Alfred Kinsey sorri no túmuloPela relevância do debate sobre os conceitos científicos, ideológicos, jurídicos e de básica cidadania envolvidos na polêmica exposição “Queermuseu”, apresentamos para a consideração e discussão dos leitores de Aleteia este artigo de Rômulo Cyríaco.
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“Queermuseu”: autoritarismo LGBTT, a normalização da perversão sexual para crianças e o ultraje à fé cristã: Alfred Kinsey sorri no túmulo
Nos últimos dias, o Santander Cultural (em Porto Alegre, RS) comunicou o encerramento antecipado da exposição Queermuseu, que estava em cartaz desde 18 de agosto, e que é mais uma manifestação já corriqueira do establishment LGBTTI+, cujo projeto de inculcação generalizada de uma sexualidade polimórfica desde a primeira infância, chamado de “fluidez de gênero”, hoje domina todos os setores influentes e formadores da sociedade atual, das mídias mainstream – do jornalismo ao entretenimento, como pode atestar qualquer espectador da Rede Globo, por exemplo -, das universidades (com disciplinas e cursos como Estudos de Gênero etc.), e dos programas educacionais escolares da Unesco, implantados em todo o mundo, inclusive, no Brasil, com o novo projeto do MEC para a Base Nacional Comum Curricular. A militância ainda se auto-proclama assim – “militância”, e não “status quo” – pois faz parte da estratégia necessária para a disseminação generalizada da sua mentalidade, e de sua tomada de poder, o discurso auto-vitimizador, que primeiro diz: “a sociedade inteira (‘conservadora’) nos persegue, nos agride, nos mata”, para em seguida solicitar (e obter) carta branca para penetrar todos os âmbitos e dominar as consciências, podendo atacar com imunidade moral os seus “inimigos”, e vilipendiar em público os seus valores mais queridos, sendo vistos ainda como “virtuosos”. É por isso que em Crítica da Vítima, o italiano Daniele Giglioli afirma:
A vítima é o herói de nosso tempo. Ser vítima dá prestígio, exige atenção, promete e promove reconhecimento, ativa um potente gerador de identidade, direito, autoestima. Imuniza contra qualquer crítica, garante inocência para além de qualquer dúvida razoável. Como poderia a vítima ser culpada, ou melhor, responsável por alguma coisa? Não fez, foi feito a ela. Não age, padece. Na vítima, articulam-se ausência e reivindicação, fragilidade e pretensão, desejo de ter e desejo de ser. Não somos o que fazemos, mas o que sofremos, o que podemos perder, aquilo de que nos privaram.
Minoridade, passividade, impotência são um valor, e tanto pior para quem age. Se o critério que discrimina o justo do injusto é necessariamente ambíguo, quem está com a vítima não erra nunca. Em um tempo no qual todas as identidades estão em crise, ou são manifestamente postiças, ser vítima dá lugar a um suplemento de si.
A verdade é que, pela primeira vez na História, a “militância” das “minorias oprimidas” é, na verdade, o discurso-padrão das maiores organizações hoje em ação em todo o globo, aquelas que detêm um poder político massivo que hoje ultrapassa o de qualquer Estado-Nação sozinho – e que por esse motivo mesmo são contra a soberania de qualquer Estado-Nação – como a ONU e suas sub-organizações, como a já citada Unesco e a Organização Mundial de Saúde (OMS) etc., aliadas a fundações filantrópicas bilionárias (como Ford, Rockefeller, McArthur, Bill & Melinda Gates, Chan Zuckerberg Initiative, Open Society Foundations) que investem seus bilhões com imensa generosidade em programas midiáticos, currículos educacionais, e ONGs ativistas que propagam a nova cartilha – o multiculturalismo, o politicamente correto, a dialética do opressor x os oprimidos, em nome dos quais tudo pode ser feito e alterado – nos mais recônditos locais do planeta.
