Nietzsche uma vez disse que o conforto é a morte, Viktor Frankl afirmava que a posição de vítima diante da vida pode causar o vazio existencial e até mesmo a morte. Anna Roosevelt afirmou que uma democracia não pode ser estática, pois tudo que é estático está morto. Não assumir as rédeas da vida, não tornar-se agente da própria história não condiz com a natureza humana. As pessoas têm medo dos conflitos existenciais, evitam as discussões e os confrontos, e acabam por não resolver os problemas existentes, vivendo na ilusão de que eles não existem ou que se existem desaparecerão com o tempo. O movimento que se espalha por todo o Brasil representa o limite a que chega um povo que tentou por muito tempo evitar os conflitos, tentou fazer cada um a sua parte sem envolver-se de fato, enquanto aproveitava os feriados, os carnavais, os jogos de futebol e as praias com a ilusão de que alguém algum dia resolveria os problemas do país.
O gigante está se despertando não por causa de 20 centavos. Os jovens estão nas ruas porque afinal encontraram o motivo real de seu descontentamento, estão percebendo que o mundo apresentado pela mídia e pelo governo é irreal, completamente ilusório. Dar-se conta é tão importante quanto encontrar a cura para uma doença terminal. O Brasil está se dando conta, se dando conta de que não somos um país desenvolvido, as pessoas pensam que podem ter carros e tecnologia, mas se endividam cada vez mais, as pessoas trabalham muitas horas por semana e gastam muito tempo nos transportes públicos ou particulares, gastam muito para trabalhar, as pessoas têm medo de sair nas ruas e serem assaltadas, têm medo de serem assassinadas. Os jovens que têm dinheiro se escondem, os que não têm são humilhados em trabalhos mal remunerados ou são obrigados a deixar os estudos para trabalhar ou até mesmo entrar na criminalidade.
A sensação que o brasileiro tem é a de que quanto mais ele trabalha, menos dinheiro ele tem, menos segurança ele tem. A escola é muito cara, os imóveis cada vez mais absurdamente caros, os carros são muito mais caros que nos países desenvolvidos, a gasolina que produzimos é vendida lá fora por menos da metade do preço que nós pagamos aqui dentro, mas tudo isso seria suportável se não fosse o abismo de incoerência diante do qual não se pode mais fingir-se de cego. O governo que supostamente deveria cuidar da coisa pública não está cuidando bem, distribui-se dinheiro para alguns que realmente necessitam, mas deixa que muitos que não precisam abuse da ajuda, oferece bolsas para muitos e não valoriza os que lutam no trabalho e pagam todos os impostos. O governo sempre diz que não há dinheiro para investir na saúde pública que é muito ruim, diz que não há dinheiro para investir na educação e continua em 85º no ranking mundial do IDH, diz que não tem dinheiro para investir na segurança e o número de assassinatos aumenta vergonhosamente, enquanto isso investe quase 30 bilhões de reais para sediar a Copa do Mundo.
Os problemas administrativos são preocupantes e causam repúdio na população, mas ainda não são os piores, as pessoas precisam sentir-se seguras na sociedade em que vivem e segurança não apenas significa que não sejam roubadas ou assassinadas, mas também que possam ter orgulho do seu país, possam falar para os amigos estrangeiros que sua nação é boa, é coerente, é honesta e cresce com dignidade, possam dizer para os filhos que eles terão um bom futuro e terão orgulho de serem brasileiros. Cabe ao poder público salvaguardar a mãe pátria e os direitos dos seus filhos. Quando um pai não exerce seu papel e abusa dos filhos, estes adoecem e se rebelam. O Brasil tem se tornado uma pátria mãe abusada pelo poder público, violada pela corrupção. Os intermináveis processos contra os políticos envolvidos em comprovados casos de corrupção nunca têm um desfecho justo, a lei é manipulada em favor dos que estão no poder e os criminosos endinheirados nunca sofrem as consequências da justiça. As obras são sempre superfaturadas, políticos em todas as instâncias recebem propinas, a pauta dos partidos é dirigida pelas empresas que financiam suas campanhas ou por ideologias de manutenção de poder. Políticos e familiares de políticos tornam-se milionários em pouquíssimo tempo. Senadores e Deputados estão mais preocupados em estabelecer conchavos políticos do que em defender os interesses públicos.
Não, não é pelos 20 centavos, é pela desonra, é pela vergonha, é pela incoerência, é pela violência e o abuso. Se em 1970 cantávamos “70 milhões em ação, pra frente Brasil, salve a seleção”, hoje cantamos em brado forte 200 milhões em ação, pra frente Brasil! Salve a NAÇÃO!