Quando se estuda a gnose entra-se num labirinto cheio de brumas, tentando descobrir segredos que permitirão chegar a um mistério
Com a queda do marxismo, o que já se manifestava aqui e acolá se irradiou por todo o nosso cético século XX: houve uma grande explosão de misticismo. Só se fala em horóscopos, tarot, hinduísmo, homeopatia, alquimia, ocultismo, esoterismo e todos os tipos de superstição se alastram. E até ateus marxistas passaram a exibir em seus carros o dísticos “eu creio em duendes”.
O fenômeno foi tão invasivo que a famosa revista internacional 30 Giorni começou a publicar repetidos artigos sobre o misticismo herético e sobre a Gnose. E o que era assunto de eruditos passou a ser tema amplamente divulgado e universalmente admitido .
Assim, torna-se hoje bem claro que razão cabia bem a Simone de Pétrement que, ao analisar a literatura a partir do Romantismo, isto é, a partir da Revolução Francesa, concluiu: “a julgar por nossa literatura, nós entramos numa idade gnóstica”
Erich Voegelin, examinando os sistemas totalitários de nosso tempo – nazismo, fascismo, e comunismo – chega a conclusão de que eram sistemas gnósticos e os partidos que adotaram esses sistemas eram, na verdade, “ersatzs” da religião. Ele não hesita em colocar também a psicanálise e o progressismo no mesmo balaio da gnose:
“Dizendo movimentos gnósticos entendemos referir-nos a movimentos como o progressismo, o positivismo, o marxismo, a psicanálise, o comunismo, o fascismo e o nacional-socialismo (nazismo)” .
Não falta mesmo quem veja na própria ciência moderna reflexos da gnose antiga. Por exemplo, Jacques Lacarrière chama Einstein, Planck e Heisemberg “ces gnostiques de notre temps”.
Sem significar que endossemos as conclusões da obra, é interessante, entretanto, lembrar o best-seller de Fritjoff Capra – “O Tão da Física”-, que pretende ligar toda física moderna ao gnosticismo.
Poderíamos citar muitos outros autores. Para os limites de um artigo bastam-nos entretanto os fatos, esses eruditos e as revistas de divulgação cultural.
Quando se estuda a gnose entra-se num labirinto cheio de brumas, tentando descobrir segredos que permitirão chegar a um mistério. Não é de estranhar que o tema se preste a confusões.
É pois necessário estabelecer distinções. E uma primeira é entre panteísmo e gnose. O próprio Dictionnaire de Théologie Catholique de A. Vacant e E. Mangenot cita, de cambulhada, doutrinas panteístas e gnósticas, sem distingui-las. Em seu elenco estão desde as religiões hinduístas, do Egito, China e Caldéia, passando por Heráclito e Parmênides juntos, pelo sufita Ibn Arabi, Campanela até Diderot, Kant, Novalis e os românticos.
Ora, o panteísmo é a doutrina que considera que tudo – inclusive a matéria – é Deus. A gnose, ao contrário, em quase todos os seus sistemas condena a matéria como obra maligna.
Simplificando um tanto o problema, cujos meandros não podem ser examinados nos limites deste artigo, pode-se dizer que o panteísmo representa uma corrente plutôt otimista, enquanto a gnose é pessimista
O panteísmo é naturalista, monista e tende ao racionalismo.
A gnose é dualista, anti- cósmica e anti-racionalista. Mas essa é uma distinção que deveria em alguns casos ser matizada, porque alguns sistemas gnósticos são ambivalentes, com relação ao mundo material, que é dialeticamente amado e odiado ao mesmo tempo . Por outro lado, há sistemas panteístas que admitem a transformação da matéria em espírito, ao fim da evolução
Por exemplo, nota-se no sistema panteísta de Plotino uma clara tendência para gnose, embora esse autor neoplatônico tenha até escrito uma obra contra os gnósticos de seu tempo.
Conviria ainda dizer que o panteísmo é uma anti-câmara para a gnose, sistema reservado para espíritos mais tendentes ao misticismo orgulhoso do que ao sensualismo.