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“Chávez nosso que estás no céu”: culto à personalidade, um nível doentio de fanatismo ideológico

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Francisco Vêneto - publicado em 06/03/17
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Na política, no esporte, nas artes, no entretenimento e… na religiãoO culto à personalidade é uma forma doentia de fanatismo que se verifica com frequência no mundo político populista, no universo esportivo, no artístico, no do entretenimento e, por mais contraditório que pareça, no religioso.

Contraditório porque o foco da religião é o Divino e o Sacro, mas são frequentes os casos de culto quase idolátrico a “líderes” a quem se atribui mais confiança, mais autoridade e mais veneração (ou adoração) do que ao próprio Deus. Este desvio (e desvario) não acontece apenas em seitas obscuras e herméticas fundadas cá e lá por pregadores apocalípticos, ou entre facções jihadistas do mundo muçulmano, ou em grupos esotéricos de inspiração oriental, ou em diversas “denominações cristãs” de vertente “pentecostal”; acontece também entre católicos que “seguem” certas personalidades religiosas de maneira tipicamente sectária – desde fundadores de congregações e movimentos até sacerdotes ou freiras cujo trabalho pastoral, social, intelectual ou “espiritual” é assumido como ponto de referência mais absoluto que a própria Doutrina da Igreja em suas fontes originais. A doutrina, para esses cultuadores de personalidades, precisa ser “filtrada” ou “referendada” pelos seus “líderes” a fim de garantir “segurança”, de modo que citam com muito mais frequência o padre Fulano ou Beltrano do que os Santos Padres, os Doutores da Igreja, os documentos da Santa Sé, o Catecismo da Igreja Católica e até mesmo as Sagradas Escrituras. A obra do padre Fulano está acima, na prática, de “tudo isso”. Há casos ainda mais pitorescos de culto a “filósofos” ou “teólogos” leigos (ou ex-religiosos) que são tidos como validadores “intelectuais” da “reta doutrina”, de modo a serem citados com frequência quase monomaníaca devido ao suposto “caráter científico” das suas observações sobre a vida, o universo e tudo mais (com vossa mercê, ó iluminado Douglas Adams!).

O culto à personalidade é muito frequente, ainda, no universo do entretenimento, com fãs literalmente surtados e capazes de comportamentos doentios não somente pontuais, mas incorporados ao seu estilo de vida de todos os dias.

No âmbito esportivo, é tristemente frequente o fanatismo gerador de rivalidades a tal ponto criminosas que se chegou a banalizar o noticiário de assassinatos perpetrados por torcidas organizadas ou por pequenas gangues de torcedores imbecilizados. Nem sempre, porém, esses crimes têm relação direta com o culto a alguma personalidade: esse tipo de culto não necessariamente se manifesta em comportamentos violentos, mas, muitas vezes, “apenas” obsessivos no grau de admiração por algum atleta, que passa a ser, literalmente, “ídolo” inquestionável. Ergue-se nesse meio a patética “Igreja” devotada a Maradona, que, por mais humorística que possa parecer, conta com “fiéis” seriamente “fervorosos”.

No espectro ideológico ou pseudopolítico, tornou-se um dos maiores clichês da história citar o caso de Hitler, mas também se incluem entre os exemplos de culto à personalidade, sem precisarmos ir além dos últimos cem anos, nomes como Lênin, Evita Perón, Che Guevara, Fidel Castro e, mais recentemente, Hugo Chávez.

Não estamos falando aqui meramente daquele grau exacerbado de “admiração” que gera acalorados bate-bocas em defesa da pessoa admirada, mas sim de culto propriamente dito, beirando o endeusamento ou chegando de fato a ele.

Nicolás Maduro, presidente da Venezuela e sucessor de Hugo Chávez no bolivarianismo, chegou a declarar explicitamente que foi Chávez quem, recém-chegado ao céu, enviou à Terra o Papa Francisco, primeiro pontífice latino-americano. Ainda a propósito da morte de Chávez, o próprio Maduro declarou que chegou a dormir ao lado do caixão do “Comandante”. Chávez ainda teria lhe aparecido, depois de morto, em forma de passarinho. Sempre segundo Maduro, também é de Hugo Chávez o “rosto” milagrosamente aparecido na parede de um túnel em obras do metrô de Caracas. Para “aprofundar o estudo e a difusão do pensamento e valores” do fundador do bolivarianismo, Maduro criou o Instituto de Altos Estudos do Pensamento do Comandante Supremo Hugo Rafael Chávez Frías (IAEPCSHRCF), que, além de “fiscalizar o correto uso da imagem de Chávez nas homenagens”, deverá ouvir e transcrever dezenas de milhares de horas dos longos discursos do ex-presidente a fim de transformá-los em livro de referência. A Chávez, entre outros títulos, Maduro dedica os de Comandante Supremo, Líder Eterno, Messias dos Esquecidos e, simplesmente, Pai.

E “Pai” não é só um epíteto carinhoso, mas uma verdadeira associação de Hugo Chávez a Deus. Este grau de fanatismo é explicitado até mesmo numa “prece”: a “oração do delegado”, apresentada formalmente ao público durante a “I Oficina para o Desenho do Sistema de Formação do PSUV”, o Partido Socialista Unido da Venezuela, em seu III Congresso, realizado em 2014, um ano após a morte de Chávez. A “oração”, lida pela delegada do partido Maria Uribe, “reza”:

Chávez nosso que estás no céu, na terra, no mar e em nós, os e as delegadas, santificado seja o teu nome, venha a nós o teu legado para levá-lo aos povos daqui e de lá. Dá-nos hoje a tua luz para nos guiar a cada dia, não nos deixes cair na tentação do capitalismo, mas livra-nos da maldade da oligarquia, do delito do contrabando, porque de todos e todas nós é a pátria, a paz e a vida, pelos séculos dos séculos. Amém. Viva Chávez“.

Duvida? Tem vídeo e tudo. Veja abaixo.

O congresso teve participação de cantores e poetas que dedicaram obras a Hugo Chávez e à sua “revolução bolivariana”. Em seu discurso na ocasião, Nicolás Maduro destacou que a revolução “exige cada vez mais formação de valores”:

Quando nos perguntamos que valores devemos formar, e quando nos perguntamos onde devemos formar esses valores, só tem uma resposta: devemos nos formar nos valores de Chávez no combate diário na rua, criando, construindo revolução, fazendo revolução”.

De fato, o culto à personalidade, em grande parte dos casos, ultrapassa o âmbito privado. Ele pretende “converter” a todos à força, chamando a sua própria imposição de “revolução de valores”.

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