O desfile da escola de samba Gaviões da Fiel, no carnaval de 2019 em São Paulo, apresentou contradições que passaram muito longe de ser engolidas pelos cristãos ofendidos por cenas como as de um demônio em postura triunfante sobre o corpo caído ao chão de um passista caracterizado como Jesus Cristo. A escola alegou tratar-se de Santo Antão, o que não confere sequer com a própria representação do santo em um carro alegórico exposto no mesmo desfile.
Além do mais, o próprio intérprete do personagem derrubado pelo “diabo” chegou a declarar, em vídeo bastante compartilhado nas redes sociais, que estava representando Jesus. A reação dos cristãos ofendidos foi retumbante, como se constata neste artigo:
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O verdadeiro Santo Antão
O nome “Antão” é uma versão menos comum de outro nome bastante conhecido: Antônio. Os dois significam a mesma coisa: “florescente“, “aquele que floresce” (do grego “ánthos”, flor). Aliás, na Igreja católica, que celebra Santo Antão no dia 17 de janeiro, este santo que viveu entre os séculos III e IV é também chamado de Santo Antônio Abade. Ele é considerado o pai dos monges cristãos e um elevado modelo de espiritualidade ascética.
Antão nasceu no Egito em torno do ano 250, numa rica família rural. Quando perdeu os pais, o jovem de 20 anos dividiu os seus bens com os pobres e se retirou ao deserto para uma vida penitencial como eremita, chegando a viver junto a um cemitério para se aprofundar na meditação sobre a morte derrotada por Jesus. A inspiração para a renúncia ao mundo lhe tinha vindo durante uma Santa Missa, quando em seu coração se destacaram estas palavras de Jesus:
“Se queres ser perfeito, vai, vende tudo o que tens e dá-o aos pobres”.
As Escrituras, a propósito, eram fonte perene de diretrizes práticas para Santo Antão. Seu trabalho manual, por exemplo, era incentivado por palavras claras de São Paulo (que, aliás, precisam ser recordadas em alto e bom som para as sociedades de todas as épocas):
“Quem não quiser trabalhar não tem direito de comer” (2Ts 3,10).
Não é à toa que ele é também venerado como padroeiro pelos tecelões de cestas, fabricantes de pincéis, açougueiros e trabalhadores da manutenção de cemitérios.
O testemunho de Santo Atanásio
Santo Atanásio, que escreveu sobre a vida de Santo Antão, observa que o eremita usava apenas o que de fato precisava, doando qualquer excedente aos necessitados.
A certa altura, ele começou a organizar comunidades de oração e trabalho, mas acabou retornando ao deserto, numa espécie de harmonização entre a vida solitária e a direção de um grupo de eremitas que viviam nas proximidades. Tornou-se amigo de São Paulo Eremita (que, obviamente, não deve ser confundido com São Paulo Apóstolo – até por conta da grande diferença de épocas em que viveu cada um). Foi a partir dessa organização de grupos de eremitas que Santo Antão se tornou um dos pioneiros do monaquismo cristão – e é daí que lhe vem o epíteto de “Abade”.
Os combates contra o diabo
Santo Atanásio relatou episódios significativos da vida do monge, inclusive alguns que envolviam manifestações do diabo procurando tentá-lo:
“Quando visitávamos Santo Antão nas ruínas onde vivia, escutávamos barulhos, muitas vozes e o choque de armas. Também víamos que, durante a noite, apareciam bestas selvagens. O santo as combatia mediante a oração”.