É no agir de Maria que vemos o modelo da vida cristã
Podemos, como católicos, pensar que a Virgem Maria, na Igreja, é apenas um objeto de devoção e esquecemos que ela também teve e tem um papel muito importante na obra da Salvação e, por isso, é digna de ser – além de cultuada – estudada. Para isso, existe uma matéria que chamamos de mariologia.
O que é mariologia? É a disciplina que, dentro da teologia, estuda o locus (lugar) da Virgem Maria na obra da Salvação.
Maria nos primeiros séculos de cristianismo: A mariologia como tratado separado é fruto da Idade Média. O primeiro milênio de cristianismo conhece Maria, mas sempre numa relação com Jesus Cristo, onde este era o protagonista dos discursos e homilias – lembremo-nos que a Patrística era o período das grandes controvérsias teológico-cristológicas, salvos alguns relatos piedosos, como o “protoevangelho de Tiago” (início do século III) e a “Vida de Maria”, do monge Epifânio.
Mariologia medieval: Na Idade Média, após os dogmas cristológicos serem definidos, a piedade marial ganhou espaço. Basta que nos lembremos do surgimento do santo Rosário, das inúmeras devoções marianas e das revelações privadas que ocorreram a vários santos. O Tratado da Santíssima Virgem, de São Bernardo de Claraval (+ 1153), é a obra mariológica que marca este período.
No período medieval, ainda, percebemos grandes controvérsias mariológicas, principalmente no que diz respeito à Imaculada Conceição de Maria. As universidades eram verdadeiros polos de discussão entre teólogos franciscanos e dominicanos. Apesar destes últimos carregarem o rosário no hábito e terem todo um histórico devocional mariano – devido ao seu fundador, São Domingos de Gusmão – eram os frades menores que defendiam a imaculada concepção de Maria, encontrando a sua figura mais expressiva no Beato João Duns Scotus. Por esse motivo é que Santo Tomás não fez um tratado de mariologia, visto que era dominicano e, portanto, fruto de uma época e de uma escola de pensamento.
Mariologia Sistemática na Idade Moderna: O período Moderno é marcado pela teologia sistemática. E, a mariologia entra dentro deste campo. Diante da Reforma Protestante, que promoveu “um corte radical na devoção aos santos e, sobretudo, a Maria […] a Contra-Reforma católica retoma com mais vigor a figura de Maria” (MURAD, Afonso. Maria, toda de Deus e tão humana. 2. ed.. São Paulo: Paulinas; Valência: Siquem, 2006. p. 14). Com isso, Francisco Suarez (1584) cria o primeiro tratado mariano e Plácido Nígido (1602) cria a palavra “mariologia”.
Mariologia devocional, fruto do iluminismo: Diante do Iluminismo dos séculos XVIII e XIX surge “uma mariologia devocional, de cunho afetivo, na qual se misturam elementos simbólicos e racionais” (MURAD, 2006, p. 14). Assim, nasce O Tratado da Verdadeira Devoção à Santíssima Virgem, de São Luís Maria Grignion de Montfort. Salvo a linguagem hiperbólica do autor, Montfort busca mostrar que a verdadeira forma de ser livre é se tornar escravo daquele que é o Senhor da Liberdade, Jesus Cristo. Mas, para que façamos isso da melhor maneira é preciso que o façamos pelas mãos de Maria, tendo em mente que é mais fácil perceber as virtudes que santificaram a Virgem Mãe, do que perceber as virtudes que nos levaram à salvação (presentes em Cristo (já santificado)). Assim, nasce a escravidão de Jesus por Maria, que marcou muitos institutos religiosos surgidos nesta época.
Mariologia no século XX: Nos anos sessenta do século XX inicia-se um movimento um movimento de retorno às fontes do cristianismo (Sagradas Escrituras, Patrística e Sagrada Liturgia), conhecida como Nouvelle Theologie, que encontra seus maiores expoentes em Joseph Ratzinger, Hans Urs von Balthasar e Henry de Lubac. Assim, toda “mariologia armada somente sobre argumentos da tradição” (MURAD, 2006, p.15), principalmente do raciocínio escolástico e do seu método dedutivo, cai por terra. Era preciso que se voltasse às raízes e se considerasse a Virgem Maria como sendo verdadeiramente Senhora, mas também criatura, para o pesar do tomismo leonino de Lagrange, cardeal Ottaviani, dentre outros. E, também para o pesar de certos teólogos liberais, que queriam mostrar apenas o labor da “Maria de Nazaré”, aquela que tinha uma vida comum, sem nada de extraordinário, com as dificuldades corriqueiras de qualquer ser humano, mas que se esqueceram que a dimensão interior (espiritual) de Maria era aquela que a tornava grande, a ponto de ser assunta ao Céu, em corpo e alma (dogma de 1950).