“Precisamos reconstruir o homem, reconciliar, porque há feridas profundas entre os venezuelanos e precisamos do perdão de Deus”As agências internacionais do grupo informativo católico ACI deram destaque nesta semana a fortes declarações do bispo da diocese venezuelana de Carúpano, dom Jaime Villarroel, que definiu a Venezuela como “um campo de concentração”.
Dom Jaime tem feito corajosas denúncias há anos sobre a grave situação vivida pelo povo do seu país sob a ditadura de Nicolás Maduro.
De fato, o país que já encabeçou a lista dos mais prósperos da América Latina deverá atingir até o final deste ano o recorde de 5 milhões de refugiados, uma arrepiante cifra equivalente a quase 15% da população. Trata-se do segundo maior deslocamento forçado de uma população na atualidade, atrás apenas da tragédia dos refugiados sírios.
Dom Jaime declarou:
“Quando um governo, sabendo o que seu povo sofre, deixa as crianças morrerem de desnutrição, deixa o povo morrer por falta de remédios para a pressão ou antibióticos e permite que grupos violentos controlem a cidadania, ele faz do nosso país um campo de concentração”.
Sobre a violência em disparada e a ameaça contínua dos grupos de extermínio, denunciados até pela alta comissária de Direitos Humanos da ONU, Michelle Bachelet, o bispo completou:
“Estamos trancados em nossas próprias casas porque as ruas foram tomadas de grupos armados e violentos que podem nos assassinar por um simples telefone ou por um par de sapatos. É uma tragédia que se assemelha à que a Europa viveu na Segunda Guerra Mundial, quando muitas pessoas, por pensarem diferente, foram levadas para os campos de concentração e exterminadas. A Venezuela está nesta situação”.
Ele recordou que, só durante o ano de 2018, mais de 22 mil pessoas foram mortas. Ao longo dos últimos 19 anos, a soma é de mais de 400 mil, um número aberrante para uma população total de menos de 32 milhões de habitantes.
Dom Jaime destacou ainda os flagelos da hiperinflação, do salário de miséria equivalente a 2 dólares por mês, da falta de remédios e insumos médicos nos hospitais e da falta de alimentos, enfatizando a morte de mais de 18 mil recém-nascidos por desnutrição e o falecimento de mais de 20% das mulheres que dão à luz no país por falta de atendimento médico adequado. Chega-se ao extremo de que muitas famílias sequer têm dinheiro para enterrar com dignidade os parentes falecidos.
Sobre o êxodo forçado de 4,5 milhões de venezuelanos, a grande maioria para a Colômbia, mas também para o Brasil, Peru, Equador, Chile, Argentina, Estados Unidos e para as ilhas de Trinidad e Tobago, no Caribe, o bispo toca num drama correlato: as máfias de traficantes de pessoas. Ele cita um recente levantamento que apontou quase 300 mil venezuelanos em situações de escravidão, prostituição forçada ou alvo do tráfico de órgãos. 70% são mulheres e 25% crianças, de acordo com dom Jaime.
O bispo clama por apoio:
“O bem da Venezuela é o de toda a humanidade, não porque seja o melhor país do mundo, mas porque salvar um homem é salvar toda a humanidade. E se ajudarmos nesse aspecto, cresceremos em humanidade para criar um mundo melhor e mais solidário”.
Não bastam as ajudas materiais, no entanto:
“A assistência humanitária é indispensável, muito importante, mas a formação em valores também: o trabalho, a honestidade… A Igreja está fazendo isso porque, quando tudo passar, haverá uma semente plantada no coração do povo, que poderá ajudá-lo a superar esta desgraça. Precisamos reconstruir o homem, reconciliar, porque há feridas profundas entre os venezuelanos e precisamos do perdão de Deus, que Jesus Cristo nos ensinou com a Sua palavra. Devemos sempre ter esperança, porque é isso o que nos salva. Tudo isto, em pouco tempo, vai passar e precisamos de apoio para reconstruir o povo, para existirem oportunidades e desenvolvimento no país, pensando na pessoa, como a Igreja pensa”.