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A Igreja sempre foi contra o aborto

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Vanderlei de Lima - publicado em 12/10/21
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No século I, já se lê, na Didaché (Doutrina dos Apóstolos): “Não matarás criança por aborto nem criança já nascida”

Há quem afirme que a Igreja Católica permitiu o aborto entre os séculos IV e XIX. Tal afirmação é fruto da ignorância ou da maldade de quem a divulga, conforme veremos.

No século I, já se lê, na Didaché (Doutrina dos Apóstolos): “Não matarás criança por aborto nem criança já nascida” (2,2). Na Epístola a Diogneto, século III, aparece: “Os cristãos casam-se como todos os homens; como todos, procriam, mas não rejeitam os filhos” (V,6). Outros Padres (= Pais) da Igreja acompanharam esta doutrina.

O Concílio de Ancira, na Ásia Menor, em 314, no cânon 20, assim diz: “As mulheres que fornicam e depois matam os seus filhos ou que procedem de tal modo que eliminem o fruto de seu útero, segundo uma lei antiga, são afastadas da Igreja até o fim da sua vida. Todavia, num trato mais humano, determinamos que lhes sejam impostos dez anos de penitência segundo as etapas habituais” (Hardouin. Acta Conciliorum. Paris 1715, t. I, col. 279). Os Concílios posteriores seguiram esta norma: o de Elvira, em 313 aproximadamente, cânon 63; o de Lerida, em 524, cânon 2; o de Trullos, em 629, cânon 91; o de Worms em 869, cânon 35, por exemplo.

O Papa Sixto V, em 29/10/1588, publicou a Bula Effraenatam. Nela, com base na doutrina já tradicional na Igreja, puniu com penas canônicas severas quem praticasse o aborto. A absolvição da pena era reservadas à Santa Sé. Essa Bula, no entanto, chocou-se com a mentalidade da época. Qual era essa mentalidade? – Consistia, em síntese, no seguinte: se na fecundação do óvulo pelo espermatozoide, Deus cria e infunde a alma espiritual no novo ser humano, tem-se a animação imediata; se, porém, há intervalo de tempo entre a formação do corpo material pelos gametas masculino e feminino e a infusão da alma espiritual criada por Deus para aquele novo ser, a animação é, então, mediata.

A maioria dos escritores gregos (Gregório de Nissa; Basílio Magno e Máximo, o Confessor), à exceção de alguns como Teodoreto de Ciro, defendeu a animação imediata. Também os estudiosos latinos (Tertuliano; Santo Agostinho e Cassiodoro) seguiram – cada um a seu modo – os gregos até o século XIII.

Nesse período, as teorias de Aristóteles († 322) – o único filósofo grego antigo que tratou do tema – defendendo a animação mediata do ser humano, espalhou-se pelo Ocidente. São Tomás de Aquino († 1274) e outros pensadores adotaram a tese de Aristóteles passando a afirmar que, nos homens, a alma era infundida no 40º dia após a fecundação e, nas mulheres, no 80º. Os defensores da tese aristotélico-tomista recorriam, por engano, a três passagens bíblicas: 1) Êx 21,22-23. O texto não quer ensinar Biologia; visa dar uma norma que defende a vida: o homem que, por agressão, faz uma mulher expulsar o fruto de seu ventre pode ser multado, se o feto sair vivo, ou ser morto, se o feto vier morto; Lv 12,2-5. É simbólica, nada prova sobre animação mediata, e Jó 10,9-12. Refere-se à uma escala que vai da matéria – o corpo – ao espírito – a alma humana – sem estabelecer tempo preciso de animação: imediata ou mediata.

Devido ao choque da Bula Effraenatam, o Papa Gregório XIV, em 31/05/1591, publicou outra Bula, a Sedes Apostólica. Nela, distingue, de acordo com a mentalidade atrás exposta, feto animado (depois de 40 dias para homens e 80 para mulheres) do não animado. No primeiro caso, haveria excomunhão, mas não mais reservada à Santa Sé; no segundo caso, a punição canônica não deixaria de existir, porém seria menos pesada.

Aqui, vem um ponto importante: mesmo ante o debate sobre a animação mediata ou imediata do ser humano, o Papa Inocêncio XI, em 02/03/1679, condenou a ideia muito divulgada segundo a qual, antes da animação, se poderia permitir o aborto. Desautorizou ainda a tese de que a alma humana só entra na criança no momento em que a mãe dá à luz. O Papa Pio IX, em 12/10/1869, na Bula Apostolicae Sedis, afirmou estar, de modo automático (latae sententiae) excomungado quem pratica o aborto seguindo-se o efeito. Essa sentença permanece, no Código de Direito Canônico em vigor, no cânon 1398.

Vê-se que a Igreja, mesmo em tempos controversos, sempre foi contra o aborto (cf. Congregação para a Doutrina da Fé. Declaração sobre o aborto provocado, n. 7, 1974).

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