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Agir como cristão numa pandemia partidarizada

CORONAVIRUS VACCINO COVID
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Francisco Borba Ribeiro Neto - publicado em 21/03/21
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Diante da pandemia e da polarização, a primeira característica do cristão maduro é a tranquilidade, que vem da confiança em Deus

Nesses três meses iniciais de 2021, tanto a pandemia por Covid-19 quanto a polarização partidária cresceram de forma assustadora no Brasil. A partidarização contamina as ações em prol da saúde pública e parece que muitas pessoas estão mais interessadas em fortalecer suas posições políticas do que em ver a população brasileira superar a pandemia.

A Covid-19 é uma doença novíssima. A ciência realizou um feito maravilhoso produzindo em tão pouco tempo vacinas viáveis contra o vírus, com todos os limites e incertezas que ainda as cercam. Mas todas as iniciativas têm algo de experimental e só no futuro teremos procedimentos realmente confiáveis e certificados contra o vírus. Muito do que é feito agora nasceu da análise de erros e acertos verificados em epidemias passadas.

As soluções não dependem apenas do que é proposto, mas também de como a proposta é realizada. Mesmo com medicamentos já bem conhecidos, sabemos que uma dosagem muito baixa não ajudará a curar a doença e uma dosagem excessiva pode até matar. Grande quantidade de fármacos está sendo testada no tratamento de pacientes com Covid-19. É quase certo que teremos protocolos clínicos onde alguns desses produtos serão incluídos, com grande benefício para os doentes. Contudo, por mais sucesso que tenham ou venham a ter, esses medicamentos não estão suficientemente estudados e nem seus tratamentos clínicos são suficientemente seguros para que possamos confiar exclusivamente neles para enfrentarmos a pandemia. Nem podem ser absolutamente descartados. A armadilha ideológica, que só traz mais mortes, está nas tentativas de respostas absolutas – tudo ou nada – e na transformação de uma questão sanitária em questão partidária.

O distanciamento social e as medidas de higiene são procedimentos clássicos na luta contra epidemias. Médicos usando máscaras em hospitais, pacientes relativamente “isolados” em casa, só usando utensílios destinados a eles, lavados à parte daqueles usados pelo restante da família, são práticas comuns diante de doenças contagiosas. Os planos de saúde pública contra Covid-19, que vão desde o simples incentivo ao uso de máscaras ao lockdown mais extremado, são aplicações estendidas desses procedimentos tradicionais. Têm um custo econômico e social elevado, dependendo muito de como são implementados para se mostrarem efetivos.

Medidas de isolamento social podem ser ineficazes se a população não adere a um plano de isolamento e continua se aglomerando de forma desnecessária; se os trabalhadores de “serviços essenciais” continuam tendo de se aglomerar em transportes públicos ou se expõem ao vírus sem proteção adequada; se em bairros de baixa renda não se tem como isolar os infectados que convivem com familiares e vizinhos, espalhando o vírus. O problema pode não ser a eficiência do isolamento social em si, mas sim as limitações da forma pela qual está sendo implementado.

A relação entre aumento do isolamento/distanciamento social, queda da economia e aumento da pobreza é bastante complexa. Cada país tem sua própria estrutura econômica e social, que responde a seu modo ao impacto da pandemia e das medidas restritivas. Além disso, o fator cultural pesa muito. As perdas econômicas são tanto menores quanto mais a população está preparada para enfrentar a pandemia, adotando medidas sanitárias efetivas e bem praticadas, evitando contatos desnecessários e se protegendo nas atividades necessárias.

Na Europa, enquanto Alemanha, França e Espanha, que enfrentaram períodos de lockdown e grandes restrições à economia, tiveram quedas no PIB entre 5 e 11% em 2020. A Suécia, que não praticou essas medidas, teve queda do PIB de apenas 2,8% - muito menor do que a dos países anteriormente citados. Contudo, os demais países nórdicos (Dinamarca, Noruega e Finlândia), tiveram resultados econômicos similares e até melhores, com medidas restritivas e mortalidade por Covid-19 muito menores, entre 60 e 90% da taxa sueca por habitante.

Mortes e perdas econômicas são inevitáveis numa pandemia. Pior, costumam andar juntas: quanto mais mortes, mais prejuízo para a economia. Uma suposta contraposição entre salvar vidas ou salvar empregos não existe. A economia, para ser menos impactada, precisa de segurança, atividades ordenadas e recuperação rápida da sociedade. Um lockdown relativamente curto, seguido por um período com restrições severas, mas seguidas por todos e bem orientadas, e medidas de incentivo e apoio aos setores mais prejudicados, será muito menos prejudicial para a economia do que um longo período de tentativas desastradas de conter a pandemia, população desorientada e ações paternalistas para minimizar a pobreza (ainda que essas últimas possam ser necessárias num momento de crise aguda).

Nossa fé seria um adereço inútil se não nos desse luzes para atravessar um período como esse. Para isso, temos de escutar os mais sábios na fé – e entre esses se sobressai, nesse momento, o Papa Francisco – e nos acompanharmos mutuamente como comunidade.

Diante da pandemia e da polarização, a primeira característica do cristão maduro é a tranquilidade, que vem da confiança em Deus. Não se trata de uma fé cega ou indiferente, que não vê os sofrimentos do mundo. Trata-se de uma certeza, que vem da vivência de quem experimentou o amor de Deus e sabe que um futuro bom sempre nos aguarda, por maiores que sejam as dificuldades.

Essa tranquilidade não gera apatia, mas sim interesse e compromisso com tudo que acontece. Por isso, procuramos nos apoiar e nos orientarmos mutuamente num período de opiniões tão extremas e apaixonadas. Nosso esforço, enquanto comunidade, não é a de “vencer os outros” num debate. Não nos alegramos quando as propostas do outro se mostram falhas. Pelo contrário, sofremos porque sabemos que isso significará mais mortes. O tempo todo procuramos os argumentos a favor e contra todas as posições, pois não debatemos para convencer os outros, mas para encontrarmos juntos a verdade.

A fraternidade não é uma postura teórica (ainda que os debates conceituais sejam importantes nesse momento). Ela se manifesta em gestos concretos de ajuda mútua. As grandes perguntas ainda são: “posso ajudar em alguma coisa? de que forma?”.

Por fim, somos chamados a viver a solidariedade para com todos. Precisamos praticar gestos de ajuda material às obras e comunidades que atendem os mais desassistidos com essa tragédia mundial. É importante seguirmos as regras de segurança sanitárias. Mesmo que não concordemos com algumas, temos que perceber que, se alguns seguem e outros não, os resultados serão incertos e acarretarão mais males no futuro. Pedir a vacina para os mais fragilizados e para os profissionais que enfrentam maiores riscos, não “furar filas” quando não estamos particularmente em risco, também são atitudes fundamentais.

O exemplo dos cristãos não é secundário nesse momento. Deus nos fala e nos solicita com essa pandemia.

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