Neste meados de janeiro de 2021, os meios de comunicação noticiaram com entusiasmo o início da campanha de vacinação brasileira contra a Covid-19. Tal momento foi bastante aguardado e vigiado, tanto para se entender como se procederá a logística de imunização, quanto para certificar-se quanto à moralidade cristã em se tomar a vacina. Tal acontecimento é ocasião interessante para nos lembrarmos de que, se não fosse a Igreja e seu chamado universal para que o homem crescesse igualmente em razão e fé, certamente não teríamos chegado a um nível de sofisticação tecnológica que permitisse tal feito. Isso se dá porque foi ela que, desde os tempos medievais, defendeu o saber e a ciência, e deu, por exemplo, de presente ao mundo as universidades, grande berço do saber contemporâneo.
Conforme as palavras do historiador medievalista Lowrie Daly, a Igreja desenvolveu as universidades porque “era a única instituição da Europa que manifestava um interesse consistente pela preservação e cultivo do saber” (cf. Lowrie J. Daly, The Medieval University). Tratava-se de uma instituição totalmente nova, sem precedentes na antiguidade grega e romana. Iniciaram-se nas escolas das catedrais e nas reuniões informais dos professores para que – mais seguramente em termos de data – na metade do século XII, tomassem a forma de “universo de saber” com a qual estamos mais habituados a conhecê-las. O papado, em especial, teve capital importância nesse processo, de modo que nos tempos da Revolução Protestante havia oitenta e uma universidades, sendo que dessas trinta e três tinham estatuto pontifício, quinze tinham estatuto real ou imperial, vinte gozavam de ambos e treze não tinham nenhuma credencial. De praxe, uma universidade não podia conceder um diploma sem a aprovação do papa, do rei ou do imperador. No contexto em que uma das vacinas no mercado foi elaborada pela Universidade de Oxford, vale lembrar que foi o papa Inocêncio IV quem concedeu o privilégio de diplomação a essa universidade em 1254.
Grande parte – sendo que há fontes que defendem ser a maioria – dos cientistas, tais como Luís Pasteur, foram de origem católica, com especial destaque para vários sacerdotes que também se dispuseram a ser cientistas. A obra criada por Deus foi objeto de curiosidade desses homens, que não se contentavam apenas em observar os fatos, mas almejavam entender como eles se processavam, visto que Deus “dispôs tudo com medida, quantidade e peso” (Sb 11,20). Para citar alguns exemplos, deve-se ao franciscano Roger Bacon, no século XII, estudos em matemática e ótica, sendo por muitos considerado o precursor do moderno método científico; o dominicano Santo Alberto Magno (1200-1280), que viria a ser o mestre do ilustre Santo Tomás de Aquino, destacou-se como naturalista, tendo redigido obras que abrangiam áreas como a lógica, a física, a metafísica, a biologia e a psicologia. A Companhia de Jesus, fundada por Santo Inácio de Loyola, no século XVI, teve sacerdotes ilustres, por exemplo, em matemática, de modo que em uma lista de matemáticos compilado por Charles Bossut entre os anos 900 a.C. e 1800 d.C., os sacerdotes jesuítas perfaziam um total de 5% dos listados. Vale lembrar que desses 2.700 anos de análise feita, os jesuítas só existiram por 200 anos.
Deste modo, a história da Igreja sustenta o que foi dito na Carta Encíclica Fides et Ratio, do Sumo Pontífice São João Paulo II, em 1998, que a “fé e a razão (fides et ratio) constituem como que as duas asas pelas quais o espírito humano se eleva para a contemplação da verdade”. Crescendo igualmente em grandeza, tal como o formoso cedro do Líbano (cf. Sl 92,13), a fé e a ciência poderão ser instrumentos de grande valor ao ser humano em sua caminhada por esta terra, em que tudo passa, rumo à realidade que não passa. Sejam dadas justos “vivas” à Igreja, que fertilizou nosso solo civilizacional com as ciências naturais e divinas, e possibilitou que saíssemos da obscuridade e caminhemos sobre a luz neste tempo de pandemia.