Daniel Ortega, ditador da Nicarágua, acusou furiosamente a Igreja Católica de ser… "a ditadura perfeita".
Em discurso repleto de virulência durante o 43º aniversário da polícia nacional, o ex-guerrilheiro de esquerda, que acumula 29 anos no poder, afirmou que a Igreja não pode falar de democracia porque o próprio Papa é eleito sem o voto do povo.
Cercado por seus seguidores e acompanhado pela sua mulher e vice-presidente Rosario Murillo, Daniel Ortega também voltou a acusar os bispos e padres nicaraguenses de estarem por trás de um suposto "golpe de estado" contra ele em 2018.
Esbravejando, Ortega disparou as seguintes perguntas retóricas eivadas de falácia:
As falácias do ditador
A falácia mais evidente no ataque de Ortega à Igreja Católica diz respeito ao próprio conceito de democracia, que ele reduz ao aspecto meramente eleitoral, desviando-se, significativamente, dos aspectos que ele mesmo atropela na sua ditadura: é o caso, para começar, da legitimidade da sua autoridade, mas também do papel de serviço que cabe à legítima autoridade em relação aos seus representados e, principalmente, do respeito que a autoridade deve aos direitos legítimos dos seus representados.
Uma autoridade legítima não necessariamente precisa ser eleita pelo voto direto, conforme se exemplifica no parlamentarismo, e nem sequer precisa ser eleita de modo algum, como ocorre nas monarquias constitucionais e na própria Igreja. Mesmo no presidencialismo, os membros do poder judiciário, por exemplo, tampouco são eleitos pelo voto popular e, não obstante, podem ter autoridade legítima - desde que cumpram outros requisitos devidamente estabelecidos e reconhecidos.
A autoridade de Ortega, por sua vez, é ilegítima tanto pela fraude eleitoral com que ele chegou à presidência quanto pelo seu próprio modo de exercício do poder executivo, que infringe sistematicamente a constituição e o estado de direito em seu país, suprimindo direitos fundamentais da população como o de expressão, religião, imprensa, reunião e até o de ir e vir.
Outra falácia, muito recorrente, está nos termos da comparação, já que Ortega força uma equivalência inexistente entre a Igreja Católica e um governo nacional.
Pela sua natureza, a Igreja Católica não é, nunca foi, não pode ser e não se apresenta como uma democracia. Fundada por Jesus Cristo, ela consiste na comunidade das pessoas que, livre e voluntariamente, aderem à doutrina de Jesus Cristo, que não é passível de eleição, plebiscitos, referendos ou emendas. Ou se aceita, ou se rejeita - mas nunca se impõe: cada um tem a liberdade de aderir a ela ou não.
Pela mesma razão, os seus sacerdotes não são aspirantes a cargos administrativos sujeitos a processo eleitoral: são ministros chamados por Deus e, portanto, quem os elege é Deus mesmo. Quem não acredita na vocação sobrenatural do clero não tem qualquer obrigação de reconhecê-los como eleitos por Deus - uma liberdade, aliás, que, na ditadura de Daniel Ortega, não é respeitada no tocante aos cidadãos que questionam o seu próprio regime.
Alheio à realidade e insistindo na sua falácia sobre Igreja e ditadura, Ortega acusou os bispos de "falar de democracia e não a praticar". E, ignorando convenientemente a natureza da Igreja, prosseguiu:
O discurso falacioso do ditador cairia por terra mesmo que se referisse a uma empresa privada: o fato de que os funcionários não elegem a diretoria não quer dizer que a autoridade dos diretores seja ilegítima ou que a empresa represente uma ruptura da democracia; trata-se apenas de outra natureza institucional, à qual adere livremente quem livremente o deseja.
A resposta de um bispo... exilado pela ditadura
Com suas mentiras sobre Igreja e ditadura, além de escancarar mais uma vez o seu cinismo, Daniel Ortega escancarou mais uma vez a sua ignorância. De fato, "mentira, cinismo e ignorância" foram as palavras com que um bispo resumiu o discurso ilógico, hipócrita e clamorosamente desonesto do ditador.
Trata-se do bispo auxiliar de Manágua, dom José Silvio Báez - que, aliás, está exilado nos Estados Unidos em decorrência da falta de democracia que o impede de retornar à Nicarágua. Diga-se de passagem, esta é a situação de pelo menos 50 padres que se viram forçados a buscar refúgio em países vizinhos. Em paralelo, há outros padres presos arbitrariamente dentro da Nicarágua, assim como continua em prisão domiciliar irregular também o bispo de Matagalpa, dom Rolando Álvarez (foto).
Dom José Silvio Báez afirmou sobre o ataque do ditador:
Com informações de Pablo Cesio para Aleteia Espanhol