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Indulto de Natal ou insulto de Natal?

impunidade

CC

Francisco Vêneto - publicado em 26/12/17

Até que ponto a misericórdia para com o pecador está sendo deturpada em conivência com o seu pecado?

Reproduzimos, após esta introdução, um texto publicado por Ludmila Lins Grilo, juíza de Direito no Estado de Minas Gerais, Brasil, a respeito do assim chamado “indulto de Natal“.

O propósito de compartilharmos esse texto é que o assunto seja discutido e aprofundado pelos cidadãos, em especial pelos católicos, dado que, por vocação, somos chamados a iluminar o mundo com a luz da verdade.

E há muitas mentiras no tocante ao complexo tema da reabilitação dos detentos. Há exageros que empurram as opiniões para ambos os extremos: o extremo de uma suposta justiça que é mera vingança e o extremo de uma suposta misericórdia que é mera conivência. Ambas as deturpações devem ser desmascaradas.

Percebe-se uma confusão reinante em torno a conceitos como “misericórdia“, “segunda chance”, “perdão”… São temas que, certamente, estão no coração do cristianismo e não podem ser deixados de lado sem que se traia a fé católica. Esses conceitos, porém, não podem ser confundidos com indolência e conivência, porque isso igualmente é traição contra aquilo que a fé realmente nos ensina: que a misericórdia existe, mas que também existe a justiça.

O ponto de partida é não confundir o pecador com seu pecado.

O pecador deve sempre ter acesso ao perdão e ser fervorosamente convidado a ele e apoiado para que o mereça, mas o seu pecado deve ser implacavelmente combatido. Além disso, o pecado já cometido deve ser purgado e os danos que ele acarretou devem ser ressarcidos. Se isto é válido para a vida espiritual de cada um, por que não deveria valer para a vida social de que todos participamos?

A tolerância com o pecado é uma deturpação da verdadeira misericórdia para com o pecador. Se é verdade que todos aqueles que cometeram crimes devem contar com os meios para se regenerarem e mudarem de vida, também é verdade que esses meios devem ser objetivamente voltados a proporcionar esse resultado. São meios adequados, por exemplo, a educação e o trabalho – mas não as abreviações cada vez mais arbitrárias das penas que tinham sido aplicadas aos condenados a fim de que experimentassem e compreendessem as consequências dos próprios atos, se arrependessem seriamente e tivessem condições objetivas de mudar de vida. O mero trancafiamento em celas superlotadas e sem os recursos educativos e formativos necessários à reabilitação é certamente anticristão, porque nega aos culpados o acesso aos meios para se regenerarem de verdade; mas o outro extremo, o da leniência com os seus erros e a suavização arbitrária das suas penas, é igualmente anticristão pelo mesmíssimo motivo: não os regenera – antes, é mais plausível que lhes reforce a certeza da impunidade.

Sem mais introduções à discussão, consideremos a perspectiva do texto publicado pela juíza Ludmila Lins Grilo:

* * *

O indulto de Natal é um verdadeiro insulto

O indulto natalino de 2017 (Decreto 9.246 de 21 de dezembro de 2017) é um tapa na cara do cidadão brasileiro.

É um insulto – com o perdão do trocadilho óbvio e inevitável – a todos os brasileiros cansados e desgastados com a criminalidade. Está previsto na Constituição Federal, artigo 84, XII. Não é atribuição do Poder Legislativo, mas do Presidente da República.

O decreto do indulto funciona como uma lei que, anualmente, na época do Natal, dispensa milhares e milhares de condenados do cumprimento integral de suas penas, mandando-os de volta para casa. É o Papai Noel do criminoso, o saldão de ofertas penal. “Quer pagar quanto?”.

A cada ano, novas regras (mais frouxas) são criadas. Se o condenado preencher os requisitos leva o presentão. Ele vai pra casa e a gente também. Afinal de contas, fica mais perigoso ficar na rua com essa galera à solta e é melhor não arriscar.

Se as leis e o malfadado decreto são os instrumentos de que a Justiça dispõe para trabalhar, é claro que as decisões com base neles não serão grandes coisas. Lamento.

O que mais chamou a atenção foi o descontão promocional para os não-reincidentes em crimes praticados sem violência ou grave ameaça: basta cumprir um 1/5 (um quinto) da pena, e tá tudo certo. Um quinto.

O crime de corrupção, embora seja uma espécie de crime-mãe – raiz de diversos outros delitos – é tecnicamente um crime “sem violência ou grave ameaça”. Entretanto, dele se originam milhares de crimes com violência, além da pobreza e todo tipo de misérias, mas continua sendo não-hediondo, possibilitando a liberação do corrupto com o cumprimento de mísero um quinto de pena. É a impunidade escancarada e jogada na cara do cidadão.

Brasil: todo dia um 7 a 1 diferente, até no Natal.

Ludmila Lins Grilo, juíza de Direito no Estado de Minas Gerais

Tags:
JustiçaMisericórdia
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