São as decisões mais recentes de uma já longa lista de ataques contra a Igreja Católica na Nicarágua. Na passada terça-feira, 28 de Junho, a emissora de televisão Telecable retirou da sua rede os canais TV Merced e Canal San José, operados respectivamente pelas dioceses de Matagalpa e Estelí. O canal 51, da Conferência Episcopal, e que de alguma forma representava a Igreja ao nível da televisão, já tinha sido silenciado no dia 21 de Maio.
No sábado, 25 de Junho, e por decreto do Ministério do Interior, foram encerradas 101 ONG’s, incluindo a Associação das Missionárias da Caridade, congregação fundada pela Santa Madre Teresa de Calcutá.
A lista de organizações que o governo de Daniel Ortega mandou fechar inclui pelo menos outras cinco instituições da Igreja. As Missionárias da Caridade desenvolviam a sua missão essencialmente na cidade de Granada e na capital, Manágua, acolhendo crianças e adolescentes abandonados e vítimas de abuso, casas de repouso para idosos, creches para crianças pobres e ofereciam, entre outras actividades, aulas de formação, e apoio espiritual às populações locais. Os deputados da Assembleia Nacional poderão, ainda esta semana, aprovar a ilegalização de mais algumas dezenas de organizações, fazendo subir o número de entidades interditadas pelo executivo para 758.
Tensão
Esta decisão governamental vem acentuar um clima de forte tensão com a Igreja, que já levou inclusivamente à expulsão do país do Núncio Apostólico, o que aconteceu em Março deste ano. O Vaticano classificou então “de dolorosa” a posição extrema das autoridades nicaraguenses face ao seu representante diplomático. Sinal também do conflito entre Igreja e Governo, foi a decisão, inédita, do Bispo de Matagalpa, D. Rolando Álvarez [na foto] – que é também administrador apostólico de Estelí –, de iniciar, a 19 de Maio, uma greve de fome em protesto contra o assédio policial de que dizia estar a ser vítima.
Todos estes casos vêm reforçar os dados do relatório ‘Nicarágua: Igreja perseguida?’, de Martha Patrícia Molina Montenegro. O documento, a que a Fundação AIS teve acesso, reporta o período compreendido entre 2018 e 2022 e permite perceber que a Igreja Católica sofreu mais de 190 ataques, profanações e perseguições ao clero neste país. Entre os incidentes mais graves está o incêndio criminoso na Catedral de Manágua, em 31 de Julho de 2020, que mereceu palavras de vigorosa condenação por parte de Thomas Heine-Geldern, presidente executivo internacional da Fundação AIS.
Observatório
O documento de Martha Montenegro – que faz parte do Observatório Anticorrupção e Transparência – foi publicado no passado mês de Maio e não inclui, por isso, os casos de perseguição ao Bispo Rolando Álvarez, nem o encerramento dos canais de televisão ou a expulsão das Missionárias da Caridade.
Os números apresentados mostram que 37 por cento da hostilidade reportada tem como alvo específico padres, bispos, membros de congregações religiosas, seminaristas e leigos. Cerca de 19% dos incidentes são profanações de locais de culto. Houve também um elevado número, cerca de 17 por cento, de agressões, destruição, fogo posto, bloqueio de serviços básicos e, entre outros, invasão de propriedade privada.
O relatório estima que os dados apresentados serão inferiores ao número real de incidentes ocorridos realmente. “Foram encontradas situações em que os padres estavam tão cansados dos roubos e das profanações que só apresentaram queixas sobre estes últimos. Outros optaram pelo silêncio, uma vez que já não acreditam no sistema jurídico”, lê-se no documento.
Ataques
O relatório aponta para o apoio da Igreja Católica ao momento estudantil, durante as manifestações pacíficas contra a corrupção e nepotismo, que ocorreram no país a partir de Abril de 2018, como a explicação para este clima de hostilidade. Na altura, as igrejas abriram as suas portas, oferecendo espaços para o diálogo e para momentos de oração, mas também para ajudar os feridos e consolar as famílias dos cidadãos que foram assassinados ou raptados.
Antes de 2018, a Igreja já era alvo de ataques, embora de forma mais esporádica, tendo a hostilidade crescido desde então. “A linguagem ofensiva usada pelo casal presidencial contra a hierarquia católica tornou-se mais clara e comum, e as ações de algumas instituições públicas contra o trabalho de caridade da Igreja também aumentaram”, lê-se no relatório.
Também o Relatório sobre a Liberdade Religiosa no Mundo, editado pela Fundação AIS em 2021, refere que “os direitos humanos, incluindo a liberdade religiosa, estão a ser violados” neste país, que “o estatuto deste direito fundamental se deteriorou visivelmente na Nicarágua” e que, por tudo isto, “as perspectivas para o futuro são sombrias”.
(Com AIS)