vitória de Cristo?

Temos que reconhecer, contudo, que essa percepção não é a mais óbvia para quem contempla as desgraças do mundo. Eu diria até que, pelo contrário, parece mais uma utopia mentirosa. Bem, desculpem-me os terraplanistas, o planeta Terra com certeza é redondo, mas nenhum de nós diria isso caminhando distraído pela rua. A verdade nem sempre é a coisa mais óbvia para nós. O realismo não significa deixar-se definir pelo óbvio, mas procurar a verdade, mesmo quando ela se esconde atrás das aparências.

A vitória de Cristo, quando nos é anunciada pela primeira vez, é uma hipótese a ser testada, não uma verdade a ser aceita. A fé inicia-se, em cada um de nós, com uma verificação que fazemos por ter ouvido um testemunho que nos pareceu suficientemente confiável para tentarmos comprovar, em nossas vidas, sua veracidade. É como no episódio evangélico da Samaritana (Jo 4, 4-42). Primeiro os samaritanos foram ouvir Jesus por causa do testemunho daquela mulher que O havia encontrado. Indo ver do que se tratava, confirmaram a veracidade de suas palavras e puderam dizer: “⁴² Já não é pelo teu dito que nós cremos; porque nós mesmos o temos ouvido, e sabemos que este é verdadeiramente o Cristo, o Salvador do mundo” (Jo 4, 42).

Assim acontece também conosco. Aos poucos vamos confirmando que Deus realmente faz maravilhas em nossa vida, que Cristo venceu o mundo. Nem sempre os sinais são grandiosos, quase sempre são pequenos e discretos, ficando guardados em nosso coração e aumentando a nossa fé. Um ardiloso artifício do Maligno é nos deixar tão assustados que deixamos de olhar para essas experiências pessoais, que nos fazem crer e ter fé, para ver apenas os males do mundo, que nos enchem de medo e nos fazem perder a fé.

Cristo venceu o mundo, amando-o. Antes de percebermos isso na história e nos grandes acontecimentos, o percebemos nessas pequenas experiências de ternura e salvação que vão acontecendo em nosso cotidiano, à medida que realmente nos abandonamos a Seu amor e deixamos que Ele faça, no tempo oportuno, acontecer esse amor em nossa vida.

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