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A maior preocupação do Papa: que sua decisão não seja compreendida

Jaime Septién - publicado em 13/02/13

Entrevista com Dom Carlos Aguiar Retes, presidente do Conselho Episcopal Latino-Americano

Como devemos ler, a partir da América Latina, a renúncia do Santo Padre? Temos de entender a mentalidade do Papa, sobretudo a sua espiritualidade. Em todos os seus escritos, encíclicas, em seus sermões, ele nos dá a conhecer, de maneira expressa, sua profunda confiança em Deus. Se o Papa toma esta difícil decisão, é porque precisamente ele se reconhece como um instrumento de Deus. Ser eleito Papa foi uma grande surpresa para Ratzinger. Seu rosto denotava preocupação, mais do que satisfação. Ele aceitou por causa da sua confiança em Deus. E agora coloca um ponto final com essa mesma atitude de confiança absoluta em Deus.

Por que precisamente agora a decisão de renunciar? Ele tomou esta decisão no momento mais tranquilo dos seus quase 8 anos de ministério. E é por isso que nos surpreende. É como se ele estivesse medindo os tempos, as formas, o "como"… E chegar a esta decisão no momento de maior paz, para que pudesse ser entendida. Ele disse, em muitas ocasiões, que somos servidores e que, ainda que exista um poder espiritual, ele se reconhece como servidor do espírito de Cristo. Este testemunho é muito coerente.

E é uma lição… É uma grande lição para nós. Todos nós, no pouco ou grande espaço de poder que temos, teríamos de nos perguntar: "Eu tomaria a decisão que o Santo Padre tomou?". Tenho que colocar a minha esperança não nisso que faço ou nisso que tenho como responsabilidade, mas na minha relação com Deus e na transcendência até a vida eterna. O Santo Padre está convencido – como ele mesmo ensinou – de que a maior felicidade do homem será o encontro definitivo com Cristo. Ele sabe que cumpriu sua missão e que agora vai orar pela Igreja, vai velar a partir desta hora de Getsêmani, como fez Jesus, por aquele que conduzirá agora a barca de Pedro.

Seu gesto será entendido? Pelo menos os cristãos, pelo menos nós, católicos, tomara que entendamos a profundidade espiritual que representa a decisão que o Santo Padre tomou.

O senhor considera o magistério de Bento XVI como "eurocentrista", como muitos críticos da Igreja na América Latina dizem? É explicável. O Papa nasceu, viveu e se formou na Europa. Ele fala do que conhece. A Europa, sendo centro do cristianismo, é a sua grande preocupação. Seria muito lamentável que o centro do cristianismo se descristianizasse.

E entre nós? O grave para nós, que estamos em outros continentes (particularmente na América Latina), seria não aprendermos a lição. E não prestarmos atenção nos sinais dos tempos, que nos obrigam, como nos pede Aparecida, a refletir sobre a missão da Igreja. Não podemos continuar fazendo, simplesmente, o que aprendemos a fazer. Não podemos nos dar por satisfeitos, ainda que lotemos nossa agenda de puras coisas boas para fazer no dia a dia, se não estivermos certos de estar fazendo o que Deus pede que façamos.

Como relacionar este gesto do Santo Padre ao mandato da conversão pastoral de Aparecida? Eu acho que o Santo Padre, que foi quem iluminou Aparecida com o seu discurso inaugural e quem nos deu a chave de que tínhamos de voltar à consciência do discipulado, agora está convencido de que este pastor que ele foi já cumpriu sua missão; e agora a deixa nas mãos de outro, porque sabe que somos instrumentos do Espírito de Deus. Penso que é muito doloroso para o Papa o fato de tomar a decisão de renunciar. Não por ele mesmo, mas o que lhe deve preocupar – e por isso convido a orar por ele – é que sua decisão não seja compreendida e se pense que ele a tomou por algum motivo diferente do seu amor à Igreja.

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