Ratzinger diz: “Onde o húmus cristão desaparece completamente, mais nada permanece em pé”Reproduzimos a seguir um texto do professor Hermes Rodrigues Nery, coordenador do Movimento Legislação e Vida, no Brasil, a respeito de como o Papa Emérito Bento XVI enxerga a política.
Joseph Ratzinger tem um pensamento político muito claro, muito preciso, que ele expressou em vários documentos, em vários escritos, principalmente no tempo em que foi prefeito da Congregação para a Doutrina da Fé, de 1981 a 2005. Basicamente, destacaria aqui quatro documentos do então Cardeal Ratzinger, que, enquanto católicos, a gente precisa ler, entender, para que possa compreender o que está acontecendo hoje no mundo, no campo político.
São quatro documentos:
- “Cristianismo e Democracia Pluralista”, que Ratzinger apresentou em abril de 1984, em um congresso, em Munique;
- “Igreja, Ecumenismo e Política” (1987);
- “Política e Salvação”;
- “Europa, Política e Religião”, documento este apresentando em uma conferência em Berlim, em 2000, publicada na revista Communio, em 2001.
O que eu quero chamar a atenção aqui, desses quatro documentos, que tem muito a ver com o que a gente está vivendo hoje, é a visão que o Ratzinger tem sobre a crise das democracias, principalmente depois das duas grandes guerras mundiais, e as consequências dessa crise no campo político, em todas as instâncias, envolvendo aí política e cultura, comportamento, sociedade e tudo mais.
A questão é: qual é a causa, qual é a raiz da crise das democracias, que vai resultar no que nós estamos vivendo hoje, da debilidade das instituições, dos partidos políticos, em todos os níveis, da fragilização e banalização da vida humana, da crise mesmo do sentido da vida, das nossas relações, da falta da representatividade, de expectativas não correspondidas, dos poderes públicos, etc., etc., etc., que ele tão bem delineou as características do que estava por emergir no começo do século 21, mesmo ainda quando as tecnologias da comunicação não estavam influindo tanto como hoje, para dar no que estamos vendo: a demagogia, da intransigência o sentimentalismo e até mesmo o cerceamento da liberdade que campeia hoje nas redes sociais, aonde não é mais possível você manifestar o que realmente pensa, sem se expor assim ao linchamento virtual, aos sentenciamentos precipitados, onde todos querem ter opinião de tudo e ninguém admite o menor contraditório, agindo com as vísceras e não mais com a razão, e por aí afora. Como fica a questão da representatividade nisso tudo, como agregar as pessoas em torno de ideias, princípios e valores, sem manipular, principalmente as emoções humanas? Como entender esse fenômeno?
Ratzinger vai dizer então, nesses quatro documentos, que o que acontece é o seguinte: o que ocorreu depois das duas grandes guerras mundiais foi uma espécie de dissolução das bases morais do cristianismo, e a falta dessas bases morais acaba criando o ambiente político propício para a barbárie, agravada hoje ainda mais em suas novas expressões, intensificadas pelas tecnologias de comunicação, barbárie esta que tende a ser agravar se as bases morais do cristianismo forem solapadas de vez, que é o que ele estava vendo lá pelos anos 80, e que hoje aí estamos vendo os resultados, e de como tais bases morais estão sendo derruídas, de diversas formas, e com muito mais celeridade, por ação das tecnologias de comunicação. Com isso as pessoas perdem o chão da realidade, e optam por todos os escapismos e evasões.
Ratzinger diz: “onde o húmus cristão desaparece completamente, mais nada permanece em pé”. E quando faltam essas bases morais, quando não há mais vigência na sociedade, o que vai acontecer, concretamente? Uma parte importante, expressiva, significativa da população, principalmente os jovens, vai ficar vulnerável a todos os escapismos, e vão adotar posturas anárquicas, daí o libertarianismo, o anarquismo, e também com simpatias a regimes fechados e totalitários, e a barbárie, em suas diversas e novas formas de expressão.
A Política então – para Ratzinger – só terá sentido e será garantia da liberdade (no conceito cristão de liberdade) se for capaz de deter a barbárie, se for capaz de evitar justamente o solapamento dessas bases morais.
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