Determinações governamentais atingem diretamente a Sagrada ComunhãoIngerência política na religião? Esta é a pergunta natural de muitos fiéis diante de diretrizes governamentais que vão além de questões de ordem pública, como horários ou quantidade de pessoas permitidas por celebração a fim de combater a pandemia de covid-19.
Conforme matéria do blog católico Ancoradouro, publicado no site do jornal cearense O Povo, um caso que está agora despertando questionamentos no Brasil é um novo decreto do governo do Estado do Ceará, chefiado por Camilo Santana (PT). O blog informa que tal decreto determina regras para restringir a propagação do coronavírus, mas inclui entre elas nada menos que 33 orientações relacionadas à prática religiosa. Além de determinar, por exemplo, quantos músicos são permitidos por celebração, o documento se arroga a prerrogativa de ditar como devem acontecer as coletas e, o mais chamativo, determina que “alimentos de cunho religioso” devem ser “pré-embalados” e entregues “em porções individuais”.
Esta última regra atinge diretamente a Sagrada Comunhão.
Ingerência política na religião?
Tal interferência política na execução do rito religioso é muito semelhante à de uma portaria emitida pelo governo estadual de Santa Catarina em abril de 2020, que gerou forte rejeição dos católicos catarinenses e mereceu enfáticos questionamentos da Arquidiocese de Florianópolis.
Assinada pelo governador Carlos Moisés, a portaria estadual catarinense nº 254 determinava:
“Nos cultos em que houver a celebração de ceia, com partilha de pão e vinho, ou celebração de comunhão, os elementos somente poderão ser partilhados se estiverem pré-embalados para uso pessoal”.
Tal portaria, embora afetasse explicitamente os católicos, havia sido redigida e publicada pelo governo de Santa Catarina sem consultar as autoridades da Igreja, conforme foi confirmado pela regional Sul 4 da Conferência Nacional dos Bispos do Brasil (CNBB). A Arquidiocese de Florianópolis, na ocasião, informou ter entrado em contato com a Superintendência de Vigilância Sanitária de Santa Catarina para explicar as particularidades do sacramento da Eucaristia e, por conseguinte, a impossibilidade do uso de “embalagens”.
Em Santa Catarina, a comunhão “sem embalagem” acabou sendo liberada, desde que mantidos o distanciamento social e as regras de higiene amplamente divulgadas desde o começo da epidemia no país.
Os cuidados adotados nas igrejas
Acontece que a Igreja Católica tem sido uma das instituições que mais colaboram com as medidas sanitárias implementadas para combater os contágios pelo coronavírus.
No caso da Arquidiocese de Fortaleza, todas as igrejas sob a sua jurisdição já estão submetidas a um decreto do próprio arcebispo dom José Antonio desde agosto de 2020, com indicações claras sobre os cuidados que devem ser adotados em cada paróquia, capela e edifício vinculado à Igreja. Aliás, todos os cuidados foram preservados pela Igreja também durante a última campanha eleitoral, quando, não obstante, verificaram-se aglomerações provocadas por candidatos.
Interferências questionáveis na liberdade religiosa
O fato é que medidas com questionável embasamento científico, mas que afetam diretamente a liberdade religiosa, têm sido frequentes ao longo desta pandemia de covid-19, tanto no exterior quanto no Brasil. É compreensível que os fiéis as questionem e as qualifiquem como ingerência política na religião. O debate, certamente, merece ser feito.
Em novembro de 2020, por exemplo, o arcebispo de Florianópolis, dom Wilson Tadeu Jönck, reagiu com veemência após a interrupção de uma Santa Missa de Crisma na cidade catarinense de Botuverá. 78 pessoas estavam recebendo o sacramento da Crisma quando a celebração foi interrompida sob a alegação de que o rito religioso violava normas de prevenção contra a covid-19. A respeito, dom Wilson declarou:
“Em todos os lugares de culto, os assentos estão demarcados de acordo com a capacidade estipulada pelos decretos do Estado; é fornecido álcool gel para todos os participantes e é obrigatório o uso de máscara. Nós nos consideramos colaboradores do Estado no seu esforço no combate à pandemia (…) Tudo estava organizado seguindo à risca as normas da autoridade sanitária: distanciamento, lugares demarcados para todos os participantes, fornecimento de álcool gel e todos os presentes usavam máscaras”.
Pouco depois, em dezembro de 2020, o bispo dom Antônio Carlos Rossi Keller, da diocese gaúcha de Frederico Westphalen, também manifestou indignação diante de novas normas restritivas emitidas pelo governo do Rio Grande do Sul no tocante às cerimônias religiosas:
“As autoridades sanitárias pretendem culpar a Igreja pela situação em relação ao aumento de casos de covid-19 no Estado”.
As regras em questão mantinham os protocolos gerais, como uso de máscara, álcool em gel e distanciamento social, mas também limitavam as Missas e cultos religiosos à participação máxima de 30 pessoas ou o equivalente a 10% da lotação do espaço. Além disso, proibiam “consumo de comidas e bebidas” – o que facilmente se prestaria a interpretações abusivas a respeito da Eucaristia. Dom Keller respondeu:
“Esta generalização é absurda e inaceitável. A proibição de que haja ‘distribuição de alimentos e bebidas’ pode também configurar-se em abusiva intervenção no Direito Litúrgico, já que pode significar a arbitrariedade de se impedir a distribuição da Sagrada Eucaristia. Nós, bispos do Rio Grande do Sul, vamos tomar as medidas necessárias para que haja maior respeito para com a Igreja Católica”.
Casos de repercussão no exterior
O Brasil não é o único país em que se verificam medidas questionáveis que alegam combater a propagação do coronavírus.
Determinações incoerentes ou arbitrárias foram denunciadas, por exemplo, pelos bispos mencionados neste seguinte artigo:
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4 bispos reagem com veemência contra desmandos e hipocrisias nesta pandemia
Outro exemplo foram as determinações arbitrárias impostas pelo governo da França no final do ano passado, que também levaram milhares de católicos a se manifestarem publicamente contra o autoritarismo e suas medidas sem fundamentação científica. O caso pode ser conferido no seguinte artigo:
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Bispos franceses peitam governo por limitações arbitrárias em Missas