Missionário de 84 anos, frei Aquilino põe seu celular sobre os corpos para rezar com as famílias impedidas de estar presentes: “Choramos juntos. Você sente a dor na dor”O mundo assistiu em choque, ao longo desta quinta-feira, às estarrecedoras imagens de uma fila de 15 caminhões do exército italiano transportando corpos de vítimas da Covid-19 para fora da cidade de Bérgamo, uma das mais duramente afetadas pela pandemia do coronavírus não só na Itália, mas no planeta.
A rica cidade de Bérgamo, com cerca de 120 mil habitantes, fica na Lombardia, norte do país, perto de Milão e relativamente próxima da fronteira com a Suíça. A prosperidade não foi suficiente para impedir o calvário que a população local tem vivido desde que o surto de Covid-19 saiu de controle.
A situação na província é dramática há semanas. Centenas de pessoas foram infectadas pelo coronavírus desde o início do surto. A saturação dos hospitais com tantos doentes ao mesmo tempo é tamanha que o prefeito da cidade, Giorgio Gori, admitiu que, para alguns pacientes, não resta sequer a possibilidade de irem para a terapia intensiva.
Conforme documentamos alguns dias atrás, há no cemitério da cidade um acúmulo de caixões com corpos à espera de cremação, porque os funerais estão proibidos devido às restrições à movimentação e aglomeração de pessoas. A igreja de Todos os Santos, situada dentro do cemitério, foi transformada numa espécie de grande câmara mortuária, acolhendo em média 40 corpos por dia.
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O frade que põe o celular sobre os corpos para rezar com as famílias impedidas de estar presentes
No hospital Giovanni XXIII, também de Bérgamo, doentes graves falecem sem que seus parentes, em quarentena, possam sair de casa para acompanhá-los e se despedirem de perto.
Confortar essas famílias faz parte da missão do frei Aquilino Apassiti, um missionário de 84 anos que voltou para Bérgamo em 2015, depois de ter trabalhado durante anos no Brasil. Na capela do hospital, respeitando as medidas de segurança, ele oferece conforto espiritual e emocional aos profissionais de saúde, aos pacientes e, à distância, também aos seus familiares:
“Se familiares dos falecidos me ligam, eu coloco o meu celular sobre os caixões de seus entes queridos e oramos juntos”.
Esta foi a forma possível de transmitir um pouco de proximidade a quem fica, em relação a quem parte, no meio das muitas e dilacerantes despedidas em que os vivos são impedidos de estarem ao lado de seus mortos pela última vez.
Em entrevista à Rádio InBlu, da Conferência Episcopal Italiana, o frei Aquilino relatou os dramáticos momentos da bênção dos cadáveres sem a presença dos parentes:
“Uma senhora que não pôde se despedir do marido falecido me pediu para fazer esse gesto. Eu abençoei o corpo do marido, fiz uma oração e depois começamos a chorar pelo telefone. Você sente a dor na dor. É um momento de grande provação. Nas últimas semanas, eu não posso mais ver os doentes pessoalmente, mas fico na porta dos quartos. Faço isso porque, se os pacientes não me veem, eles acham que eu também fui infectado. Passo a maior parte do tempo na capela do hospital, orando. À noite, um médico do departamento de cardiologia costuma vir e orar durante 45 minutos”.
“Levamos Jesus, mas também podemos levar o vírus”
Dom Francesco Beschi, o bispo de Bérgamo, também testemunhou perante os microfones da Rádio InBlu:
“Nos últimos 15 dias, tenho visto uma generosidade crescente de todos. Estamos em nossas casas, mas vejo laços de proximidade muito significativos. Com as devidas precauções, estamos próximos das pessoas na consciência de que, por um lado, levamos Jesus, e, por outro, podemos também levar o vírus. O relacionamento através das redes sociais cresceu muito e agora é a única forma de estarmos perto de todos. Temos que ter cuidado, porque os tempos serão longos. Passamos de certa indiferença a uma consciência maior, à compreensão mútua. Esse compartilhamento precisa ser mantido nas próximas semanas”.
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