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Carnaval: celebração ou esquecimento da vida?

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Francisco Borba Ribeiro Neto - publicado em 23/02/20
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O Papa Francisco nos lembra que a alegria é sinal de um cristianismo autênticoAs críticas ao carnaval são relativamente comuns e bem conhecidas na comunidade católica. Os aspectos mais sublinhados são a erotização dos comportamentos, os corpos quase nus, o clima de irresponsabilidade, a festa que parece cancelar todo o resto da vida. Um momento de dissolução dos costumes, destruição da família e do mundo do trabalho, negação dos valores morais. De fato, todas estas críticas têm sua razão de ser, mas parecem pouco efetivas em termos de mudanças de comportamentos ou mesmo de ajuda às pessoas que “se afundam” na festa.

O que fazemos com o resto do tempo…

Há pouco tempo, um estudante universitário disse a uma colega católica que achava muito legal ela ter amigos como os jovens do grupo cristão, com suas reflexões e trabalhos voluntários junto aos mais pobres… Mas ele não conseguiria viver sem suas festas, sem tomar suas bebedeiras e transar quando quisesse – por isso não se aproximava da Igreja. A jovem respondeu que o entendia, mas ela mesmo não poderia viver uma vida em que necessitasse de festas, bebedeiras e transas para suportar o resto do tempo. A experiência católica lhe dava razões, esperanças e alegrias para viver todos os dias e todos os momentos – sem precisar dessas ocasiões de prazer extremado para aguentar o cotidiano. Ela, procurando entender e ao mesmo tempo apresentar outra visão de mundo ao colega, estava muito perto da ferida real do carnaval.

O cotidiano tem sempre um aspecto repressivo: fazemos o que precisamos fazer – e não o que gostaríamos de fazer. Somos constrangidos a situações e comportamentos que podemos até entender e reconhecer como necessários – mas que nem por isso nos dão prazer. Identificamos o tempo festivo como uma ocasião em que podemos nos livrar das repressões da vida em sociedade, liberar o corpo e a mente, aproveitar as coisas que nos dão prazer. 

Por mais que pareça oposta, a festa é uma continuação do cotidiano. O que fazemos neste tempo depende do que fazemos nos outros momentos da vida. Queremos celebrar a vida cotidiana, que reconhecemos com um bem, apesar das dificuldades, ou nos esquecer dela, pois é um campo de stress e desilusão, não importa quanto sucesso tenhamos alcançado?

…. dá o sentido com que vivemos a festa

Quando existe uma vida a ser celebrada, a festa é um momento de luz e alegria que consagra o passado e prepara o futuro. Quando a vida deve ser esquecida (ou, coisa ainda pior, já é vivida no total esquecimento), a festa se torna uma explosão de energia que tenta apagar o inapagável, um prazer que oculta o passado e ilude quanto ao futuro.

Festas como o carnaval, que celebram o prazer e a sensualidade, sempre existiram. Aliás, toda grande festa costuma ter um momento mais próximo ao carnaval. Entre nós, brasileiros, é bem comum que casamentos e formaturas terminem como bailes de carnaval, sem obrigatoriamente perder com isso seu sentido original. O problema não está no que fazemos naqueles dias, e sim no que fazemos no resto de nossas vidas. Quem vive bem toda a vida, não precisa de um carnaval de excessos para se divertir. Mas quem vive uma vida triste, sem sabor ou beleza, precisa desesperadamente de momentos de ruptura, que aliviem a pressão e deem um alívio para um existir aparentemente sem razão de ser, de excessos que façam esquecer todo o resto… Ou precisa criticar duramente a quem se diverte no carnaval, para não perceber que vive o mesmo drama cotidiano que o outro.

Na Exortação Apostólica Evangelii Gaudium (Alegria do Evangelho) o Papa Francisco nos lembra que a alegria é sinal de um cristianismo autêntico. Essa santa alegria é o questionamento mais eficaz aos excessos do carnaval. Como a Igreja seria diferente se todos nós a vivêssemos como a Grande Festa do encontro com Cristo, que – como um bloco carnavalesco – carrega as pessoas pela vida, levando todo o povo a celebrar a beleza e o amor encontrados, ao invés de procurar esquecer tribulações vividas sem sentido.