Mal comparando, 424 pessoas foram assassinadas pelos regimes autoritários do Brasil ao longo de 42 anos, entre 1946 e 1988A agência vaticana Fides publicou neste sábado, 6 de outubro, um extenso relatório sobre os assassinatos de missionários católicos no mundo todo entre os anos 2000 e 2017. Foram 447 homicídios comprovados.
Sem que se pretendam traçar comparações entre os contextos, não deixa de ser chamativo observar que esse número é maior que o das vítimas do regime civil-militar somadas aos mortos nos demais períodos autoritários que houve no Brasil ao longo dos 42 anos que vão de 1946 a 1988.
Este é o período abrangido pelo relatório da Comissão Nacional da Verdade, instituída durante o governo de Dilma Roussef e que realizou um levantamento ao longo de dois anos e sete meses de trabalho. De acordo com o relatório final da comissão, 424 pessoas foram assassinadas no país por “agentes públicos, pessoas a seu serviço, com apoio ou no interesse do Estado brasileiro” entre 18 de setembro de 1946 e 5 de outubro de 1988, incluindo mortes cometidas no exterior. Atente-se ao fato de que não se está falando apenas dos 21 anos de governo militar (1964 a 1985), mas de um total de 42 anos que abrangem quase duas décadas anteriores e mais três anos posteriores a esse período. É relevante observar, além disso, que essas 424 mortes perpetradas ao longo de 42 anos estão incluindo não só execuções diretas, mas também vítimas de acidentes, pessoas que se suicidaram, pessoas que morreram no exterior e até casos de justiçamento, ou seja, assassinatos de militantes cometidos por outros militantes que atuavam no mesmo bando por considerá-los “traidores”. Dos 424 casos elencados, os comprovadamente assassinados são 293 – e, mesmo assim, incluem os mortos na Guerrilha do Araguaia, que envolveu pessoas armadas e dispostas a matar ou morrer.
O que é chamativo é que os 447 missionários católicos assassinados nos primeiros 17 anos deste novo milênio simplesmente não existem para a grande mídia, embora as suas mortes tenham sido perpetradas em maior quantidade e em menos da metade do período abrangido pelo relatório da Comissão Nacional da Verdade.
É evidente que quaisquer comparações entre pessoas cuja vida foi arrancada são inadequadas e imprecisas, mas nenhuma espécie de assassinato de membros de uma determinada comunidade deveria ser “menos escandalosa” ou “menos importante” para uma mídia mundial que se proclama comprometida com os direitos humanos sem quaisquer formas de discriminação. É inquietante, portanto, constatar que as mortes e a perseguição em geral contra os cristãos no mundo atual não parecem ser notícia.
O relatório divulgado neste sábado detalha:
“No período compreendido entre 2000 e 2017, foram assassinados violentamente 447 missionários e missionárias: 5 bispos, 313 sacerdotes, 3 diáconos, 10 religiosos, 51 religiosas, 16 seminaristas, 3 membros de institutos de vida consagrada, 42 leigos, 4 voluntários”.
O mesmo relatório alerta logo em seguida:
“Esta cifra é menor do que a real, porque se refere apenas aos casos confirmados, dos quais se teve notícia”.
Muitos desses mártires são jovens do nosso tempo:
- Samuel Gustavo Gómez: seminarista de 21 anos, foi assassinado no México em 14 de abril de 2014.
- Anwar, de 21 anos, e Misho, de 17, eram animadores salesianos mortos na Síria em 11 de abril de 2015.
- A irmã M. Reginette, de 32 anos, Missionária da Caridade, foi assassinada no Iêmen em 4 de março de 2016: ela era a mais jovem das religiosas massacradas num ataque terrorista islâmico.
- Helena A. Kmiec, de 26 anos, do Voluntariado Missionário Salvatoriano, foi assassinada na Bolívia em 24 de janeiro de 2017.
- O pe. Fransiskus Madhu, de 30 anos, verbita, foi assassinado em 1º de abril de 2007 nas Filipinas.
- Grace Akullo, enfermeira, de 27 anos, foi morta em Uganda em 17 de novembro de 2000.
- A irmã Lita Castillo, de 22 anos, dominicana da Anunciação, foi esfaqueada, queimada e morta no Chile em 29 de outubro de 2001.
Observe-se que essas são “apenas” as mortes de missionários. O número total de fiéis cristãos assassinados no mesmo período é incomparavelmente maior.
Devastação anticristã no mundo atual
A International Society for Human Rights, uma ONG de Frankfurt, na Alemanha, estimou em 2015 que 80% da discriminação religiosa que acontece atualmente no mundo é voltada contra os cristãos.
A Fundação Pontifícia Ajuda à Igreja que Sofre (AIS), em seu relatório “Perseguidos e esquecidos – Relatório sobre os cristãos oprimidos por causa da fé entre 2015 e 2017”, revelou aumento da perseguição religiosa nos últimos anos, em especial contra os cristãos, e exemplificou alguns de seus padecimentos brutais:
“Entre 2015 e 2017, os cristãos sofreram crimes contra a humanidade: alguns foram enforcados ou crucificados, algumas mulheres violentadas e sequestradas e outras desapareceram para sempre”.
A organização norte-americana Open Doors (Portas Abertas), dedicada a defender os cristãos perseguidos, informou em sua “Lista Mundial da Perseguição 2017” que 215 milhões de cristãos sofrem hoje níveis “altos, muito altos ou extremos” de perseguição. Trata-se de 1 a cada 12 cristãos no mundo. Existem 21 países onde 100% da população cristã sofre perseguição. Os dez piores países em termos de perseguição contra os cristãos são Coreia do Norte, Somália, Afeganistão, Paquistão, Sudão, Síria, Iraque, Irã, Eritreia e Iêmen, mas dezenas de outros também registram casos graves habituais.
Além disso, é preciso levar em conta que, no supostamente “livre” Ocidente, constatam-se cada vez mais recorrentes perseguições de tipo cultural, inclusive sob a forma de maciças campanhas autoproclamadas “sociais” que, na prática, reprimem aberta ou veladamente os valores, crenças, ritos e até a iconografia cristã, limitando-os (inclusive por lei), ridicularizando-os (inclusive em alegadas manifestações artísticas, muitas delas financiadas com dinheiro público) e combatendo-os (inclusive mediante teorias pedagógicas pseudocientíficas).
O Center for the Study of Global Christianity (Centro de Estudos sobre a Cristandade no Mundo), do Gordon Conwell Theological Seminary, é uma instituição evangélica de South Hamilton, no Estado norte-americano de Massachusetts, que também monitora e estuda os dados sobre o martírio cristão histórico e contemporâneo. A entidade estimou que, entre 2005 e 2015, houve 900.000 mártires cristãos em todo o planeta: em média, 90.000 cristãos assassinados por ano durante esse período. Segundo o mesmo centro, devem ser levados em conta argumentos históricos, sociológicos e teológicos na quantificação do martírio cristão ao longo do tempo. Sua definição de mártir cristão é esta: “Crentes em Cristo que perderam a vida prematuramente, em situações de testemunho, em decorrência direta de hostilidade humana“.
O número de cristãos martirizados é, muito provavelmente, bem superior a 90.000 por ano, já que os estudos realizados não conseguiram incluir dados confiáveis da China e da Índia, justamente os dois países mais populosos do planeta e nos quais, por causa da perseguição, há grandes comunidades cristãs clandestinas. Nesse contexto, o número real de cristãos martirizados é difícil de quantificar – mas é maior que o número comprovado até o momento.