Certa vez, um amigo me perguntou quantos seriam os santos da Igreja. Explicando-lhe um pouco sobre a dificuldade em se precisar o número (cf. Quantos santos católicos existem?), disse-lhe que há fontes que falam em mais de 20.000 canonizados, informação que lhe causou um espanto em uma interpelação: “Nossa, mas é santo demais”. Ao que respondi: “Engano, são santos de menos; pois todo cristão deveria ser um indivíduo reconhecidamente santo”.
Sim, quando falamos de santidade, o documento do Magistério da Igreja que talvez nos traga maior luz e reflexão seja a Constituição Dogmática Lumen gentium, do Concílio Vaticano II. Em seu capítulo V discute-se o chamado universal à santidade. Escreve o documento: “Todos os fiéis de Cristo, de qualquer categoria ou status, são chamados à plenitude da vida cristã e à perfeição da caridade”. E completa ainda: “eles devem seguir os Seus passos [de Cristo] e conformar-se à Sua imagem, buscando a vontade do Pai em todas as coisas. Eles devem se dedicar com todo o seu ser à glória de Deus e ao serviço do próximo”.
Causa-nos estranheza que, mesmo após mais de 50 anos dessa declaração dogmática, ainda paire sobre o imaginário católico o entendimento de que a santidade é reservada para alguns poucos “eleitos” e que os fiéis que vivem sua cotidianidade não têm condições de serem santos. Isso nunca foi verdade na história da Igreja, e, vista a necessidade moderna de termos mais e mais santos, a Igreja vem reafirmado a cada dia o chamado universal à santidade. Basta lembrarmos das palavras de São Josemaria Escrivá que diz: “Santificar o trabalho próprio não é uma quimera, mas missão de todo o cristão”. A questão que pode nos vir é: por que a necessidade de mais e mais santos? A primeira resposta a ser dada é porque esse foi o pedido do próprio Senhor Jesus quando nos diz: “Sê, pois, perfeito, como também o teu Pai celestial é perfeito” (Mt 5,42). O cristão é chamado pelo seu Senhor a unir-se, na Caridade, cada dia mais a Ele para que, pela graça santificante, haja uma transformação do seu ser e este seja um instrumento da boa obra do Pai neste mundo, transformando-o num antegozo da vida plena que terão os santos no Céu.
Os primeiros cristãos, pelo menos desde o século II, já tinham a consciência do chamado de Deus à santidade e da necessidade de serem instrumentos da boa obra de Deus neste mundo. Um documento dessa época, intitulada Carta a Diogneto, afirma que “o que a alma é para o corpo, isso são os cristãos para o mundo”, ressaltando que os cristão estão em “permanente conflito com o mundo”, pois sabem que seus valores evangélicos são incompatíveis com o que o mundo pagão prega. Então, devem se santificar e transformar o mundo.
Nesse contexto, vem-nos a segunda resposta para a pergunta do por que há necessidade de mais santos. O escritor e filósofo G. K. Chesterton vai nos dizer que “o santo é um remédio por ser um antídoto”. E completa: “De fato, isso explica por que tantos deles tenham sido mártires”. O santo com seu testemunho e ensinamento é resposta para as dificuldades, as dúvidas e as mazelas da humanidade. Ele consegue atualizar, com a linguagem própria de cada tempo, os valores eternos ensinados por Nosso Senhor Jesus, dando luz às dificuldades que surgem no caminhar da história. Quando tínhamos o ensinamento dogmático da Igreja atacado pela heresia cátara, surgiu-nos São Domingos a combater essa heresia; quando tínhamos a visão de natureza paganizada e panteísta, veio a nós São Francisco de Assis mostrando o verdadeiro sentido evangélico da valorização da obra criada; e nessa linha poderíamos tecer inúmeros parágrafos.
Diante do mundo moderno onde a fé é atacada de inúmeras formas, seja por meio de um neopaganismo (cf. Como avaliar a astrologia e o horóscopo?, publicado por Vanderlei de Lima em Aleteia a 10/01/2021), seja pela mercantilização do aborto (cf. A lucrativa indústria do aborto, publicado por Vanderlei de Lima em Aleteia a 29/08/2018), os cristãos devem responder ao chamado de Deus para ser santos em sua condição de vida, a fim de que assim sejam antídoto para as mazelas da sociedade moderna. Deste modo, podemos caminhar e atuar com o objetivo de chegar ao que Cristo quer: uma Igreja não composta de alguns membros santos, mas, sim, composta por todos os seus membros santos, respondendo com a luz da fé aos desafios que lhe são colocados.