Não há nenhuma possibilidade – se Deus não o permitir – de comunicação dos vivos com os mortos. Este tipo de prática é pecaminosa e totalmente desaconselhada pela Igreja.
Na maioria das vezes, trata-se de fraude e engano por parte dos necromantes e médiuns, podendo, em ocasiões excepcionais e muito raras, supor inclusive o contato com demônios.
Só Deus é o Senhor dos vivos e dos mortos e nele colocamos a nossa confiança, nossos pedidos, desejos, necessidades, e esperamos junto dele o reencontro com nossos entes queridos já falecidos.
A possibilidade de falar com os mortos, hoje em dia, é comumente conhecida dentro do Ocidente como espiritismo, ou seja, falar com os espíritos dos mortos.
A necromancia é uma prática de adivinhação que consiste originalmente em tentar conhecer o futuro por meio da consulta dos seus cadáveres. Este sentido, ainda que não tenha se perdido, foi se ampliando com o tempo, podendo também significar a invocação do espírito do falecido para conhecer o que vai acontecer no futuro.
Sem entrar em maiores detalhes etimológicos e semânticos das diversas crenças e âmbitos mágicos ao longo da história, estes aspectos serão suficientes para tratar do nosso tema.
Em suma, alguns acreditam que é possível falar com os mortos, pois, ainda que o corpo físico seja descomposto biológica e quimicamente, seu espírito (ou sua alma imortal) permanece com algum tipo de contato ou possibilidade de comunicação com os vivos.
Isso supostamente pode ser conseguido de diversas formas: usando um tabuleiro ou tábua ouija, usando alguns objetos mágicos ou por meio de invocações e fórmulas mágicas; também por meio de um canal ou médium; ainda por meio de um bruxo ounecromante, que executa os atos mágicos e inclusive pode ser possuído pelo espírito do morto, que domina seu aparelho fonético, com sua boca e suas cordas vocais, falando por meio dele; também pode acontecer que o espírito do morto domine a mão do bruxo ou do médium necromante, fazendo-o escrever mensagens.
Inclusive a comunicação dos espíritos supostamente pode ser direta, no sentido de que a iniciativa parte deles, sem concurso ativo dos vivos. Assim, afirma-se que os espíritos se manifestam, aparecendo seus rostos ou figuras em impressões fotográficas, em diversos objetos e superfícies; ou inclusive emitem vozes e sons que podem ser gravados (psicofonia); ainda, podem se manifestar em uma frequência de rádio ou falar com um vivo via telefone.
Desde a Antiguidade, o fato de falar com os mortos, de qualquer maneira ou forma mágica possível (havendo múltiplas razões para fazê-lo), pode ser enquadrado em algum dos seguintes grupos, com as adequadas variações e matizes:
Em primeiro lugar, pode ser um jogo de adolescentes, sobretudo meninos, que costumam fazer esse tipo de brincadeira (especialmente ouija ou similares) como forma de afirmar-se no grupo, ser valente, ou apenas por curiosidade e vontade de penetrar âmbitos desconhecidos – o que pode supor um desafio para fortalecer sua posição dentro do grupo de amigos. Também podem fazer isso por diversão, passatempo ou curiosidade frente à morte, diante de um filme, livro ou revista em quadrinhos.
O segundo grupo é o mais frequente, pois é formado pelos que sentem necessidade de falar com um morto (que costuma ser uma pessoa afetivamente próxima, um ente querido, quase sempre um familiar). As razões podem ser variadas: saber se a pessoa está bem ou para onde ela foi; necessidade da pessoa que ficou viva de voltar a ver quem partiu; inclusive às vezes, por remorso, para pedir perdão diante de fatos não perdoados durante a vida.
O terceiro grupo é bem diferente dos anteriores. Nele, encontram-se aqueles que praticam este tipo de contato com os mortos porque desejam ter acesso a fatos desconhecidos, ao futuro ou ao que há depois da morte. O que se busca, neste caso, é adiantar-se aos acontecimentos, tentando pular legitimamente “os tempos”, querendo saber o que acontece no mais além; ou ainda, usar os mortos ou seu poder para conhecer coisas ocultas; alguns também buscam utilizar os mortos para fins de proteção pessoal ou, quase sempre, para fins maléficos, como causar dano a outras pessoas – algumas vezes para vingar-se de alguém.
Para conhecer o ensinamento da Igreja, vamos ao Catecismo da Igreja Católica, em seus números 2115-2117. O espiritismo atenta contra o primeiro mandamento da Lei de Deus: “Eu sou o Senhor, teu Deus, que te tirei da terra do Egito, dessa casa da escravidão. Não terás outros deuses perante Mim. Não farás de ti nenhuma imagem esculpida, nem figura que existe lá no alto do céu ou cá em baixo, na terra, ou nas águas debaixo da terra. Não te prostrarás diante delas nem lhes prestarás culto” (Ex 20, 2-5).