Ainda assim, os que aderem e aplaudem às pautas da “fluidez de gênero”, ainda sentem que são, de alguma maneira, “anti-sistema” – a “resistência” – sem perceber que o discurso LGBTTI+ é, hoje, “o” Sistema, “o” establishment. Pela primeira vez na História, portanto, o Sistema consegue dominar populações inteiras dando às mesmas a impressão de que as está libertando, assim fazendo-as colaborar, como um exército civil auto-organizado, que “espontaneamente” defende o sistema, e ataca seus inimigos, exatamente como em 1984, de George Orwell. Pela primeira vez na História, ainda, o Sistema se torna imune contra críticas ou sequer análises racionais de seus discursos, pois, aquele que está contra o Sistema, hoje, é imediatamente visto e denunciado pelos que estão ao redor como: opressor, machista, misógino, homofóbico, transfóbico, heteronormativo, propagador de discurso de ódio, fascista, nazista etc. O dissidente é logo perseguido, caluniado, moralmente linchado, socialmente excluído, quando não fisicamente agredido – e, além disso, o exército dos guerreiros da justiça social, que lutam pelo Sistema, vêem a sua maldade como virtude, colocando em prática a dinâmica proposta por Herbert Marcuse em “Tolerância Repressiva“, em que diz “que a realização do objetivo da tolerância requer intolerância perante as políticas predominantes, atitudes, opiniões, e a extensão da tolerância às políticas, atitudes e opiniões que são proscritas ou suprimidas”.
O cancelamento da exibição, Queermuseu, deu-se após o protesto e a pressão de muitos cristãos e conservadores brasileiros – entre cidadãos e grupos organizados – através de um comunicado oficial do Santander, que reconheceu que a mostra continha conteúdo ofensivo, e por isso cedeu à pressão. Imediatamente, como era de se esperar, muitos da esquerda progressista se manifestaram, falando em “retorno do obscurantismo”, “repressão” e “fascismo”, tentando atribuir a pressão “nazista” para o cancelamento da exposição como tendo sido ação exclusiva de determinados grupos de atuação política mais direta que rotulam como sendo de “extrema direita”, como MBL, por exemplo, falhando (estrategicamente) em reconhecer que a reação foi de um grupo muito mais abrangente de pessoas de índole conservadora, a maior parte delas dissociada de quaisquer grupos organizados, defendendo, enquanto cidadãos, valores e realidades que lhes são caros e que vem sendo atacados de maneira covarde em todos os cantos – posicionando-se numa guerra cultural que está em curso nas últimas décadas e que hoje se aproxima do seu apogeu.
Aqui, entra, então, a primeira pergunta que eu gostaria de fazer aos progressistas, que falam em “fascismo”. Vocês concordam que uma exposição exiba, para crianças de qualquer idade, obras com conteúdo pornográfico e homoerótico explícito, algumas com elementos de pedofilia e zoofilia, e outras que agridem direta e violentamente os símbolos do cristianismo? Pois, não estou falando apenas da eventual e acidental presença de uma criança na mostra – cuja entrada não impunha nenhum limite de idade – mas do fato de que o projeto textual da exposição, no item que descreve os seus “objetivos”, indica que o público escolar é um dos seus principais públicos-alvo, motivo pelo qual o projeto incluía um “programa educativo”, como lemos abaixo, em citação que pode ser lida no site versalic.cultura.gov.br:
“O programa educativo [do projeto Queermuseu] propõe o desenvolvimento de atividades práticas e reflexivas que propiciem a construção da educação pelos sentidos, atividades de reflexão, capacitação e fruição estética. Logo, busca-se estimular o ensino da arte como instrumento transdisciplinar, articulando-o ao currículo escolar. Este programa visa fortalecer laços com educadores, estudantes, artistas e outros profissionais ligados a experiência pedagógica das artes visuais. Pretende-se com o resultado aproximar o público escolar das diversas linguagens da arte contemporânea e seus autores. Instituições com visitas pré-agendadas contarão com monitores e participação no Programa Educativo do Santander Cultural para Públicos Especiais, principalmente escolas tanto da rede pública como privada” (http://versalic.cultura.gov.br/#/projetos/164274).
