Cada vez mais chineses rejeitam a vida familiar
Não muito tempo atrás, a família chinesa ideal era grande e reunia várias gerações vivendo juntas. O autor Lao She, por exemplo, deu ao seu best-seller sobre a vida em Pequim durante a ocupação japonesa um título significativo: “Quatro gerações sob o mesmo teto”.
Mas isso foi antes que a política do filho único dizimasse as famílias chinesas, desestimulando o casamento entre os jovens, forçando abortos, esterilizando centenas de milhões de mulheres e deixando os idosos desprovidos de filhos e netos que os amassem e cuidassem na velhice.
A desestruturação provocada pela intervenção do Partido-Estado na vida privada dos seus cidadãos se reflete num novo relatório da Comissão Nacional Chinesa para a Saúde e o Planejamento Familiar, departamento encarregado de fiscalizar o cumprimento da política do filho único. Sem surpresas, o relatório mostra que o tamanho das famílias está encolhendo rapidamente na China: de 5,3 membros, na época da revolução comunista, para apenas 3 hoje em dia.
O motivo principal do declínio, naturalmente, é a política do filho único, que proíbe os casais urbanos de ter mais do que um filho e os casais rurais de terem mais do que dois. A tendência foi acelerada pelo êxodo rural dos jovens que partem à procura de oportunidades econômicas, deixando nas aldeias do interior somente as pessoas muito idosas e as jovens demais.
Há hoje dezenas de milhões de jovens trabalhadores solteiros nas cidades e nas periferias, junto com um grande número de casais que atrasaram o nascimento do filho ou decidiram não ter filho nenhum. Além disso, a população de idosos chineses que vivem sozinhos ou apenas com o próprio cônjuge já é enorme e continua crescendo.
O relatório, escrito pelos próprios aplicadores do controle populacional, não reconhece a culpa do Partido-Estado. Mas a culpa é dele, sem dúvida, em todos os casos.
O relatório prefere culpar os jovens por adiarem o casamento a fim de priorizar a carreira, poupar para comprar carro e casa, viver outro estilo de vida ou esperar para achar o parceiro ideal. O documento se esquece, porém, da principal razão que leva os jovens a esperar: casar cedo, na China, é contra a lei. As regras impedem os homens de se casarem antes dos 26 ou 27 anos, e as mulheres não podem se casar até completarem pelo menos 23.
Além disso, por causa do aborto seletivo e do infanticídio de dezenas de milhões de meninas, há um número equivalente de homens jovens que jamais conseguirão se casar: é que as mulheres que iriam se casar com eles foram abortadas ou assassinadas depois de nascerem.
O bombardeio constante de propaganda antipopulacional também teve efeitos contrários à natalidade. Quando os jovens finalmente são autorizados a se casar, muitos optam por adiar a vinda do filho único ou por nem sequer tê-lo. O número de casais com filhos, de acordo com o relatório, caiu "significativamente", enquanto cresce o número de famílias que adotam a mentalidade do "sem filhos, renda dupla".
Finalmente, há o envelhecimento rápido e contínuo da população chinesa, consequência direta das políticas estatais de restrição do número de bebês que podem nascer. Fiel à forma comunista, o relatório trata longamente do fato de milhões de jovens chineses trabalharem em cidades distantes da casa paterna ou optarem por viver em apartamentos próprios em vez de morar com os pais. O documento tenta jogar a culpa pela epidemia de solidão entre os idosos nas costas do jovem egoísta, tachado de não ter tempo para visitar os próprios pais anciãos.
Mas… Se você só permite que os casais tenham um ou no máximo dois filhos, não é você mesmo que está criando um problema de negligência no tocante aos idosos?