Entre outras coisas, o Catecismo afirma que:
“Deus pode revelar o futuro aos seus profetas ou a outros santos. Mas a atitude certa do cristão consiste em pôr-se com confiança nas mãos da Providência, em tudo quanto se refere ao futuro, e em pôr de parte toda a curiosidade malsã a tal propósito” (CIC 2115).
“Todas as formas de adivinhação devem ser rejeitadas: recurso a Satanás ou aos demônios, evocação dos mortos ou outras práticas supostamente ‘reveladoras’ do futuro. A consulta dos horóscopos, a astrologia, a quiromancia, a interpretação de presságios e de sortes, os fenômenos de vidência, o recurso aos ‘médiuns’, tudo isso encerra uma vontade de dominar o tempo, a história e, finalmente, os homens, ao mesmo tempo que é um desejo de conluio com os poderes ocultos. Todas essas práticas estão em contradição com a honra e o respeito, penetrados de temor amoroso, que devemos a Deus e só a Ele” (CIC 2116).
“Todas as práticas de magia ou de feitiçaria, pelas quais se pretende domesticar os poderes ocultos para os pôr ao seu serviço e obter um poder sobrenatural sobre o próximo – ainda que seja para lhe obter a saúde – são gravemente contrárias à virtude de religião. Tais práticas são ainda mais condenáveis quando acompanhadas da intenção de fazer mal a outrem ou quando recorrem à intervenção dos demônios. O uso de amuletos também é repreensível. O espiritismo implica muitas vezes práticas divinatórias ou mágicas; por isso, a Igreja adverte os fiéis para que se acautelem dele” (CIC 2117).
Podemos completar o que o Catecismo diz consultando São Tomás de Aquino, na Suma Teológica, por ser ele o autor mais equilibrado e centrado ao falar de temas teológicos, especialmente nestas questões de magia e satanismo.
Nesta obra, São Tomás afirma que, por meio da virtude da religião, a criatura conhece sua relação e seu lugar frente ao seu Criador e assim o honra e reverencia (S. Th., II-II, q. 81). Dessa maneira, dentro dos vícios contra esta virtude, dentro da superstição – em concreto, dentro do culto às criaturas –, situa-se a adivinhação por meio dos espíritos dos mortos (S. Th., II-II, q. 95).
Se o ser humano precisasse conhecer o futuro, Deus usaria seu senhorio e lhe comunicaria, por revelação direta, por meio de Nossa Senhora, dos santos ou pelos meios que Ele quiser. Usurpar, ou melhor, pretender usurpar este direito é impossível para qualquer um que não seja Deus. E a tentativa já é um pecado.
É verdade que o homem pode usar seus meios e capacidades naturais para, estudando as causas naturais, conhecer o que pode acontecer, os efeitos, dentro da ordem da natureza e do seu próprio âmbito. E assim também podem fazer os anjos, seres mais perfeitos que o homem – daí que possam conhecer mais coisas que o próprio ser humano (S. Th., II-II, q. 172, a. 5).
No entanto, só Deus pode conhecer tudo e dispor do futuro completamente – do que ocorre no céu, no inferno e na criação natural, ou seja, no universo em que vivemos (S. Th., I, q. 14, a. 13; q. 57, a. 3; q. 86, a. 4). Isso é assim porque só Deus é Senhor e Criador, único, onipotente e onisciente. Além disso, Deus é a causa eficiente de tudo o que existe, e mantém tudo em sua existência continuamente. Só Deus é “Ipsum Esse Subsistens“, o ser-que-existe-e-é-por-si-mesmo (S. Th., I, q. 4, a. 2). É por isso que só Deus dispõe das coisas e pode revelar o futuro. Ninguém mais.
Além disso, Deus é providente, ou seja, ordena as coisas ao seu fim; e o fim último das coisas é o bem divino (S. Th., I, q. 22). Assim, devemos confiar nele e não tentar usar os espíritos dos mortos para conhecer o futuro.
Finalmente, São Tomás afirma que é possível pecar com o espiritismo especialmente de duas maneiras: pelo pecado de curiosidade, que é o mais amplo em seu sentido que o conceito que temos desta palavra – de fato, São Tomás a define como um desejo desordenado e desenfreado de conhecer novidades (S. Th., II-II, q. 167 a. 1), quanto à causa final; e pelo pecado de superstição, que consiste em crer mais do que se deve, quanto à causa material.