Imaginem seus filhos na escola, que organiza uma excursão para ver uma exposição. Lá, são apresentadas ao seu filho, como contendo valores nobres e necessários para o seu desenvolvimento como pessoa – como tolerância, diversidade, diferença, respeito, direitos humanos etc. – obras que mostram: imagens de nudez erótica e homoerótica, sexo explícito pornográfico, menáges a trois que incluem relações sexuais entre homens e animais, imagens que erotizam crianças homossexuais (“Criança viada travesti da lambada”), e uma quantidade assustadora de obras que ridicularizam, profanam e atacam frontalmente símbolos da fé cristã, como uma caixa com hóstias contendo inscrições que dizem “cu”, “vagina”, “pênis”, “língua”, e outras imagens que zombam de Jesus Cristo e da Virgem Maria. Vocês vêem isso, de fato, como “liberdade de expressão”, ou como doutrinação, como deformação intencional do pensamento e da sensibilidade de crianças, orientando-as para uma cultura do repúdio ao sagrado, e da absoluta profanação do corpo e da sexualidade?
Não é por acaso que a Base Nacional Comum Curricular que está sendo proposta pelo MEC, em conformidade com a Unesco, inclui, além da obrigatoriedade do ensino escolar da “fluidez de gênero”, orientações para que os professores estimulem uma abordagem experimental do corpo e da sexualidade, que qualquer um, que esteja prestando atenção no que está acontecendo, percebe que se trata de abuso sexual organizado, disfarçado de educação inclusiva.
Mas, imaginando que alguns progressistas poderão responder, “sim, achamos que tudo isso é bom para nossos filhos, muito melhor que a educação religiosa”, passo para outros questionamentos. Não lhes chama atenção que logo após a primeira onda contrária à exposição, sem que fosse necessária uma pressão insistente, o Santander Cultural a tenha cancelado, publicando um comunicado que, ainda que ambíguo, expressa clara concordância com o discurso daqueles que se manifestaram contrariamente à mostra?
Ouvimos as manifestações e entendemos que algumas das obras da exposição Queermuseu desrespeitavam símbolos, crenças e pessoas, o que não está em linha com a nossa visão de mundo. Quando a arte não é capaz de gerar inclusão e reflexão positiva, perde seu propósito maior, que é elevar a condição humana. (https://www.facebook.com/SantanderCultural/posts/732513686954201).
Isso quer dizer o seguinte: o Santander Cultural remou de acordo com a corrente do establishment LGBTTI+, realizando a exposição, mas assustou-se quando notou que uma grande parcela da população não está de acordo, e que isso poderia manchar a imagem da empresa – além de fazê-los perder clientes, o que de fato está acontecendo. Muitos progressistas tacham de “fascista” todo aquele que discorda do seu discurso, e das suas ações, mas não há tal “fascismo”, pois, o que houve foi uma legítima e não-violenta manifestação contrária à exposição, e, logo em seguida, a concordância da própria instituição que a produziu, que logo cedeu à pressão sem nem ao menos tentar justificar a realização da exibição e sua possível permanência. Não há o “fascismo” com o qual a esquerda gosta, estrategicamente, de identificar os seus adversários, aqueles que resistem ao seu progresso, e à demolição absoluta de valores éticos e morais que eles advogam: o que há, na verdade, é o atual autoritarismo LGBTT, que, disfarçando-se de “inclusão da diferença” e de “respeito à diversidade”, impõe-se de maneira massiva e absoluta a toda a população mundial, reprimindo agressivamente todos aqueles que ainda oferecem alguma resistência – são centenas de exemplos de boicotes a iniciativas, manifestações e palestras de cunho conservador, em universidades e outros locais em todo o mundo, mas que passam, não como “fascismo”, mas como luta pela “justiça social”. Se alguém duvida do que estou falando, procure não apenas estes exemplos, mas o livro “Maquiavel Pedagogo“, de Pascal Bernardin, composto em maior parte de citações diretas de documentos da Unesco e outras organizações ligadas à educação, que dizem, por exemplo:
“Os programas de educação para o desenvolvimento e de educação mundial contribuem para inculcar nos alunos uma atitude mundialista, ensinando-lhes principalmente a reconhecer a evitar os preconceitos culturais e a encarar com tolerância as diferenças étnicas e nacionais. (…) Para esse efeito, as instituições públicas e as instituições não governamentais estabelecem uma aliança para promover e empregar os novos conteúdos e métodos.” (…) “A existência, na Suécia, de uma decisão governamental que obriga todos os professores a participar do desenvolvimento da educação intercultural é um fato capital, de vez que delimita um cenário e concretiza as aspirações à mudança” (Conferência mundial, WCEFA, 1990).
