A busca de uma vida plena também não é o propósito da religião?Guiados pelo que vemos em nossas universidades hoje em dia (ou seja, em artigos de estudiosos e em seminários e conferências), tendemos a pensar na filosofia como um empreendimento principalmente especulativo, como uma disciplina intelectual centrada na elucidação de problemas teóricos e na formulação de diferentes teorias sobre esse ou aquele assunto mais ou menos obscuro. Mas essa maneira de entender a filosofia é bastante recente.
Outras civilizações e sociedades elaboraram diferentes concepções de filosofia, que floresceram antes que a filosofia se tornasse algo para os especialistas.
Para Sêneca, filósofo romano, estadista, dramaturgo e humorista nascido em Córdoba, Espanha, que pertencia à escola do estoicismo romano, a filosofia era predominantemente uma questão de ética e de âmbito pessoal. Ou seja, seu objetivo principal não era a busca de soluções para problemas teóricos, mas, em poucas palavras, a busca de uma boa vida, de uma vida plena. Em uma de suas cartas a Lucílio, Sêneca escreveu:
“Quem duvidará, Lucílio, amigo, que, se devemos a vida aos deuses imortais, é à filosofia que devemos a vida virtuosa? Daí a ideia de que nossa dívida com a filosofia é maior do que a nossa dívida com os deuses, na medida em que uma boa vida é mais um benefício do que a mera vida. [Os deuses] não deram seu conhecimento a ninguém, mas a faculdade de adquiri-lo eles deram a todos. (…) A característica preciosa e nobre da sabedoria é que ela não avança para nos encontrar, mas que cada homem está em dívida com ela” (Cartas Morais a Lucílio, 90).
Mas a busca de uma boa vida também não é a finalidade da religião? Que diferença, se houver, existe entre a forma do estoicismo de Sêneca e a busca de um homem religioso? Muito foi escrito sobre o assunto, e é difícil dar uma resposta direta e definitiva a esta questão em um breve artigo.
Mas uma coisa pode ser realmente dita: Sêneca concebeu a boa vida como a vida livre da sujeição às paixões e emoções. Esta é, de fato, uma concepção que se assemelha bastante à que se encontra no pensamento de muitos homens religiosos, desde os primeiros Padres do Deserto até Inácio de Loyola e São João da Cruz, entre outros dos grandes místicos do barroco espanhol.
Mas a diferença reside nos métodos de alcançar essa boa vida. Enquanto o homem cristão, por exemplo, coloca a pedra fundamental da boa vida na fé em Jesus Cristo – isso é o que São Paulo está realmente dizendo nas famosas passagens de sua primeira epístola aos Coríntios –, para Sêneca, o estoico, a pedra angular dessa boa vida está em aumentar a autoconsciência e na constante disciplina de olhar para nós mesmos.
Desnecessário será dizer que, de fato, existe uma grande disciplina e autoconsciência na vida cristã também.
Como o cristianismo faz, Sêneca entende que todos nós temos impulsos naturais, emoções e paixões. Mas, para o estoico, o único meio de alcançar a boa vida é na retidão no caminho do raciocínio constante e da disciplina emocional. Uma tarefa bonita, porém difícil, de fato.