Na maior parte das vezes, o que existe é uma fraude, um engano por parte dos supostos médiuns. Quando se fala de sons, barulhos e fenômenos difíceis de explicar, em geral, quando investigados, têm causas naturais.
Em alguns casos, pode ocorrer que pessoas com problemas psicológicos (como em alguns casos de esquizofrenia) acreditem ouvir vozes ou ter sensações que na verdade não são reais, que só ocorrem em sua mente – alucinações e delírios. E em raríssimas ocasiões, como diz São Tomás de Aquino, pode acontecer que sejam os demônios que se fazem passar por espíritos dos mortos, por meio de sugestões ou fazendo aparições falsas de pessoas falecidas. Porém, não se trata de enxergar demônios em todos os cantos, como alguns falsamente interpretam, porque o fato de isso ser possível não significa que é frequente – já que o mais comum é que se trate de uma fraude mesmo.
O documento da Conferência Episcopal da Toscana, de 1994, chamado “Magia e demonologia”, afirma que, “nas sessões de espiritismo, os participantes e o médium (forma moderna dos antigos necromantes) se prodigam na invocação das almas dos defuntos (por exemplo, supostas gravações de vozes); na realidade, introduzem uma forma de alienação do presente e realizam uma mistificação da fé no além, geralmente com truques, agindo de fato como instrumentos de forças do mal, que os usam às vezes para fins destrutivos, orientados a confundir a pessoa e afastá-la de Deus“.
O mesmo documento alerta sobre a “busca de fatos extraordinários e milagrosos, que podemos detectar inclusive em ambientes cristãos – busca que, algumas vezes, apela a um falso misticismo ou a fenômenos de revelações privadas; outras, chega inclusive a dirigir-se a referências demonológicas, sem uma verificação racional e longe de uma autêntica maturidade na fé”.
A Igreja sempre se opôs a este tipo de prática – inclusive, quando se tornou comum frequentar sessões espíritas, manifestou-se da seguinte maneira:
O Santo Ofício (4 de agosto de 1856) afirmou, em referência a experimentações do então chamado magnetismo, mesmerismo ou hipnose, também usado para falar com os mortos, que era uma prática ilícita: “A aplicação de princípios e meios puramente físicos a coisas e efeitos verdadeiramente sobrenaturais para explicá-las fisicamente não é senão um engano totalmente ilícito e herético. (…) Até tal ponto cresceu a malícia dos homens que, descuidando o estudo lícito da ciência, buscando, ao invés disso, saciar a curiosidade, com grande prejuízo para as almas e dano à própria sociedade civil, se gloriam de ter alcançado certo princípio de vaticinar e adivinhar. Daí que, com os embustes do sonambulismo e da que chamam de clara intuição, (…) presumem pronunciar palavras sobre a própria religião, evocar as almas dos mortos, receber respostas, descobrir coisas distantes e desconhecidas, e praticar outras superstições do estilo, com o fim de lucrar (…). Em tudo isso, seja qual for a arte ou ilusão que utilizem, ou meios físicos para fins não naturais, há decepção totalmente ilícita e herética, bem como escândalo contra a honestidade dos costumes”.
O Santo Ofício (24 de abril de 1917) afirmou que não era lícito, “por meio do chamado ‘médium’ ou sem ele, empregando ou não o hipnotismo, assistir a quaisquer alocuções ou manifestações espíritas, sequer as que apresentam aparência de honestidade ou de piedade, ora interrogando as almas ou espíritos, ora ouvindo suas respostas, ainda que seja só observando, sem intenção de falar com os espíritos malignos”.
Nunca foi demonstrado e não há prova alguma suficientemente contrastada pela qual se possa dizer que é possível entrar em contato com os mortos e falar com eles recorrendo a bruxos, necromantes, adivinhos ou magos de qualquer tipo. Apesar do que alguns acreditam, não há prova alguma. Quase todos os casos são fraudes e enganos, como já afirmamos. Dessa maneira, os sacerdotes Carlos María de Heredia, S. J., e Óscar González Quevedo, S. J., ou cientistas como Dmitri Mendeléyev, Martin Gardner, bem como magos (especialistas em truques e fraudes) como James Randi, entre outros, demonstraram a fraude dos espíritas e suas supostas comunicações com os mortos.
Portanto, tenhamos fé e confiança em Deus, em sua Providência, inclusive nos momentos de escuridão. Porque o que é certo é que podemos, sim, falar com Deus, rezar a Ele; e que nele depositemos nossos desejos e petições, nossos assuntos, inclusive os que tenhamos com pessoas já falecidas, pois só Ele, Senhor de vivos e mortos, é quem tem este senhorio. Só Deus.