Um estudo da Unesco de 1964, que pautou suas ações posteriores, dizia:
“Como se pode modificar uma cultura, que repousa sobre tradições seculares, ou reformar toda uma sociedade? (…) [Não é improvável] que, mediante esforços concretos e com a aplicação de conhecimentos modernos, grupos de indivíduos possam acelerar a evolução social de maneira a redimir certos “atrasos culturais”, nem se pode dizer que tais grupos não devam empreender tal ação.” (…) [Em] “que medida é possível agir sobre o conjunto de uma sociedade?” (…) “Não há dúvida de que, por exemplo, as declarações públicas de altas personalidades do governo e de outros dirigentes cuja opinião é respeitada pela população podem exercer uma enorme influência sobre as atitudes e os comportamentos dessa população. As medidas de ordem legislativa oferecem à sociedade um outro meio, um pouco mais coercitivo, de exercer sua vontade sobre os indivíduos que a compõem.” (…) [Se] “considerarmos os meios de informação, sob um ângulo mais vasto, como instrumentos que permitem à sociedade modificar as atitudes dos indivíduos num sentido desejado, importa examinar a questão relativa à intenção que orienta o emprego dos meios de comunicação; dito de outra forma: trata-se de saber quem dispõe desses meios. Evidentemente, essa questão é bastante delicada, e traz consigo importantes implicações políticas, que não iremos ponderar aqui. De qualquer modo, cabe-nos observar que tal questão não pode ser negligenciada indefinidamente” (E.E. Davis, La modification des attitudes, Rapport et documents des sciences sociales, nº 19, Paris, Unesco, 1964., p. 58, 59).
O “atraso cultural”, ao qual se refere a Unesco, é identificado por todas as organizações da ONU como sendo o legado ético, moral e cultural milenar da espiritualidade cristã e, de modo especial, da Igreja Católica, que deve ser totalmente superado para que a “nova ética” – a mesma que coloca sob o nome de “respeito à diversidade” a imposição mundial da “fluidez de gênero”, e sob o nome de “direitos reprodutivos” a legalização mundial do aborto – seja plenamente estabelecida e não encontre mais resistências. Hiroshi Nakajima, quando diretor da Organização Mundial da Saúde (OMS), já havia explicitamente declarado que “a ética judaico-cristã não poderá ser aplicada no futuro” – por ser uma ética que defende a dignidade da vida humana da concepção à morte natural, opondo-se portanto aos programas da OMS relacionados ao aborto e à eutanásia; e que defende, também, a dignidade da criança, que não deve ser prematuramente exposta a ideias e conteúdos que possam deformar a sua sensibilidade sexual, e a sua educação, que não deveria ser uma educação para a experimentação sexual dissociada do afeto e da razão, mas uma educação para o amor. Não é por acaso que uma exposição como Queermuseu, além de exibir o conteúdo que se refere à “polimorfização” da sexualidade, e a propagação da “fluidez de gênero”, faça-o lado a lado com obras que se dedicam a atacar de maneira irracional e grotesca os símbolos da fé cristã, O movimento deve ser duplo: impor a “nova cultura” enquanto se ataca e difama a “antiga”.
