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Minha professora é a velha 

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Francisco Borba Ribeiro Neto - publicado em 19/09/21
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Professores sábios e experientes, que amam seus alunos, realmente conseguem bons resultados

Vinte e um de setembro é o Dia Nacional da Pessoa com Deficiência. A data vem quase em seguida a uma infeliz declaração do ministro da Educação, para o qual “alunos com deficiência atrapalham o aprendizado de outras crianças” – frase pela qual ele próprio se desculpou posteriormente. Com isso, recordei um episódio ocorrido nos hoje longínquos anos ‘80, na Itália.

Na época, conheci um antigo militante da esquerda extraparlamentar que desejava se aproximar da Igreja Católica. A esquerda extraparlamentar é um capítulo trágico da história política recente. Desencantados com a democracia e com a ação parlamentar, alguns militantes de esquerda tentavam formas mais extremas de participação política, que forçassem a mudança das instituições. O extremismo crescente também não obtinha resultados, levando os mais sectários a chegar na luta armada e no terrorismo, deixando os mais sensatos na desilusão. Uma lição que não poderia ser esquecida nesses tempos em que esquerda e direita frequentemente defendem a antipolítica!

Mas, voltemos a nossa história. Esse militante se aproximou da Igreja por causa de seu filho pequeno. Nas escolas italianas, no ensino fundamental, as crianças com deficiência estudam junto com as outras, e a professora ganha uma assistente, que ajuda não especificamente o aluno com deficiência, mas todo o trabalho em sala de aula. Isso havia acontecido na classe do filho desse militante a que me refiro.

A professora titular era uma senhora de idade, com métodos pedagógicos considerados ultrapassados, muito centrados em castigos e recompensas, enquanto a assistente era uma jovem muito bem formada, que usava métodos modernos e entrava frequentemente em confronto com a outra. Os pais das crianças, a começar pelo nosso militante e sua esposa, iniciaram um movimento para demitir a velha professora e colocar a nova em seu lugar.

Um dia, os alunos escreveram uma redação intitulada “Minha professora”. O filho do militante começou sua redação justamente com a frase que dá título a esse texto: minha professora é a velha. O texto estava centrado na relação do menino com a idosa. Vendo aquilo, o pai perguntou por que ele fizera a redação falando só da velha, sem se referir à nova. 

O menino explicou que havia percebido que algumas pessoas estavam querendo tirá-la da escola e ela estava muito triste por causa disso. Assim, resolvera escrever a redação para ela, para animá-la e mostrar como ela era importante para ele. O pai percebeu que a velha professora e o menino se gostavam mutuamente, que se viam como duas pessoas, em toda sua humanidade, e não só em função de suas funções na escola.

Para o militante, foi uma descoberta. Entendeu que os afetos e uma humanidade vivida integralmente são mais importantes do que os papeis sociais, que uma correta concepção de pessoa e um amor verdadeiro podem superar propostas metodológicas e programas políticos. A partir daí, ele – que era ateu – intuiu que a Igreja é “mestra em humanidade” e procurou aproximar-se dela.

Fui professor – e professor de futuros professores – na maior parte de minha vida. Já tive deficientes em minhas salas de aula e sei que eles representam um desafio tanto para o docente quanto para a comunidade escolar, mas são uma riqueza para todos. Cada um de nós é um dom para os outros. Contudo, aqueles que enfrentam maiores dificuldades são uma riqueza ainda maior para a coletividade, pois nos ajudam a compreender o valor incomensurável de cada um de nós.

Aprendi ao longo desses anos que a educação é uma relação onde nossa humanidade é particularmente envolvida. Professores sábios e experientes, que amam seus alunos, realmente conseguem bons resultados até com metodologias inadequadas e carência de recursos. Por outro lado, métodos excelentes e ótimos recursos são pouco efetivos se falta esse elemento pessoal do professor.

A discussão sobre inclusão na escola tem muito a ver com essa dimensão humana da escola. Em processos repetitivos, robôs são muito mais eficientes que pessoas – mas nem por isso deixam de ser robôs e não seres humanos. Uma educação eficiente exige seres humanos e forma outros seres humanos, não é uma atividade para robôs.

Além disso, o sistema educacional brasileiro é muito complexo, integrando vários níveis de gestão, desde os diretores das escolas até o ministro da Educação. Quem estuda essa realidade muito plural, constata que os maus gestores, mais preocupados em fazer política e com ganhos privados, são o maior entrave à educação nacional. E os casos de sucesso sempre vem com bons gestores e professores dedicados, que amam os alunos e querem realmente construir o bem comum.