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Quando você se torna ponte

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Comunidade Shalom - publicado em 11/11/15

A intercessão é poderosa. É muito mais quando fazemos da vida uma intercessão e passamos a viver para o outro. E só quem mergulha no mistério eucarístico poderá compreendê-la.

Há 35 anos, fui convidada a ministrar um curso sobre intercessão em um Congresso Nacional da RCC, em Aparecida do Norte. Surpresa com o convite, dediquei-me a orar e pesquisar sobre o tema na Palavra e no Magistério. Resultado: apaixonei-me por essa realidade tão palpável e tão bela de nossa fé, vivência tão concreta da realidade mística da comunhão dos santos.

A Palavra nos ensina que só há um intercessor: Jesus Cristo. Todos nós, Igreja, somos intercessores nele, inclusive os santos, os anjos e Maria Santíssima. Nada mais natural e lógico, uma vez que cada ação, oração e sacramento da Igreja só tem sentido e eficácia em Cristo, por Cristo e com Cristo. Até aí, como diziam os antigos, “morreram neves”. A grande “novidade” que me fascinou à época, e me fascina até hoje, é o intercessor com Cristo na cruz. Seu corpo na cruz. Explico-me.

Há 40 anos, hoje e creio que sempre, questiona-me os “grupos de intercessão” que se reúnem, por exemplo, durante um encontro. Passam muitas horas diante do Santíssimo, revezando-se, em grande e generosa dedicação… sem fechar a boca! Entendem, creio, que o Senhor os ouvirá na medida em que falarem o mais alto possível e em favor do pregador e dos participantes. E o Senhor, certamente, os ouve! Ouve sua generosidade, seus corações, sua doação de vida, seu sacrifício. Ouve, até, suas palavras!

Não os critico. Sua simplicidade e dedicação me edificam. Entretanto, fica a impressão de que, fixados apenas na dimensão do falar, perdem o essencial da intercessão cristã: a encarnação do Verbo e sua morte e ressurreição no corpo.

Hebreus 10,5 nos dá a chave de leitura: “Não quiseste sacrifícios nem holocaustos de touros ou de carneiro, mas me deste um corpo e eu vos digo: ‘Eis-me aqui para fazer a tua vontade’. ”. Até a encarnação do Verbo no seio de Maria, os sacerdotes, intercessores oficiais pelo povo, recorriam a longas orações e ao corpo de touros, carneiros, cordeiros, bodes, pombas. Depois da encarnação, a partir do corpo da própria Mãe do Verbo, o corpo passa a ser intercessão mais eloquente, em sua entrega e sacrifício unidos ao de Jesus e por amor a Ele. A encarnação do Verbo é — a intercessão com o próprio corpo, através da própria história — mais eficaz do que todas as palavras do mundo juntas.

A dimensão de intercessão com o corpo estava também presente no Antigo Testamento com o jejum, por exemplo, ou na profecia feita com a própria história de vida, no caso dos profetas. Foi por meio do jejum e oração (segundo os Padres da Igreja, jejum e oração são a mesma coisa!) que Ester salvou seu povo. Foi com a própria história que Oséias profetizou a dor de Deus e sua misericórdia, como resposta ao adultério do seu povo.

Qual a diferença? Esses e outros personagens do Antigo Testamento “sofriam no corpo” por vontade própria, como Ester, ou na própria história, como Oséias, mas – sendo da Antiga Aliança – não tinham sua oferta elevada com Cristo, o Cordeiro de Deus, que, livremente e por amor, se oferta em corpo, alma e história ao Pai, na cruz, em favor do homem. Dito de outra forma, não tinham ainda como se unir consciente e livremente ao Intercessor que, além das palavras, fazia-se ponte, intercessão com a própria vida, o próprio corpo, a própria história.

Fazer da própria vida, do próprio corpo, da própria história, oferta – sacrifício – de intercessão por amor a Deus e aos homens é, de certa forma, um grau de martírio, desde que unido ao Martírio de Cristo. É a força do amor livre que sobe aos céus sem o limite da palavra e com toda a pujança da livre entrega em favor do outro. É ato de amor de quem compreende que há uma parte que lhe cabe no sacrifício de Cristo [1] e a abraça na obediência da fé e do amor, como Maria.

Essa forma de intercessão – a mais poderosa – é muito própria dos consagrados e só é inteiramente compreendida por quem mergulha no Mistério Eucarístico. Quem faz da vida intercessão, na alegria ou na tristeza, na saúde ou na doença, dá sentido a tudo isso e passa a não viver para si, mas para o outro, como pede a Caridade, recebida no Batismo.

Essa intercessão é ponte e caminho para todas as graças de Cristo. É imitação de Maria, que fez do próprio corpo e da própria vida ponte e caminho para o Verbo e toda graça. É poderosa o suficiente para quebrar muros, romper fronteiras, alcançar e unir a vontade de Deus a cada coração de cada homem em qualquer lugar do universo e do purgatório.

A alguns profetas e intercessores, Deus dá história de vida rica em oferta de si mesmo por amor, como fez a Oséias, a Santa Rita de Cássia, a São Padre Pio. Podem até não ser santos nem famosos como eles, mas certamente participam do mesmo mistério de intercessão por amor. Cada aspecto de sua vida (feliz ou doloroso) passa a ter sentido por não ser mais para si mesmo, mas, em Cristo, para o outro.

Nos anos 80, tornou-se muito popular a música “A bridge over troubled water”, que traz uma bela imagem do intercessor: ele se faz, com a vida livremente unida à de Cristo Pontífice Crucificado e Ressuscitado, ponte que se joga sobre águas revoltas, para que o irmão passe, em segurança, para a felicidade de ser amado pelo Pai e de amá-lo de todo coração.

[1] “Agora encontro a minha alegria nos sofrimentos que suporto por vós; e o que falta às tribulações de Cristo, eu o completo em minha carne em favor do seu corpo que é a Igreja”(Cl 1,24).

(Comunidade Shalom)

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