Uma das estratégias políticas mais brilhantes do novo Sistema, é fazer uma quantidade imensa de pessoas crerem que suas pautas – a imposição da “fluidez de gênero”, por exemplo – representa de fato o cuidado com pessoas, ou seja: supostamente, a cultura cristã oprime algumas pessoas, que agora o Poder Global defende. Muitos embarcam nesse jogo mental, nessa retórica dupla, sem perceber que, sob o disfarce de “defesa dos direitos” deste ou daquele grupo de oprimidos, o novo Sistema exerce um domínio político, cultural e econômico cada vez mais opressivo em quase todo o planeta, e sobe quase todas as consciências humanas, utilizando os que se identificam como “oprimidos” como massa de manobra, “idiotas úteis”, realizando, na verdade, o oposto do que diz realizar: um ambiente global de polarização, hostilidade, intolerância, repressão, e autoritarismo. Os defensores da “velha cultura” são identificados como “fascistas” que devem ser excluídos da sociedade caso se queira um mundo igualitário e “pacífico”, “inclusivo”. E quando os mesmos se opõem ao totalitarismo cultural e político do novo Sistema, aqueles que fazem parte dos grupos minoritários, imediatamente os enquadram como pessoas que estão desrespeitando outras, não sabendo mais separar ataques pessoais, agressões e violências concretas contra pessoas, e uma disputa política. Discordar, hoje, é agredir (ver o conceito de “micro-agressão”, “trigger warnings“, “safe-space“, etc.). Faz parte da maligna estratégia: os integrantes dos grupos minoritários sentem as críticas ao Sistema como ataques pessoais, e estão dispostos a dar sua própria vida pela “causa”… do Poder! Não podem ver que os antagonistas do Sistema podem parecer adversários no sentido político superficial, mas na verdade estão lutando pela dignidade humana de todos, que vem sendo violada e explorada. É por isso que muitas mulheres hoje em todo mundo se tornam ativistas contra o feminismo radical contemporâneo, e muitos homossexuais se tornam ativistas contra a “militância” LGBTT, pois não se trata, nestes movimentos, de defender realmente os direitos de pessoas e fazer valer a justiça, mas de uma má intencionada manipulação política, que esconde as maiores atrocidades contra o ser humano sob causas que soam muito benevolentes.
O autoritarismo do Poder Global construiu-se através de décadas de uma nova paisagem intelectual de índole revolucionária, que amplamente identificou a polimorfidade sexual das novas e futuras gerações como – no discurso – “liberação” do ser humano contra a opressão e – na prática – como estratégia final de controle político, como pode ser visto nas citações abaixo, de dois autores: a mentora acadêmica da fluidez de gênero Judith Butler, e o precursor Herbert Marcuse.
Se uma noção estável de gênero não pode mais provar ser a premissa fundacional da política feminista, talvez seja desejável um novo tipo de política feminista para contestar as próprias reificações de gênero e de identidade, uma nova política que fará da construção variável da identidade não apenas um pré-requisito metodológico e normativo, mas também um objetivo político.
A identidade do sujeito feminista não pode ser o sujeito da política feminista, se a formação deste sujeito ocorre dentro de um campo de poder que o aprisiona através da afirmação desta formação. Paradoxalmente, a representação no feminismo somente poderá fazer sentido se o sujeito “mulher” não for assumido de nenhum modo (Judith Butler, O Problema do Gênero, 1990).
‘Sexualidade polimórfica’ foi a expressão que eu usei para indicar que a nova direção de progresso dependeria completamente da oportunidade de ativar necessidades orgânicas, biológicas, que se encontram reprimidas ou suspensas, isto é, fazer do corpo humano um instrumento de prazer e não de labuta. A velha fórmula, o desenvolvimento das necessidades e faculdades predominantes, pareceu-me inadequada; a emergência de novas necessidades e faculdades, qualitativamente diferentes, pareceu-me ser o pré-requisito e o conteúdo da libertação (Herbert Marcuse, Eros e Civilização, 1955).
Alfred Kinsey sorri no túmulo
Para elucidar ainda mais essa situação, e as questões que ela implica – que vão muito além de uma mera exposição de arte, mas dizem respeito a uma longa guerra cultural e moral – é muito oportuno referir-nos ao trabalho do biológico americano Alfred Kinsey. Abaixo, usarei citações do livro de Judith Reisman e Edward W. Eichel, “Kinsey, Sex and Fraud“, e citações dos próprios relatórios Kinsey.
Kinsey foi um dos homens mais influentes para a “revolução sexual” que estourou nos anos sessenta, nos EUA e, quase simultaneamente, na Europa. Em seus relatórios sobre a sexualidade do homem e da mulher, lançados nos anos cinquenta, Kinsey “advogou que todos os comportamentos sexuais considerados pervertidos eram normais, enquanto polemizou que a heterossexualidade exclusiva era anormal, um produto de inibições culturais e condicionamentos sociais”. Nesses comportamentos que Kinsey via como “normais”, mas que, segundo ele, a “cultura repressora” via como “anormais”, está incluída a sexualidade infantil e a pedofilia.
