A devoção ao Sagrado Coração de Jesus foi essencial a Charles de Foucauld, de modo que devemos tentar entendê-la melhor.
De início, lembremo-nos de que, mesmo não podendo garantir, de modo decisivo, os prenúncios do culto ao Sagrado Coração de Jesus nas passagens bíblicas do Antigo Testamento (cf. Ct 2,14; 4,9; 8,6; 12,3), é possível afirmar que elas “conduziram os fiéis bem próximo ao tesouro do Sagrado Coração” (Dom Veremundo A. Tóth, OSB. Por sinais ao invisível: o simbolismo de Santa Mectildes e Santa Gertrudes. Juiz de Fora: Subiaco, 2003, p. 141). No Novo Testamento, temos quatro textos: Mt 11,29: “Tomai sobre vós o meu jugo e aprendei de mim, porque sou manso e humilde de coração, e encontrareis descanso para vós”; Lc 6,45: “Quem é bom, tira o bem do bom tesouro do coração”; Jo 13,23: o discípulo amado, na última ceia, se recosta sobre o peito do Senhor e, sobretudo, em Jo 19,34: na cruz, quando o soldado traspassa com a lança o peito do Senhor dele jorram sangue e água (cf. Pio XII. Haurietis aquas [H.A.], 1956, n. 12-23).
Doutrina e devoção
A doutrina e devoção ao Sagrado Coração é também confirmada pelos Padres da Igreja (cf. H. A., n. 24-28) e pela veneração ininterrupta que os fiéis Lhe tributam (H. A., n. 47) e os Papas confirmam (cf. H. A., n. 9 e 53-60), mas só com o correr do tempo passou a ser objeto de culto especial entre o Povo de Deus (cf. H. A, n. 50), sobretudo na Idade Média e, de um modo muito mais difundido, a partir do século XVIII, com Santa Margarida Maria Alacoque e o Beato Cláudio de la Colombière, seu confessor. Daí não decorre, porém, que essa devoção seja apenas fruto de revelação particular: ela está, como se vê, no cerne da fé cristã propagadora do amor – inclusive aos inimigos (cf. Mt 5,44) – representado no Coração de Jesus (H. A., n. 52). A esse Sagrado Coração a Igreja presta o culto de latria (adoração), pois é o coração humano assumido pela Segunda Pessoa da Santíssima Trindade, Jesus Cristo, de modo que quem cultua esse Coração, cultua a Pessoa do Senhor Jesus, verdadeiro Deus e verdadeiro homem. Nesse Coração, está a sede da caridade para com os homens e mulheres de todos os tempos (cf. H. A., n. 12).
Ora, é quase impossível não notar que a mansidão e a humildade estão entre as grandes virtudes almejadas pelo eremita do Saara, assim como o desejo de transmitir aos tuaregues o bom tesouro do seu coração que se une ao Coração de Jesus fazendo-se um só com Ele. Dirá Foucauld: “Meu apostolado deve ser o apostolado da bondade; ao me verem, as pessoas devem dizer: ‘Sendo esse homem tão bom, sua religião deve ser boa’” (Irmãzinha Annie de Jesus. Charles de Foucauld: nos passos de Jesus de Nazaré. São Paulo: Cidade Nova, 2004, p. 79). Mais: “quando se quer converter uma alma, nunca se deve esmagá-la com sermões; o método mais eficaz consiste não em enchê-la de pregações, mas em testemunhar-lhe amor” (Jean-François Six. O irmão universal: vida de Carlos de Foucauld. Lisboa: Sampedro, s/d., p. 41). Use-se sempre o amor, pois “o primeiro mandamento da religião é amar a Deus de todo coração. O segundo é amar todos os seres humanos, sem exceção, como a si mesmo” (Charles de Foucauld: nos passos de Jesus de Nazaré, p. 70).
Reino de Deus
Mais: só o Reino de Deus iniciado em cada coração, por meio da nossa conversão, é capaz de mudar o mundo. Ninguém muda o mundo sem, antes, mudar-se para melhor, com a graça de Deus. Daí nosso Santo suplicar: “Que, em seu amor, Ele se digne converter-me, deixar como Ele me quer, fazer-me amá-lo com todo o meu coração; amá-lo, obedecer-lhe, imitá-lo o quanto for possível, todos os instantes de minha vida [...]. Coração Sagrado de Jesus, que o vosso reino chegue” (idem, p. 75).
Foucauld propõe como culto ao Coração de Jesus que, todos os dias, no Angelus (às 6, às 12 e às 18h), rezemos três vezes a jaculatória: “Sagrado Coração de Jesus, venha a nós o vosso reino” e recitemos diariamente a Consagração do gênero humano ao Sagrado Coração de Jesus na fórmula do Papa Leão XIII (cf. Charles de Foucauld. Amorevole, contemplazione e apostolato fecondo. Milano: Glossa, 2008, p. 83).
Peçamos, pois, ao Sagrado Coração de Jesus que venha a nós o vosso reino!