Será que as origens do ódio religioso estão na ruptura brutal com as crenças familiares?
No início da minha carreira, o meu foco de atenção era o nascimento da história britânica moderna, com ênfase especial nos conflitos religiosos e na violência. Ao repassar esses estudos, eu percebo cada vez mais a existência de paralelos entre aquele tempo e as manifestações de ódio religioso e de intolerância que tanto perturbam o nosso mundo contemporâneo. Embora aqueles eventos históricos do início da modernidade britânica já estejam distantes no tempo, eles ainda têm muito a nos dizer hoje em dia.
A Grã-Bretanha, no século XVII, era oficialmente uma nação protestante anglicana, que penalizava as práticas católicas de maneira implacável. Mesmo assim, minorias dissidentes, ou seja, os católicos da resistência, sobreviviam em certas regiões, principalmente a norte e oeste do país. Em períodos normais, eles eram mais ou menos deixados em paz, mas, de vez em quando, eram submetidos a surtos ferozes de violência e de perseguição. A pior dessas crises de violência aconteceu entre os anos de 1678 e 1682, quando muitos católicos, tanto clérigos quanto líderes leigos, foram presos e dezenas deles foram executados, em resposta a um surto de histeria paranoica que se tornou conhecido como "Complô Papista". De longe, a maior dessas selvagerias ocorreu numa área de fronteira entre a Inglaterra e o País de Gales, nos condados de Monmouth e Hereford.
Cinco sacerdotes daquela região morreram no cadafalso e vários outros na prisão. Três deles foram caçados até a morte, "sendo martirizados pela miséria e pelos sofrimentos dos seus esconderijos nas montanhas, nos bosques, nas tocas e nas cavernas". Muitos leigos católicos também sofreram. Alguns magnatas locais, convertidos ao protestantismo anglicano, se tornaram caçadores de sacerdotes católicos em tempo integral, dedicando-se a extirpar qualquer tipo de manifestação do catolicismo. E conseguiram grandes sucessos nessa empreitada. Naquela mesma área de fronteira, por exemplo, uma missão jesuíta que estava prosperando com força acabou sendo completamente eliminada.
Mas por que esse fanatismo todo, que, em termos contemporâneos, equivale ao "antipapado", foi tão extremo e assassino assim? A resposta, surpreendente, ficou mais clara para mim quando eu observei com atenção as origens dos piores desses fanáticos.
Em praticamente todos os casos, os extremistas protestantes tinham origens católicas. Mais do que isso: em anos anteriores, eles próprios tinham ajudado e abrigado sacerdotes católicos. No geral, tratava-se de homens de famílias divididas entre o protestantismo e o catolicismo; famílias que, inclusive, tinham membros que eram padres da Igreja católica. Os casamentos mistos, entre protestantes e católicos, se tornaram bastante comuns naquela região.
Os sacerdotes que eles perseguiam não eram apenas vizinhos, mas, em boa parte dos casos, eram também parentes próximos. Os extremistas protestantes eram desertores recentes da antiga fé católica, duplamente zelosos, talvez, para justificar a sua nova visão espiritual de mundo e para extirpar aqueles que agora eram seus “inimigos”.
Um exemplo clássico desta situação foi o de um escudeiro chamado Charles Price, fanático protestante que liderou um ataque armado contra a sede local dos jesuítas e que caçou até a morte um dos sacerdotes. Mesmo depois que o padre estava morto, Charles Price insistiu em exumar o seu corpo para confirmar que ele tinha mesmo sido assassinado. O sacerdote vítima desse ódio patológico foi Walter Price: seu próprio primo. Outros sacerdotes tinham comentado, muito recentemente, sobre o grande amigo e apoiador que Charles Price tinha sido sempre. De repente, porém, Charles Price se voltara com fúria contra a sua fé anterior e passara a usar a crise política como contexto para destruir os seus antigos amigos.