As “descobertas mais profundamente chocantes de ambos os relatórios Kinsey foram (…) suas conclusões acerca da sexualidade infantil. A ‘pesquisa’ ‘científica’ de Kinsey dizia provar que as crianças eram seres sexuais, desde a primeira infância, e que elas podiam, e deviam, ter interação sexual benéfica com ‘parceiros’ adultos que poderiam ensiná-los as técnicas apropriadas para a atividade sexual satisfatória. (…) O dano causado às crianças que tiveram relações sexuais com adultos – que o público pensava ser abuso – era quase sempre, na visão de Kinsey, o resultado de uma reação exagerada e da histeria de pais, professores, policiais etc”.
A anti-filosofia de Kinsey sobre a sexualidade humana expressa-se na sua consideração do comportamento sexual animal como um modelo para a nossa espécie, isto é: na sexualidade animal encontrar-se-ia a verdade sobre a sexualidade humana “natural”, interrompida pelos códigos morais tradicionais. A moralidade que leva o homem a diferenciar radicalmente o seu comportamento sexual daquele dos animais seria, na verdade, fonte de inibições prejudiciais (neurotizantes) ao ser humano, uma “capa social” danosa que deveria ser abandonada em uma sociedade mais livre ou liberal. No relatório Kinsey sobre a sexualidade feminina, lê-se que, considerando “a fisiologia da resposta sexual e as raízes mamíferas do comportamento humano, não é difícil explicar porque um animal humano faz uma determinada coisa sexualmente. É mais difícil explicar porque todo e cada indivíduo não se envolve em todo tipo de atividade sexual. (p. 451)”. Para Kinsey, envolver-se em todo tipo de atividade sexual, “representaria a liberdade, para além do condicionamento cultural que a sociedade impõe e que leva a distinções artificiais”.
Kinsey é um dos mentores e propagadores da perversidade polimorfa sexual da era moderna e pós-moderna, e da crescente erotização infantil a que assistimos, e da exposição massiva de uma sexualidade erotizada para crianças. Mais do que isso, é o mentor dos defensores da pedofilia, como, por exemplo, Tom O’Carroll, que pode ser visto neste vídeo advogando pela interação sexual entre adultos e crianças, e que, em seu livro Peadophilia: The Radical Case, de 1980, diz:
Uma quantidade de estudos empíricos têm estabelecido fatos inatacáveis sobre o assunto [de que crianças são seres sexuais inatos]. A mais famosa destas fontes são, é claro, o trabalho do biólogo Alfred Kinsey e de seus co-pesquisadores, que provocou quase tanto impacto nos primeiros anos pós-guerra quanto Freud em seu tempo. (…) Talvez a mais impactante das descobertas de Kinsey, no que concerne às crianças pré-adolescentes, refere-se a sua capacidade de ter orgasmos sexuais. “O orgasmo foi observado em meninos de todas as idades de cinco meses até a adolescência”, escreveu Kinsey. Além disso, “O orgasmo está em nossos registros de um bebê do sexo feminino de quatro meses de idade” (p.36).
