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Condenado porque a justiça o atendeu: o complexo caso do padre e do aborto

Padre Luiz Carlos Lodi

Pe. Luiz Carlos Lodi e mães apoiadas pela Associação Pró-Vida de Anápolis

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Reportagem local - publicado em 01/10/20
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Padre terá de pagar indenização de quase 400 mil reais, mesmo tendo obtido da própria justiça um habeas corpus em favor de uma nascituraCondenado porque a justiça o atendeu: este é o complexo caso do padre pró-vida Luiz Carlos Lodi da Cruz, de Anápolis (GO). O Superior Tribunal de Justiça (STJ) o condenou em 2016 a pagar uma indenização de 60 mil reais porque o padre solicitou à 1ª Vara Criminal de Goiânia, em 2005, um habeas corpus em favor de uma bebê em gestação. O nome da bebê era Geovana. Agora, em 2020, o Supremo Tribunal Federal (STF) confirmou a condenação do padre. Por conta de juros e correções, o valor da indenização chega a 398 mil reais.

O caso da bebê Geovana

Os pais da bebê, Tatielle Gomes e José Ricardo Dias, tinham autorização para abortá-la devido a malformação fetal, pois o diagnóstico indicava a síndrome de Body Stalk. Entre as características dessa doença estão o cordão umbilical curto e a parede abdominal aberta. Devido a esta condição, os órgãos da bebê ficavam expostos fora do corpo. A expectativa de sobrevivência da pequena Geovana após o parto, portanto, era de poucas horas ou mesmo minutos.

O casal passou por uma série de consultas médicas sobre o caso da filha. Após o laudo de sete médicos, eles conseguiram na justiça a autorização para realizar o aborto. Considerou-se que a vida de Tatielle, então com 19 anos, também sofria risco.

A justiça concede o habeas corpus

A legislação brasileira, no entanto, não dá específico amparo legal à indução de um bebê em gestação à morte por causa de malformações. Em 2005, aliás, a legislação brasileira não permitia o aborto sequer em casos de anencefalia, situação esta em que o STF o legalizou em 2012, com a ADPF 54.

Neste cenário, o desembargador Aluísio Ataídes da Silva concedeu o habeas corpus conforme a solicitação do pe. Lodi. O aborto, com isto, perdeu a sua autorização legal quando o processo já estava em andamento mediante o uso de medicamentos indutores.

O lado de Tatielle

Em 2008, Tatielle entrou com ação na justiça contra o pe. Lodi.

Ela conta que estava no terceiro de quatro dias durante os quais deveria tomar medicamentos controlados que culminariam no aborto. Naquele terceiro dia, porém, chegou a ordem judicial que impedia o prosseguimento do processo. Tatielle relata que, naquela altura, já estava com seis centímetros de dilatação.

No dia seguinte, o hospital a mandou para casa e ela perdeu o acompanhamento da equipe médica. O motivo da alta foi que o hospital descumpriria a ordem judicial caso mantivesse a jovem internada.

Tatielle passou por sangramentos intensos durante o resto da gestação e, oito dias depois, teve a bebê, que viveu durante cerca de uma hora e 40 minutos após o parto.

Segundo a advogada de Tatielle, Gabriela Rondon, o caso levou a jovem a um processo depressivo cujas consequências se estendem até hoje.

A condenação ao padre

Em 2016, o Superior Tribunal de Justiça condenou o pe. Lodi a pagar a Tatielle uma indenização de 60 mil reais, com correções e juros.

A ministra Nancy Andrighi, do STJ, considerou que o padre abusou dos seus direitos ao pedir a liminar para interromper o aborto. Segundo a ministra, o padre teria buscado, por via estatal, impor os seus conceitos e valores a terceiros, “retirando deles a mesma liberdade de ação que vigorosamente defende para si”. Ela considerou o padre responsável pelas consequências que a interrupção do procedimento de aborto desencadeou. E mais: ao condená-lo, declarou que o padre violou a intimidade do casal para fazer prevalecer “sua posição particular”, agrediu a honra da família ao denominar a atitude tomada por eles de “assassinato” e agiu de forma temerária ao impor a eles “sofrimento inócuo”.

Em agosto de 2020, o STF rejeitou o recurso do padre. Assim, o processo transitou em julgado e agora não restam possibilidades de novas apelações.

Condenado porque a justiça o atendeu

Não se questiona o direito de Tatielle de buscar indenização e compensação pelo drama e pelos traumas que enfrentou.

O que causa grande estranhamento é que essa compensação não seja cobrada da própria esfera da justiça que tomou as decisões referentes ao caso, mas sim de um cidadão que, em conformidade com a lei, consultou a justiça e obteve dela um habeas corpus porque a própria justiça o considerou pertinente.

Por si só, o padre nada poderia impor ao casal. De fato, o que o pe. Lodi fez, sempre com base na legislação vigente, foi pedir a proteção de uma bebê em gestação porque, a seu parecer, a vida da criança exigia salvaguarda não só do ponto de vista moral e religioso, mas, principalmente, do ponto de vista legal, dado que não se previa “direito ao aborto” com base em malformação fetal.

A justiça avaliou e acatou a solicitação do sacerdote.

Depois, no entanto, ele acabou sendo condenado porque a justiça o atendeu.

