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Uma receita de 2.500 anos para virar um jogo de 7×1 (3ª Parte)

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E. Chitolina - publicado em 19/07/14
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Técnica e Tática x Jeitinho e ImprovisaçãoEsta é a terceira parte da série “Uma receita de 2.500 anos para virar um jogo de 7×1”. Traçando um paralelo entre o nosso país e o fracasso da seleção brasileira na Copa de 2014, a série de artigos propõe 6 pontos a repensarmos como sociedade. A primeira parte sugeriu a receita grega de 2.500 anos (leia aqui). A segunda parte propôs as primeiras aplicações da receita: Convocação e Escalação (confira aqui). Prossigamos:

3. EXCELÊNCIA TÉCNICA

A técnica é, no geral, o polimento do talento. Em muitos casos, a técnica lapidada pelo esforço disciplinado chega até a compensar a falta de talento natural. Em qualquer dos casos, a técnica é, no mínimo, tão importante quanto o talento nato.

Houve um tempo em que o nosso futebol quase dispensava a técnica: a nossa “arte malandra” da bola, por si só, fascinava quem não tinha a mesma ginga. Havia bem menos competitividade no futebol internacional e o nosso “jogo de cintura” até se confundia com certa “técnica espontânea”. Porque era mesmo espontânea e funcionava com adversários mais ingênuos. Mas, em considerável medida, nós fomos transformando esse estilo característico em vício, contaminando-o com o câncer do jeitinho e do menor esforço.

Outros países, enquanto isso, investiram em técnica consciente. É por isso, em boa medida, que, não tendo mais a mesma facilidade para driblar adversários agora mais fortes, nós insistimos em (tentar) cavar pênaltis, simular faltas, nos jogar dramaticamente na grama e fazer caras e bocas (inclusive quando estamos sendo bombardeados na semifinal da #CopaDasCopas). A nossa fama de cai-cai chega a tal ponto que, no instante em que a joelhada de Zúñiga tirou Neymar do campeonato, boa parte das redes sociais nem se deu ao trabalho de imaginar que a lesão pudesse ter sido de verdade.

Por mais talentos natos que continuemos tendo, é preciso poli-los com disciplina e técnica, disciplina e técnica, disciplina e técnica. É repetitivo, assim mesmo. E não há nenhuma incompatibilidade entre o futebol-arte e um aprimoramento técnico disciplinado e contínuo, que lance mão de todas as melhores ferramentas que a tecnologia nos oferece. A arte espontânea é sempre capaz de impressionar, mas também é verdade que uma das muitas e boas definições de arte é “a veste que recobre a técnica”.

Melhor representante da técnica no futebol atual, a Alemanha treinou e analisou no detalhe cada adversário e a si própria com a ajuda da tecnologia (vêm pipocando reportagens nos últimos dias sobre o software alemão Match Insights), enquanto nós fomos uma das seleções que mais descansaram em vez de se aprimorar e a que mais lacrimejou em vez de suar.

Esta é precisamente a mesma negligência técnica da maioria dos candidatos a jogadores que esperam ser convocados por nós no dia 5 de outubro: eles descansam em vez de se aprimorar e lacrimejam em vez de suar, em especial durante a propaganda partidária obrigatória. Assim como grande parte do nosso futebol, grande parte da nossa política insiste na mesma tapeação: disfarçar a carência técnica com malandragem bonachona ultrapassada.

Estamos todos firmemente decididos a nunca mais ser esmagados por um 7×1, em casa, com toda a festa ainda por pagar?

Pois bem: que tal então, no dia 5 de outubro, convocarmos SOMENTE jogadores com comprovada excelência técnica?

Jogadores que, em vez de costas quentes, jeitinho e malandragem, mostrem que têm qualificação técnica de alto nível para jogar nas posições que pleiteiam. Jogadores que, em vez de se acomodar nos seus cabides públicos, tenham se preparado trabalhando duro, com honestidade e comprovada produtividade. Jogadores que, em vez de pirotecnias publicitárias, possam demonstrar conhecimento e experiência prática. Jogadores que, em vez de promessas e devaneios de glória, apresentem um currículo de resultados mensuráveis já consolidados. Jogadores que, em vez de fazer firulas individuais, saibam trabalhar sério em equipe. Jogadores que, em vez de confiar na sorte, demonstrem planejamento e cronograma de metas. Jogadores, enfim, que joguem bonito e levem o Brasil real à Série A dos grandes do mundo.

