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Entendendo o Dízimo

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Julia A. Borges - publicado em 10/12/23

Não se deve esperar pelas leis para fazer o bem. Existem, de fato, a lei natural e a lei eclesiástica; mas a lei da caridade deve brotar disto que está no Evangelho: Jesus, rico que era, fez-se pobre para enriquecer a todos

O sacrifício que relembramos em todas as missas ao nos depararmos com o corpo e o sangue de Cristo no altar é o sacrifício perfeito que move e alimenta a nossa fé, mas nós, como membros dessa Igreja, também somos convidados a oblações, não porque Deus precisa dos nossos pequenos e míseros atos de devoção, mas através dos sacrifícios, conseguimos enxergar além da carne que nos cega a entender a profundidade da alma, a profundidade do ser. Ao nos despirmos, retiramos o que nos afasta do intrínseco ontológico, retiramos o supérfluo que pesa, retiramos o nada que é colocado como tudo em nossa vida mesquinha, e assim podemos entender que a capacidade de amar é antes de tudo a capacidade de se dar.

Ainda nas religiões pagãs, e mais especificamente na crença greco-romana, os deuses exigiam sacrifícios para proveito próprio: Dioniso, por exemplo, exigia a vanglória máxima em seus rituais; as bacantes, mulheres que praticavam seus cultos, eram capazes de atitudes extremas e animalescas visando o bem maior daquela divindade. Todavia, o Deus que Paulo pregara no Aerópago, em Atenas, trabalha por aqueles que Nele esperam, é um Deus que oferece a genuinidade do amor.

Um sentimento que só podemos ter se conhecermos, e por isso é tão importante e necessário entender os aspectos e os assuntos que cercam a Igreja, afinal, Só é possível aderir a algo se o conhecermos, entendermos a sua criação, sabermos seu significado e  conhecermos seus objetivos. Entender as origens é importante para entender a sua profundidade e razão de ser, e sobre o objeto central deste artigo: o dízimo não foi inventado pela Igreja, haja vista que este pagamento é uma resposta do homem à bondade e à misericórdia de Deus. Separar uma parte do que se recebe e levar para a obra do Senhor é costume que remonta aos primórdios da Igreja: “Desde o início, os cristãos levam, com o pão e o vinho para a Eucaristia, seus dons para repartir com os que estão em necessidade. Este costume da coleta, sempre atual, inspira-se no exemplo de Cristo que se fez pobre para nos enriquecer” (CIC, 1351)

No Antigo Testamento verifica-se a prática do Dizimo, quando as pessoas reconheciam a ajuda de Deus em tudo que produziam e ofertavam a décima parte das colheitas ou dos animais nascidos aos sacerdotes nos templos. Podemos citar entre tantas outras passagens: “Abraão deu ao Senhor a décima parte de tudo” (Gen. 14,20). Jacó disse: “Eu te darei a décima parte de tudo o que me deres” (Gen. 28,22). Em Malaquias (3, 8-10) Deus reclama do povo o cumprimento do dízimo, em sinal de confiança nas graças que só Ele pode proporcionar. 

Acerca, no entanto, da Igreja que conhecemos , cabe a pergunta sobre a obrigação do pagamento do dízimo, ou seja, 10% do salário. Essa pergunta se faz necessária porque é cada vez mais frequente ouvir, dentro da Igreja, um eco da pregação protestante, segundo a qual a determinação do Antigo Testamento de pôr à parte “o dízimo de todo fruto de tuas semeaduras, de tudo o que teu campo produzir cada ano”, deveria ser seguida de forma literal. Mas para responder adequadamente a esta questão, é importante distinguir três leis: a lei natural, a lei da Igreja e a lei da caridade.

Com relação à primeira, Santo Tomás de Aquino diz que existe um fundamento natural para que o povo sustente os seus ministros. Diz ele: “Que o povo deve sustentar os ministros do culto é determinação da razão natural, como também recebem do povo salário para seu sustento aqueles que servem o bem comum: os governantes, os militares, e outros”. E ainda: “O preceito do pagamento dos dízimos, quanto ao seu aspecto moral, foi dado pelo Senhor e está no Evangelho de Mateus”.