Perplexidade e questionamentos

Esta é a perplexidade que cidadãos comuns e juristas manifestaram diante das decisões do STJ e, agora, do STF: o fato de que o padre, como cidadão brasileiro, exerceu o seu direito de procurar a justiça para defender um nascituro; a justiça, após avaliar o caso, acatou o pedido; depois, porém, a mesma justiça condenou o cidadão por ter exercido um direito que a própria justiça tinha reconhecido e atendido.

Um jurista que criticou o caso de modo contundente foi o procurador Dr. Rodrigo Pedroso, advogado e mestre em filosofia pela Universidade de São Paulo (USP), procurador da mesma universidade e membro da União dos Juristas Católicos de São Paulo (UJUCASP). Ele expôs as suas considerações no artigo “Um absurdo judiciário“, de 2016, por ocasião da condenação do pe. Lodi no STJ.

As considerações do Dr. Rodrigo Pedroso

O advogado escreveu na ocasião:

“A decisão, mais que injusta, é duplamente absurda. Em primeiro lugar, porque o padre não foi responsabilizado por um ato material que impediu ou perturbou o cumprimento de uma ordem judicial, como parece fazer crer o título da notícia veiculada sobre o caso no sítio eletrônico do STJ, mas por ter ajuizado uma ação.

Por um segundo aspecto, porém não menos grave, a decisão é também absurda porque o aborto contra o qual o padre propôs a ação é tipificado como crime, não apenas na época do ajuizamento, como igualmente ainda hoje, de acordo com o sentido textual da lei penal.

Efetivamente, no caso, a criança nascitura havia sido diagnosticada com a síndrome de Body Stalk, a qual não está prevista nas dirimentes (causas de isenção de pena) do art. 128 do Código Penal, nem autoriza a prática do aborto segundo o acórdão da famigerada ADPF n. 54, pelo qual o Supremo Tribunal Federal julgou inconstitucional o entendimento de que o aborto em caso de anencefalia do nascituro constitui fato típico, julgamento que foi prolatado apenas em 2012, portanto sete anos depois do fato pelo qual o padre Lodi foi condenado”.

É outra forma de enfatizar o que gera perplexidade no caso do padre, condenado porque a justiça o atendeu.

Insegurança jurídica

As discussões sobre as dramáticas consequências que o caso teve na vida de Tatielle, do seu marido José Ricardo e da própria Geovana são necessárias. E é inegável, certamente, o seu direito de procurar compensação pelo drama que viveram, considerando-se a forma como os fatos aconteceram.

O que gera insegurança jurídica, no entanto, é o risco de condenação para um cidadão que também exerceu o seu direito de consultar o judiciário – e, mais ainda, quando a própria justiça considerou a sua solicitação procedente e a chancelou.

As decisões do STJ e do STF, além disso, geram possível jurisprudência contra outras pessoas que se oponham ao aborto, mesmo nos casos em que a lei não o autoriza de modo específico.

O que disse o pe. Lodi em 2016

Por ocasião da condenação de 2016 pelo STJ, o pe. Lodi publicou uma carta na qual expôs a sua versão do caso. Ele contou que, ao entrar com o pedido, não teve permissão de fazer cópias dos autos do processo. Por isso, teve de “escrever a peça do habeas corpus a mão, em uma folha avulsa“.

O padre prosseguiu dizendo que, mais tarde, leu em jornal local que o desembargador Aluísio Ataídes de Sousa tinha suspendido o alvará que autorizava o aborto. A reportagem, inclusive, afirmava que a decisão do desembargador tinha perdido objeto porque o procedimento já tinha sido realizado. Na realidade, porém, a liminar havia chegado a tempo de impedir o aborto. Diante disso, o pe. Lodi comentou:

“Os pais da criança voltaram a Morrinhos, sua cidade, sem que eu nada soubesse sobre o ocorrido, sempre acreditando na veracidade da notícia do jornal”.

E acrescentou:

“Se eu soubesse que Geovana havia sobrevivido e que seus pais estavam em Morrinhos, sem dúvida eu teria ido visitá-los, acompanhá-los durante a gestação, oferecer-lhes assistência durante o parto (como fizemos com tantas outras gestantes). E, em se tratando de uma criança com risco de morte iminente, batizá-la logo após o nascimento. E, se ela falecesse, para mim seria uma honra fazer suas cerimônias fúnebres acompanhando a família até o cemitério”.

O que diz o padre sobre a decisão do STF em 2020

Sobre a decisão do STF de não acolher o recurso, o pe. Lodi declarou à agência ACI Digital que é preocupante o fato de “criar um precedente”. Ele observa, ademais, que somente ele sofreu o processo, mas não o desembargador que suspendeu o alvará de autorização do aborto. Ainda na carta de 2016, de fato, o sacerdote declarou:

“A condenação do impetrante de um habeas corpus por danos morais é teratológica, pois, se o Tribunal ou Desembargador concedeu a ordem, não foi por ‘obediência’ ao cidadão, mas por verificar que, naquele caso, o juiz estava de fato agindo com ilegalidade e abuso de poder”.

À agência ACI Digital, o padre acrescentou:

“Com essa decisão, qualquer pessoa que queira usar os meios legais para defender a vida e impedir um aborto pode não fazê-lo por medo de entrar na Justiça e depois ser processada (…) É um precedente muito ruim, porque instaurou uma perseguição contra a Igreja Católica. Este caso coloca como oficial que não se pode defender a vida em nome da fé que se professa, mesmo que usando os meios legais para isso”.


Católicas pelo Direito de Decidir
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