1. Jesus entrou num sábado em casa de um fariseu notável, para uma refeição; eles o observavam. 2. Havia ali um homem hidrópico. 3. Jesus dirigiu-se aos doutores da Lei e aos fariseus: “É permitido ou não fazer curas no dia de sábado?”. 4. Eles nada disseram. Então Jesus, tomando o homem pela mão, curou-o e despediu-o. 5. Depois, dirigindo-se a eles, disse: “Qual de vós que, se lhe cair o jumento ou o boi num poço, não o tira imediatamente, mesmo em dia de sábado?”
A passagem bíblica narrada no evangelho de São Lucas (14,1-5) é rica em significado e as principais homilias e discussões teológicas sobre ela dizem respeito à observância do sábado no contexto judaico.
Jesus, antecipando-se às críticas, lança um desafio aos seus anfitriões com uma questão ética: seria lícito curar no sábado ou não? Sem esperar pela resposta, Ele toca o homem e o cura e, depois, confronta os presentes com uma analogia: se um boi cair em um poço no sábado, não seria imediatamente retirado por seu dono? Com essa comparação, Jesus destaca o erro de quem valoriza mais as regras do que a misericórdia e a caridade.
Apesar de o foco da grande maioria dos textos sobre esta passagem discutir sobre as questões teológicas da cura no sábado, a finalidade deste artigo é debater o objeto da cura. Qual doença poderia estar acometendo o homem que foi curado? O que significa a palavra hidrópico?
O termo homem hidrópico se refere a um indivíduo que sofre de uma condição chamada hidropisia, atualmente este nome não é muito comum na prática médica. Refere-se ao acúmulo anormal de líquidos no organismo e, hoje, as expressões mais utilizadas para esta condição são: inchaço ou edema. Quando este inchaço ocorre em todo o corpo ele passa a se chamar anasarca.
É impossível ter certeza a respeito das condições clínicas do indivíduo em questão, porém considerando que ele foi identificado como um homem hidrópico, provavelmente seu inchaço estava visível a todos e, por isso, podemos imaginar que se tratava de um caso de edema generalizado ou anasarca. Mas, afinal, o que leva um indivíduo a ter hidropsia?
Existem várias condições que podem causar a hidropsia ou anasarca, dentre elas duas chamam a atenção por sua relevância. A primeira e mais importante é uma condição chamada insuficiência cardíaca. Esta doença acontece quando o coração perde a sua eficiência, tornando incapaz de bombear sangue, de maneira adequada, para todo o organismo, ao mesmo tempo que tem dificuldade em drenar todo o sangue bombeado das extremidades de volta para o coração para um novo ciclo circulatório.
Esta dificuldade na drenagem sanguínea é responsável pelo inchaço (ou edema). Quando a doença está em fases iniciais é percebida como um inchaço nos pés, que vai subindo para as pernas no decorrer do dia, mas que melhora quando nos deitamos à noite para dormir. À medida em que a insuficiência cardíaca se agrava, o inchaço vai ficando cada vez mais grave e o indivíduo já acorda com as pernas edemaciadas, além de apresentar pouca resistência para realizar atividades físicas leves, chegando, em casos mais graves, a dificuldade, inclusive, para respirar devido ao acúmulo de líquido nos pulmões.
As principais causas de insuficiência cardíaca são a hipertensão arterial mal controlada e os infartos; por isso, a importância de nunca se esquecer de utilizar as medicações para a pressão, evitar o tabagismo e manter uma dieta balanceada.
O segundo motivo para a hidropsia, ou anasarca é a insuficiência renal. Isto ocorre quando os rins perdem sua capacidade de eliminar o excesso de líquidos do corpo e este acúmulo de líquidos no organismo leva ao edema generalizado ou anasarca.
As consequências de uma insuficiência renal são muito graves, devido à incapacidade de o rim eliminar também as toxinas do corpo, o que pode levar a grande mal-estar e até à morte, sendo necessário, em alguns casos, a substituição do rim por meio de transplante ou, quando não for possível, o indivíduo deve ser submetido a sessões de hemodiálise (uma máquina “filtra o sangue” substituindo algumas das funções do rim).
As principais causas de insuficiência renal são o uso inadequado de anti-inflamatórios por pessoas que se automedicam ou o controle inadequado do diabetes e da pressão arterial. Este é um dos principais motivos das campanhas públicas e da insistência dos médicos para que seus pacientes utilizem regularmente os seus medicamentos para a hipertensão e o diabetes e nunca se automediquem quando estão com alguma dor ou incômodo físico.
Concluindo, o estudo das Escrituras é um campo fértil não somente para assuntos teológicos, mas também para outras áreas do conhecimento. Ao contemplarmos a passagem bíblica que descreve o milagre realizado por Jesus em um dia de sábado, somos levados a uma reflexão mais profunda que transcende o contexto da tradição religiosa de seu tempo e adentra no âmbito da compaixão humana.
Do ponto de vista médico, a cura do homem hidrópico é um alerta sobre a importância do autocuidado. Convida-nos a ficar atento às doenças que podem levar ao quadro de hidropsia, tal como a insuficiência cardíaca e a insuficiência renal. Elas são frequentemente resultantes de hábitos de vida e de condições de saúde inadequados, mas que podem – e devem – ser prevenidos.