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O papa Francisco une ou divide?

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FILIPPO MONTEFORTE / AFP

Tom Hoopes - publicado em 30/09/14

Alguns aspectos a levar em consideração antes de responder a essa pergunta

Desde que George Bush propôs, durante uma entrevista, uma distinção entre “unificadores” e “divisores”, a mídia norte-americana vem se perguntando continuamente sobre cada presidente dos Estados Unidos: "Será que ele é um unificador ou um divisor?".

É interessante perguntarmos o mesmo sobre o papa Francisco. Ele une ou divide?

Há quem considere que ele chegou ao papado para salvar a Igreja católica, com a sua abertura e com o seu amor. Há quem ache, porém, que ele veio para miná-la, mexendo rápido e perigosamente demais nas suas regras. Outros pensam que ele está irremediavelmente preso à doutrina; outros, ainda, opinam que ele não vê a hora de deixar para trás os ensinamentos tradicionais da Igreja.

Eu acho, em última análise, que Francisco veio para unir.

Mas de uma forma particular.

O papa é um "reunidor de sonhos": nós projetamos nele os nossos sonhos de unidade ou divisão.

A reputação de um papa não se constrói estritamente em cima do que ele diz e faz; a sua batina branca funciona como uma tela sobre a qual nós projetamos as nossas próprias expectativas e desejos.

O papa São João XXIII é um bom exemplo. Ele é citado como uma inspiração pelos dissidentes, mas foi ele o papa que disse: "Assim como os fiéis estão sujeitos aos seus sacerdotes, assim os sacerdotes estão sujeitos aos seus bispos… E cada bispo, também, está sujeito ao Romano Pontífice". Quando João XXIII disse "Eu quero abrir as janelas da Igreja", aquilo significava "Eu quero que a Igreja mude mais pessoas". Mas houve quem pensasse que ele pretendia dizer "Eu quero que mais pessoas mudem a Igreja".

Consideremos, também, o papa Bento XVI. Ele é pintado como um tradicionalista radical porque favoreceu trajes e liturgia tradicionais. Mas ele foi o papa cuja primeira encíclica mencionou os "eros" de Deus e cuja última encíclica fez uma crítica mordaz à economia do Ocidente. Ele foi o papa que estendeu a mão às vítimas de abusos sexuais cometidos por clérigos: em seus sinceros encontros com eles, o papa ia às lágrimas. Ele foi o papa cujos modos gentis conquistaram a sinagoga de Colônia. Ele foi o papa que renunciou ao próprio cargo, uma das maiores rupturas da tradição já protagonizadas por um papa em toda a história.

O papa Francisco também está sendo julgado com base em suas roupas e em seu estilo, o que alimenta os desejos de algumas pessoas de que ele ceda em todas as “antiquadas” doutrinas da Igreja. Mas, se você prestar atenção às suas reais palavras, perceberá um homem muito diferente disso.

Sobre o problema da comunhão para os divorciados que se casaram novamente sem passar pela anulação matrimonial, ele declarou com toda a clareza: "Não existe problema nenhum. Se eles estão numa segunda união, eles não podem". Sobre o motivo de pregar o evangelho, ele explica: "Não sejam ingênuos. Temos que aprender com o evangelho a lutar contra Satanás".

Então, por que tanta gente cultiva uma compreensão tão diferente dele?

O papa “divide” e une ao mesmo tempo porque ele é, acima de tudo, pastor.

Desde o início, a mensagem do papa Francisco foi clara. Jesus nos disse que um bom pastor dedicaria o seu tempo a ir atrás das ovelhas perdidas, não a ir atrás das que nunca se desgarraram.

Como observou o cardeal Raymond Burke, "o Santo Padre, parece-me, quer remover todo obstáculo concebível que as pessoas possam ter inventado para não responder ao chamado universal de Jesus Cristo à santidade".

É por isso que muitos críticos estão inquietos quanto a alguns dos movimentos de Francisco no tocante ao casamento. Antes da citação referida acima sobre a comunhão, Francisco falou longamente de estender a mão a quem precisa de um caminho para voltar para a Igreja. E ele está ocupado abrindo esses caminhos: não por meio da alteração da doutrina, mas da ajuda para que mais pessoas acatem as demandas da doutrina.

Há também outra forma de se ver nele um unificador: o papa Francisco é aquele homem que desafia as nossas suposições e amplia a nossa compreensão.

Eu já vi esta cena várias vezes. Um católico "conservador" e um católico "liberal" se encontram num evento em que têm de ser educados e conversar um com o outro. Passa-se um pouco de tempo e os dois se veem surpresos com o que descobrem.

O católico de espírito tradicionalista, para grande choque do outro, não é um obcecado em arremessar anátemas para todos os lados. Ao contrário: ele é uma pessoa pensante e cuidadosa. E o católico "progressista", para grande espanto do outro, não é um sujeito que só se preocupa com as últimas modas intelectuais em vez de se interessar honestamente pela verdade. Se os dois forem humanos e tiverem a mente aberta, vão aprender alguma coisa um sobre o outro e sobre si mesmos, além de crescerem no amor e no cuidado pelas almas.

O papa Francisco tem os dois lados. Ele dá um rosto amoroso à doutrina, diante daqueles que desejariam mudá-la, e um rosto de fé à sensibilidade humana, diante de quem enfatiza apenas a doutrina.

Um lado corre o risco de nunca ouvir o outro. Um pode não suportar o outro que denuncia apaixonadamente os males econômicos e sociais, porque está habituado a​ tachar aquela pessoa de marxista mal-disfarçado. O outro pode estar habituado a ridicularizar quem alerta contra o diabo, quem promove uma forte devoção mariana e quem cita o catecismo; ele chama essas pessoas de “pietistas”, na melhor das hipóteses, ou de “fanáticas”, na pior.

Mas quando essas duas pessoas são a mesma pessoa, e essa pessoa veste uma batina branca, então o desafio que o papa Francisco representa para todos nós é o de crescermos muito mais, apesar de nós mesmos.

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