No entanto, na história da Igreja, esse direito já foi contestado. Os movimentos protestantes anteriores à Reforma, por exemplo, contestavam o dízimo como direito natural. Não à toa a Igreja exigia dos valdenses, a quem ela acolheu no século XIII, após muito tempo de divisão, que confessassem o seguinte: “Cremos que se deve doar aos clérigos sob as ordens do Senhor o dízimo, as primícias e as oblações”. Mas, nesse campo, não existe apenas a lei natural, como também a lei da Igreja. Santo Tomás diz que oferecer a Deus a décima parte dos próprios rendimentos não está na natureza das coisas, mas é um preceito judicial, uma determinação que pode ser mudada de acordo com as circunstâncias. No Antigo Testamento, a tribo de Levi precisava ser sustentada pelas demais tribos de Israel; era razoável, portanto, que elas tivessem que lhe pagar 10% de seus rendimentos. Mas, assim como as leis chamadas cerimoniais – como oferecer bodes e carneiros no templo de Jerusalém –, essas leis judiciais não são mais vinculantes.

Agora, o que devem ser seguidas são as determinações das Igrejas locais. O Catecismo, ao explicar os mandamentos da Igreja, diz: “O quinto preceito (‘prover às necessidades da Igreja, segundo os legítimos usos e costumes e as determinações’) aponta ainda aos fiéis a obrigação de prover às necessidades materiais da Igreja consoante as possibilidades de cada um”. Trata-se de um resumo do que estipula o Código de Direito Canônico, ao estabelecer que “os fiéis têm a obrigação de prover às necessidades da Igreja, de forma que ela possa dispor do necessário para o culto divino, para as obras de apostolado e de caridade, e para a honesta sustentação dos seus ministros”.

O mesmo Código estabelece, noutro lugar: “Os fiéis concorram para as necessidades da Igreja mediante subvenções que lhe forem solicitadas e segundo normas estipuladas pela Conferência episcopal”. Atendendo a isto, a Conferência Nacional dos Bispos do Brasil, em legislação complementar aprovada pela Santa Sé, determinou:

“Cabe à Província Eclesiástica dar normas pelas quais se determine a obrigação de os fiéis socorrerem às necessidades da Igreja”, conforme o cân. 222. Então, é preciso consultar as Províncias Eclesiásticas para descobrir as normas que regulam a obrigação de socorrer às necessidades da Igreja. O caminho preferencial escolhido no Brasil é fazer que as pessoas tomem consciência de sua responsabilidade, mais do que simplesmente dar taxas e espórtulas à Igreja. No que diz respeito à obrigação dos 10%, Santo Tomás não parece ser muito favorável a uma imposição estrita, afinal, esse valor se figura um pouco excessivo para a sustentação do clero. Além do mais, “os ministros da Igreja devem dedicar-se mais em promover o bem espiritual do povo do que em receber os bens temporais”. 

Quanto à lei da caridade, é importante notar que a Antiga Lei não tinha estabelecido o dízimo apenas para o sustento dos ministros, mas também para socorrer os pobres e necessitados. Para isso, não existem limites. Santo Tomás, com grande inteligência e fidelidade ao Evangelho, diz:

“A terceira espécie de dízimos, destinada a alimentar os pobres, foi aumentada na Lei nova, porque não somente a décima parte seria dada aos pobres, mas também o que sobrava, em cumprimento do preceito evangélico: ‘O que sobrar, dai como esmola’. Quanto aos dízimos entregues aos ministros da Igreja, eles mesmos os dispensarão aos pobres.”

Não se deve esperar pelas leis para fazer o bem. Existem, de fato, a lei natural e a lei eclesiástica; mas a lei da caridade deve brotar disto que está no Evangelho: Jesus, rico que era, fez-se pobre para enriquecer a todos. E, do mesmo modo, devemos seguir essa ” imitatio Christi – imitação de Cristo”, e levar os ensinamentos de Deus também àquele que é tão pobre que a única coisa que tem é o dinheiro.

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