Há até países em que a situação se manteve inalterada na comparação com o relatório anterior porque já era tão grave que não tinha como piorarFoi apresentado em Roma na última quinta-feira o XIV Relatório da Fundação Pontifícia Ajuda à Igreja que Sofre (ACN, pela sigla internacionalmente adotada em inglês).
O relatório demonstra, em números e fatos documentados, que a perseguição religiosa continua dramática em pleno terceiro milênio, sendo os cristãos os mais perseguidos, discriminados e oprimidos em todo o planeta, em diferentes contextos.
Informações que destacam a mesma conclusão têm sido divulgadas também por organismos laicos, como a USCIRF, sigla em inglês da Comissão dos Estados Unidos para a Liberdade Religiosa Internacional, e a International Society for Human Rights, uma ONG de Frankfurt, na Alemanha, bem como por entidades ligadas ao protestantismo, como a associação norte-americana Open Doors e o Center for the Study of Global Christianity, do Gordon Conwell Theological Seminary, uma instituição evangélica de South Hamilton, no Estado norte-americano de Massachusetts.
O relatório da ACN
PERÍODO – O período examinado vai de junho de 2016 a junho de 2018.
CONTEÚDO – No estudo, são apresentados incidentes e episódios significativos, relatados graças ao trabalho de parceiros do projeto presentes em mais de 150 países. Entre tais casos contam-se conversões e casamentos forçados, atentados, sequestros, destruição de locais de culto e de símbolos religiosos, prisões arbitrárias, acusações de blasfêmia, regulamentos para o controle de assuntos religiosos e várias medidas para a limitação do culto público.
PAÍSES – São 38 os países em que mais abertamente são discriminados ou perseguidos os cristãos e os fiéis de outras confissões diferentes da majoritária. Na maioria dos casos, a religião majoritária nesses lugares é o islamismo, mas há também países em que a discriminação e a perseguição vêm do laicismo ateísta imposto pelo governo, como na China e na Coreia do Norte. Desses 38 países em que são registradas violações graves ou extremas da liberdade religiosa, 21 são classificados como “lugares de perseguição” e 17 como “lugares de discriminação”:
- Os 21 “lugares de perseguição” são o Afeganistão, a Arábia Saudita, Bangladesh, a Birmânia, a China, a Coreia do Norte, a Eritreia, a Índia, a Indonésia, o Iraque, a Líbia, o Níger, a Nigéria, o Paquistão, a Palestina, a Síria, a Somália, o Sudão, o Turcomenistão, o Uzbequistão e o Iêmen.
- Os 17 “lugares de discriminação” são a Argélia, o Azerbaijão, o Butão, Brunei, o Egito, a Federação Russa, o Irã, o Cazaquistão, o Quirguistão, o Laos, as Maldivas, a Mauritânia, o Catar, o Tadjiquistão, a Turquia, a Ucrânia e o Vietnã.
NÚMEROS – 300 milhões de fiéis sofrem discriminação e perseguição atualmente no mundo. 61% dos cristãos vivem em países onde a liberdade religiosa não é respeitada. 1 em cada 7 cristãos vive hoje num país onde a perseguição é uma realidade dramática do cotidiano.
PIORA – Durante o período analisado, a situação piorou em 17 desses 38 países. Em outros, como a Coreia do Norte, a Arábia Saudita, a Nigéria, o Afeganistão e a Eritreia, a situação se manteve inalterada porque, segundo a ACN, ela já é tão grave que não pode piorar.
ESPERANÇAS – Foi registrada, por outro lado, uma queda brusca nas violências perpetradas pelo grupo islâmico fanático Al-Shabaab, o que levou a Tanzânia e o Quênia, anteriormente classificados como “países de perseguição”, a voltarem ao grupo dos “não classificados”. Destaca-se igualmente o sucesso de campanhas militares contra o Estado Islâmico e outros grupos hiper-extremistas islâmicos em regiões da África e do Oriente Médio, embora eles ainda não tenham sido derrotados de modo definitivo.
FUNDAMENTALISMO E ULTRANACIONALISMO – Além do fundamentalismo de matriz islâmica, foi registrado como “tendência preocupante” o aumento de um ultranacionalismo agressivo contra minorias ou mesmo contra quaisquer crenças religiosas, como ocorre há décadas na Coreia do Norte e na China. Esta, ao longo dos últimos dois anos, adotou novas medidas para reprimir grupos religiosos percebidos como “resistentes ao domínio das autoridades comunistas”. No entanto, um fenômeno similar ocorre também na Índia, país em que vêm sendo evidenciados cada vez mais atos de violência motivados por ódio religioso. Um deputado indiano chegou recentemente a descrever as minorias religiosas como “ameaça à unidade do país”, que, para os ultranacionalistas, deve ser exclusivamente hinduísta.
ANTISSEMITISMO – O relatório ressalta ainda que “o período em análise viu um aumento do antissemitismo na Europa, fenômeno frequentemente ligado ao crescimento do islamismo militante. Na França, onde a comunidade judaica é a mais populosa da Europa, com cerca de 500.000 judeus, foi registrado um pico bem documentado de ataques antissemitas e de violência contra centros culturais e religiosos judaicos”.
AVERSÃO AO ISLÃ – A aversão às minorias islâmicas também aumentou significativamente no período analisado, motivada por uma onda de ataques terroristas no Ocidente, em particular na Europa. O relatório observa: “A maioria dos governos ocidentais não conseguiu fornecer a assistência necessária e urgente aos grupos religiosos minoritários, em particular às comunidades de pessoas deslocadas que desejam voltar para as suas respectivas nações, das quais foram forçadas a fugir”.
Pronunciamentos
Durante a apresentação do relatório, pronunciaram-se o cardeal Mauro Piacenza, presidente internacional da ACN; dom Boutros Fahim Awad Hanna, bispo copta católico de Minya, no Egito; Tabassum Yousaf, advogado do Supremo Tribunal de Sindh, no Paquistão, e defensor de vítimas de perseguição religiosa; e Marta Petrosillo, porta-voz da ACN-Itália.
O cardeal Piacenza recordou que os cristãos contribuíram para o correto amadurecimento da ideia de liberdade e tiveram um papel não somente no âmbito religioso, mas também no histórico e cultural:
“A liberdade religiosa não é um direito dos muitos; é, antes, uma rocha sobre a qual todos os direitos humanos se arraigam firmemente, porque se refere à dimensão transcendente da pessoa humana. Na liberdade religiosa há liberdade de pensamento e até mesmo a liberdade para se distanciar do elemento religioso”.
Dom Hanna testemunhou que, no Egito, a liberdade religiosa faz parte da constituição nacional, mas, na prática, resta muito a ser feito para a sua plena aplicação.
Tabassum Yousaf relatou, em seu depoimento, as dramáticas intimidações sofridas pelos cristãos no Paquistão, um país que adota arbitrariamente a chamada “lei antiblasfêmia” para perseguir cristãos, fiéis de outras minorias religiosas e até mesmo outros cidadãos muçulmanos vistos como adversários políticos.
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A partir de informações do Vatican News