Sugestão: na propaganda partidária obrigatória, fique de olho naquilo que os aspirantes à convocação já realizaram de fato, e não naquilo que prometem (ou reprometem) que vão fazer algum dia. Não estamos convocando aprendizes. Estamos convocando uma seleção de profissionais muito talentosos, muito experientes ou, de preferência, as duas coisas.

4. INTELIGÊNCIA TÁTICA

Quando Van Gaal substituiu Cillessen por Krul aos 120 minutos de jogo e garantiu a vitória da Holanda nos pênaltis sobre a Costa Rica, duzentos milhões de técnicos brasileiros de futebol, de cerveja em punho, ficaram estupefatos.

Alguns dos nossos especialistas televisivos em futebol se indignaram com a “loucura” e a “falta de respeito” do técnico laranja. Não era para menos. Os programas esportivos em que eles se apresentam, em geral, refletem (e alimentam) a falta de acuidade tática em que frequentemente alicerçamos o nosso suposto conhecimento de futebol. Em vez de incentivar no telespectador o hábito de analisar estatísticas de jogo, avaliar esquemas e comparar variáveis estratégicas, esses programas preferem investir em bate-boca de boteco, brincadeiras primárias e até enquetes sobre o penteado mais “fashion” dos jogadores e o jogador mais galã da copa.

Esse menosprezo pelos fundamentos táticos se reflete também no modo como jogamos ou assistimos às partidas da nossa política. Qualquer “episódio” da propaganda partidária obrigatória conterá mais papo furado, futilidades, devaneios descabidos e manipulação sentimental do que propostas sensatas embasadas em números, estudos técnicos e cronogramas rígidos e viáveis de cumprimento.

Na fatídica semifinal dos 7×1, enquanto apelávamos de novo ao hino nacional como fórmula mágica para abençoar o esquema defesa-vácuo-ataque (numa escalação, além do mais, que não havia sido testada nos treinos), o alemão Joachim Löw tinha traçado diretrizes certeiras para explorar, precisamente, o vácuo do nosso meio-campo e a falta de uma escalação coesa. Foi a diferença entre um time e um bando. O time tinha sido treinado para agir sabendo que o futebol profissional (e comercial) é como um jogo de conquista de território. Já o bando tinha sido apetrechado com palestras motivacionais.

A questão motivacional nos leva a um relevante assunto paralelo: a teatralidade na execução do hino nacional, tanto por jogadores de futebol quanto por jogadores da política. Não é questão de não devermos cantar o hino com entusiasmo. É questão de enxergarmos que, se isto chegou a ser visto como “tática”, ela funcionou na final da Copa das Confederações porque o contexto da breve convulsão social de junho-julho de 2013 estava em seu auge: a emoção no hino foi espontânea e seu poder motivador foi eficaz. Mas emoção, ao contrário de inteligência tática, é circunstancial. Fora do contexto de 2013, o sentimentalismo forçado de 2014 não passou de arremedo de patriotismo e de frágil disfarce para a carência de fundamentos táticos dentro (e fora) de campo.

Tática, convenhamos, é um dos nossos pontos fracos como país e, portanto, um dos desafios que precisamos encarar com mais urgência. Visão completa de jogo? Capacidade analítica? Minucioso conhecimento dos próprios recursos e dos adversários? Plano claro de ação? Objetivos concretos? Cronograma? Testes, simulações com variáveis, ponderação de estatísticas, estudos comparativos, definição de alternativas, resultados mensuráveis?

“Deus é brasileiro, rapá! Acende mais uma vela, bota o chinelo da sorte e vamo que vamo!”

No próximo artigo, abordaremos Planejamento, Disciplina e Continuidade. Clique para acessar.