Há muito mais a dizer sobre os Relatórios Kinsey e sua influência na deformação social, e na rebelião sexual, que tomou a paisagem cultural da era dita “pós-moderna”, e recomendo ao leitor que procure o livro citado acima, que demonstra, também, como muitos investigadores comprovaram, nas décadas que se seguiram à publicação dos Relatórios, que a pesquisa de Kinsey era amplamente fraudulenta: Kinsey entrevistou milhares de homens para, dos seus depoimentos, tirar suas conclusões a respeito da “sexualidade humana natural”, sendo que uma porcentagem imensa dos homens que abordou, cuja opinião propagou como sendo a do “homem americano médio”, eram ex-prisioneiros, muitos dos quais tendo cometido, precisamente, crimes sexuais. Em suma, o que Kinsey fez foi convencer uma parcela imensa da população – e os meios mais influentes e formadores, que começaram imediatamente a propagar suas ideias, cultural e até juridicamente – que uma sexualidade aberrante deveria ser aceita como “a” sexualidade natural, sendo todos os esforços da civilização ocidental para disciplinar os instintos sexuais na direção do amor romântico nada mais do que repressão, neurotização e, como diriam os marxistas, ética sexual cristã e burguesa, determinada por interesses de classe. A revolução socialista igualitária esteve, desde o início, inclinada para o repúdio ao amor monogâmico heterossexual, ao casamento e à “família tradicional”, e para a propagação de uma sexualidade polimorficamente perversa, como diz, com estas mesmas palavras, a feminista Shulamith Firestone:
“É necessária (…) a total integração das mulheres e das crianças em todos os níveis da sociedade. E, se as distinções culturais entre homens e mulheres e entre adultos e crianças forem destruídas, nós não precisaremos mais da repressão sexual que mantém estas classes diferenciadas, sendo pela primeira vez possível a liberdade sexual “natural”. Assim, chegaremos, em quarto lugar, à liberdade sexual para que todas as mulheres e crianças possam usar a sua sexualidade como quiserem. Não haverá mais nenhuma razão para não ser assim. Em nossa nova sociedade a humanidade poderá finalmente voltar à sua sexualidade natural “polimorficamente perversa”. Serão permitidas e satisfeitas todas as formas de sexualidade. A mente plenamente sexuada tornar-se-ia universal” (Shulamith Firestone, A dialética do sexo, 1970).
Estas teóricas do feminismo muito aprenderam com o precursor Alfred Kinsey, que, como indica o mesmo livro de Reisman e Eichel,
acreditava que a satisfação humana, no âmbito sexual pelo menos, encontra-se no seguimento do exemplo dos nossos antepassados mamíferos… Ele avaliava toda forma de atividade sexual em termos do seu papel na vida sexual de espécies inferiores, e ele frequentemente concluía que práticas sexuais consideradas fora da lei eram inteiramente naturais porque se conformavam aos “padrões mamíferos básicos”… [Ele] até mesmo buscou dotar [as relações sexuais entre humanos e animais] de uma certa dignidade ao sugerir que elas poderiam atingir uma intensidade psicológica comparável àquelas relações sexuais exclusivamente humanas” (p. 55, 56). (…) [Kinsey sugeria fortemente] que todos os orgasmos são iguais, não importando como se chega ao mesmo, e que, da mesma maneira, não havia nenhuma base para colocar a penetração heterossexual em uma posição privilegiada (p. 59).
A revista Harper’s, em artigo de Albert Deutsch, exclamava, posteriormente à publicação do primeiro Relatório Kinsey: “O relatório Kinsey explode os conceitos tradicionais do que é normal e anormal, natural e não-natural no comportamento sexual”. Tratava-se explicitamente, da parte de Kinsey, de um ataque frontal aos códigos morais e legais baseados na ética judaico-cristã. E o objetivo dos seus relatórios era “provar” que esta mesma ética era, na verdade, uma farsa, contrária à própria “natureza humana”, melhor representada, no caso, pelos relatórios Kinsey. A visão de Kinsey é totalmente consonante com os objetivos da ONU e seus coligados, e que estratégia seria melhor e mais eficaz do que propagar a mesma visão sob a fachada da “defesa dos direitos das crianças”, dos “direitos reprodutivos”, e do “respeito à diversidade de gênero”?
Pergunto, então, aos progressistas: vocês pensam realmente que propagar e defender a cultura “kinseyana”, e atacar e demolir a ética cristã, é o caminho para o “progresso” da humanidade? Vocês preferem que seus filhos “desenvolvam” a sua sexualidade tendo os nossos “antepassados mamíferos” como modelo, ou que sejam capazes de possuir os seus instintos, integrando sua sexualidade à sua vida afetiva e racional, para doarem-se com compromisso, corporal e subjetivamente, a uma relação de amor? O que lhes parece mais elevado?
Vocês discordam, realmente, da opinião de que o conteúdo das obras da exposição é absolutamente inapropriado para crianças e adolescentes, e que há algo de perverso numa exposição como esta que inclui como seu público-alvo privilegiado o público escolar – produzindo material específico para os professores e coordenadores que levassem suas turmas para o passeio “cultural”?
Kinsey certamente sorriu no túmulo com a exposição, mas chateou-se com o cancelamento. Também ele deve ter dito consigo: malditos conservadores fascistas…
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