As mudanças culturais e no perfil demográfico das populações, no mundo inteiro, tem tornado a velhice um problema social. É notório que vivemos cada vez mais, aumentando o período em que vivemos de aposentadorias, impactando o sistema previdenciário dos países. Por outro lado, famílias cada vez menores contam com menos filhos adultos para compartilharam os cuidados com seus pais. Por fim, numa sociedade cada vez mais individualista e autocentrada, onde o trabalho nos consome cada vez mais, a própria atenção dada aos idosos se torna um peso cada vez maior.
O valor dos idosos na família
O Papa Francisco dedica uma parte da encíclica Amoris laetitia (AL 48, 191-193) justamente para refletir sobre o papel dos idosos na família e falou em duas belas audiências sobre os desafios, o valor e a importância dos avós no seio das famílias (4 de março e 11 de março de 2015).
Na primeira, citando Bento XVI, observa: “A qualidade de uma sociedade, gostaria de dizer de uma civilização, julga-se também pelo modo como se tratam os idosos e pelo lugar que lhes reservam na vida comum. É verdade, a atenção aos idosos distingue uma civilização. Numa civilização presta-se atenção ao idoso? Há lugar para o idoso? Esta civilização irá em frente se souber respeitar a sabedoria, a experiência dos idosos. Numa civilização em que não há espaço para os idosos ou onde eles são descartados porque criam problemas, tal sociedade traz em si o vírus da morte”.
Contudo, na prática, as situações nem sempre correspondem a esse ideal. Limitações físicas e psíquicas dos idosos, traumas e mágoas do passado, dificuldades financeiras e varga de trabalho são impedimentos reais a uma atenção maior aos idosos. A “família extensa” do passado, na qual avós, tios, primos e agregados (pessoas adotadas ou amigos muito próximos) colaboravam juntos no cuidado dos idosos, dos doentes e das crianças, é cada vez mais rara. Na “família nuclear”, o pai e a mãe estão cada vez mais sozinhos diante da responsabilidade de cuidar não só dos filos, mas também dos idosos e até de parentes com doenças graves.
Muitas formas de cuidar
As formas de se lidar com essa situação são variadas, nenhuma isenta de dificuldades, particularmente quando se somam limitações físicas e econômicas dos idosos. Algumas famílias repartem o ônus do cuidado entre os jovens: uns cuidam do idoso em suas casas enquanto outros ajudam com os custos com saúde, sempre elevados. Quando as limitações físicas são maiores e a situação financeira permite, cuidadores profissionais podem permitir que o idoso permaneça em sua residência e/ou continue próximo da família. Casas de repouso e similares podem se tornar alternativas interessantes, mas quem cuida com carinho de seus idosos sabe que esses locais não eximem os mais jovens de uma série de trabalhos, como selecionar uma casa adequada, fiscalizar os serviços prestados, fazer visitas periódicas para que o idoso não se sinta abandonado etc. Isso tudo sem falar nos custos, que podem ser altíssimos...
Gostaria de deixar claro que esse artigo não quer “recomendar” uma forma ou outra de acompanhamento ao idoso. Cada família tem suas limitações e seus recursos, devendo cuidar dos velhos em função disso. O ponto importante é que os velhos não sejam “descartados”, esquecidos e abandonados num asilo, nas mãos de um cuidador ou até mesmo num cômodo da casa, no qual pouco vamos.
A acolhida nos ajuda a sermos mais cristãos
Uma associação italiana, Famílias para a Acolhida, se dedica justamente a acompanhar famílias que se dedicam às mais variadas experiências de acolhida – adoção, guarda, hospedagem, cuidado de anciões e doentes. Na sua versão mais “radical”, a família prepara um quarto de hospedes que será ocupado pela primeira pessoa que necessitar, seja um viajante, um órfão, um ancião ou um doente. O grupo, contudo, se dedica também famílias que se propõem à adoção, que tem idosos ou doentes e precisam de acompanhamento.
Um dos coordenadores dessa associação me explicou que haviam aprendido que a acolhida àquele que necessita é a melhor forma de evitar o “aburguesamento” das famílias e de seus filhos. Esse termo, hoje em dia, precisa ser explicado. “Aburguesamento” é a tendência, dominante em nossa sociedade, de se deixar levar pelo comodismo e pelo individualismo, pela perda de qualquer ideal que não seja o próprio sucesso financeiro, pela redução do amor a uma troca de afetos que se abandona quando o outro parece não nos corresponder mais. O aburguesamento, assim entendido, é o maior perversor de uma família cristã – e o mais difícil de ser combatido, pois esconde-se em todas as situações e contextos, inclusive quando se procura fazer o bem e infundir bons valores aos jovens.
Ao encontrar uma pessoa acolhida em sua casa, dizia esse meu amigo, as crianças entendem naturalmente, pela observação de uma situação concreta, que não são o centro do mundo, que existem outras pessoas que sofrem mais do que elas e que precisam de apoio, aprendem a tolerância em relação ao outro e descobrem a alegria que vem de doar-se a outro. Tudo isso, que em seu caso refere-se a uma experiência profundamente radical, vale para qualquer uma de nossas famílias, quando acolhemos nossos idosos e doentes, nossos parentes e amigos em dificuldade.
Cuidar do idoso é bom também para nós
Cuidar de um idoso (seja lá qual for a modalidade possível e necessária na vida de cada um de nós) não é diferente de adotar uma criança ou mesmo criar o próprio filho. Nos três casos, o sucesso depende da nossa pouca expectativa. Não é justo (ainda que seja compreensível) esperar deles um retorno, pois fazemos para o bem deles e não para o nosso. Toda expectativa, seja de reconhecimento, seja de colaboração, acaba gerando frustração e dificultando a convivência. Além disso, não fazemos por retribuição ao que aconteceu no passado (em alguns casos, nem mesmo temos boas recordações daquelas pessoas). Fazemos porque tem que ser feito agora, porque percebemos que – de alguma forma – o sofrimento deles seria doloroso também para nós.
Quando cuidamos de um outro, seja um idoso, um doente ou uma criança, temos que aprender a sair de nós mesmos, olhar para o outro e reconhecer que, naquele momento, o importante é o bem dele – e não o nosso. Não é fácil, é um aprendizado, mas é fundamental para nossa relação entre esposos, com filhos, colegas de trabalho, alunos etc. Ninguém é feliz se não consegue sair de si mesmo. O autocentrismo é como uma trepadeira parasita que vai crescendo sobre outra planta, asfixiando-a. Para cuidar deles, temos que nos afastar do autocentramento e assim aprendemos a ser mais felizes e a ser uma companhia melhor para todos aqueles que amamos
O gesto de cuidar exercita em nós a virtude da ternura – e a ternura tem um curioso mecanismo de “retroalimentação”. Quanto mais ternura damos, mais ternura recebemos – não do outro, mas de nós mesmos. O coração terno se alimenta a si mesmo, sem precisar de retribuição. Então, diante das dificuldades inevitáveis no cuidado com o outro, se a raiva pelos aborrecimentos é maior que a ternura dispensada, ganha a raiva e o aborrecimento; se a ternura fala mais alto que a raiva, ganha a ternura, e ela nos recompensa.