A sociedade tem plenas condições de dar soluções mais humanas e eficazes do que a morte do bebêQuem defende o aborto evoca, por vezes, a lamentável condição de vida que alguns nascituros terão caso venham a nascer. Pelo meio social ou pela escassez de recursos educativos, pela precariedade do entorno familiar (se é que se trata de uma família), o futuro da criança vislumbra-se mais ou menos tenebroso:
«É mais um que se vem afundar na miséria, mais uma quase certa vítima da droga, mais um “humilhado e ofendido” que o mundo terá de acolher. Ele próprio, se pudesse, agradeceria não ter nascido. É injusto que venha ao mundo uma criança não amada».
Podemos admitir que existe uma probabilidade alta de que uma criança, quinta filha de uma mãe solteira, desempregada e que vive numa casa sem condições, vá passar por dificuldades de todo o gênero. Mas será inevitavelmente infeliz? E será esse um motivo para matar a criança? E antes até: será mesmo verdade que quem usa este argumento está realmente preocupado com a felicidade do nascituro indesejado?
Antes de procurar defender a não razoabilidade deste pretexto para a legalização o aborto, convido a ler um excerto de um artigo de G. K. Chesterton sobre Malthus, aquele que defendia que a população crescia em progressão geométrica enquanto os bens apenas o faziam em progressão aritmética:
«Malthus queria que o seu argumento fosse um argumento contra a reforma social. Nunca pensou em utilizá-lo de outra maneira, excepto como um argumento contra qualquer reforma social (…) Preveniu as pessoas contra qualquer ímpeto de generosidade que levasse a dar esmola. A sua teoria era sempre como um jarro de água fria deitada sobre qualquer proposta de dar uma propriedade ao homem pobre ou dar-lhe melhores condições de vida. Tal é a nobre história do nascimento do controlo de natalidade».
Isto é, Malthus apresentou razões pelas que, segundo ele, não se devia elevar o nível social dos pobres: no fundo, porque seria sempre inútil. Em vez de procurar erradicar a pobreza, abriu a via para erradicar os pobres sugerindo que eles deviam deixar de ter filhos.
Não sem uma boa dose de humor e senso comum, Chesterton sintetizava essa visão do controlo da natalidade proposto como meio de conquista social: “É como dizer que a decapitação é um avanço na tecnologia dos dentistas”.
Enfim, a teoria malthusiana, tão incensada em determinados setores, parece ser assim uma história mal contada. No fundo, Malthus nunca esteve realmente preocupado pelos pobres, mas sim pelos ricos: os pobres eram apenas um problema para os ricos. Nada mais. Não é que o preocupasse a infelicidade dos possíveis novos pobres; preocupava-o, isso sim, a felicidade que eles retirariam aos ricos.
Igualmente mal contada é a aparente preocupação pelos que vão nascer e crescer fatalmente infelizes. Será realmente uma hipotética infelicidade futura da criança por nascer a causa para ela ser eliminada? A causa para o aborto não será antes a presente infelicidade da mãe ou do pai pela criança não prevista e que vai trazer-lhes novos trabalhos?
Mas mesmo que se tratasse de um diagnóstico provável – nunca totalmente certo – não significa que o tratamento proposto como inevitável (o aborto) seja razoável.
Se não, reparem como se resolveriam facilmente uma série de questões com tão singular método:
– Há crianças problemáticas – pela idade, pelo ambiente familiar (ou falta dele), por condições psicológicas – que introduzirão em qualquer escola que frequentem um factor de pouca estabilidade; e elas próprias sofrerão ao serem confrontadas com outros alunos mais capacitados. Remédio? Deixá-las em casa sem estudos, mudando quanto antes a lei sobre escolaridade obrigatória. Problema número um resolvido.
– Passemos a um segundo conflito. Há uma percentagem X de estudantes de Direito que não encontrarão emprego no mercado de trabalho. A solução é fácil quando se adota um método parecido ao do aborto que acaba com potenciais infelizes: chumbe-se cegamente essa percentagem de alunos em todos os exames da faculdade até desistirem do curso.
– Terceiro problema: há vários milhares de doentes em lista de espera para uma cirurgia; declarem-se como de não tratamento cirúrgico uma série de patologias: assim deixam de estar à espera para ser operados.
Se o melhor que a sociedade pode oferecer a uma mulher grávida com vários problemas na vida é a eliminação da tal Vida humana que, hipoteticamente, vai ter sofrimentos à espera, seria melhor acabar com esta sociedade e começar uma nova. Como recordavam as palavras de Chesterton, há sempre a tentação de eliminar os filhos dos pobres, dos humilhados, dos marginalizados, como pretexto para acabar com a pobreza, as vexações, os guetos sociais. Já terá o leitor reparado no hipocrisia: a sociedade diz ao pobre: «traga-nos cá o seu filho que lhe fazemos o grande favor de o eliminar».
Uma dúvida final. De que modo a mãe que não abortou, porque a lei não o permitiu, tratará o filho? Vingar-se-á da sociedade no filho? Para além de estar dentro de um quadro já infeliz, não tenderão a agravar-se as coisas para a criança nascida por uma lei que a mulher-mãe considera odiosa? «O Estado obriga-me a ter um filho – pode dizer – mas não me pode obrigar a amá-lo; proíbe que o maltrate, mas não me obrigará a beijá-lo.» Reconheçamo-lo: essa atitude pode, infelizmente, verificar-se, sobretudo quando o papel da maternidade é cada vez menos valorizado na sociedade. Contudo, a minha convicção, apoiada em casos bem reais, é a de que, em pessoas mentalmente sãs, tal atitude, podendo acontecer, não acontece. A lógica das mães não é, felizmente, a dos defensores do aborto.
É injusto que venha ao mundo uma criança não amada. É certo. Trata-se de uma injustiça. Mas ela não é cometida pela criança e não é a sociedade que proíbe o aborto a culpada. Pelo menos não é culpada por essa razão. Será eventualmente culpada por não resolver com maior eficácia as situações que conduzem ao desespero de uma jovem mãe.
Se todas as forças sociais se reunirem para ajudar as mães em caso de dificuldade comprovada, encontrarão com maior frequência soluções eficazes. Por agora, são habitualmente as instituições da Igreja ou inspiradas em princípios cristãos que oferecem às grávidas os meios para tentar ultrapassar problemas sérios. E numa considerável percentagem dos casos em que as mães recebem a tempo ajuda eficaz, os bebés com um inicial prognóstico de socialmente enjeitados acabam por ser crianças queridas. Não será preferível enveredar por este caminho, mais difícil e trabalhoso, mas realmente mais humano?
_____________
VEJA TODOS OS 4 ARTIGOS DESTA SÉRIE:
Parte 1: “Problema de consciência”?
Parte 2: “Crianças não queridas”?
Parte 3: É válido dizer “Ninguém aborta por gosto”?
_____________
SOBRE O AUTOR:
O Pe. João Paulo Pimentel é um sacerdote português a quem Aleteia agradece muito pela generosidade em contribuir para o site. Nesta série de 4 artigos, ele nos propõe reflexões de fundamental importância para a devida discussão sobre o aborto, refutando sofismas e argumentações inconsistentes dos defensores dessa prática infanticida.